MEIO AMBIENTE

Governo do RS assume cargo de proteção do bioma Pampa sob críticas da luta ambientalista

Bioma que mais perdeu área nativa neste século no país é um dos menos protegidos e sofre com flexibilizações de leis

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Bioma Pampa perdeu o equivalente a aproximadamente duas vezes e meia o tamanho de Porto Alegre em área nativa em 20 anos - Foto: Laís de Moraes/Arquivo pessoal

Os eventos climáticos extremos no Rio Grande do Sul, seus impactos e formas de prevenção, estão em pauta na 28ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP28), em Dubai, nos Emirados Árabes.

Em sua passagem pela conferência, o vice-governador Gabriel Souza (PSDB) defendeu que o governo estadual é um protetor do bioma Pampa. Disse isso durante cerimônia, na sexta-feira (1º), em que o estado assumiu a coordenação regional do bioma Pampa no âmbito do Consórcio Brasil Verde – Governadores pelo Clima. A afirmação, contudo, foi desaprovada pelo movimento ambientalista, que aponta contradições entre discurso e prática.

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Durante a cerimônia, Souza lembrou que no Brasil o bioma Pampa é exclusivo do Rio Grande do Sul e ocupa 68% do território. Disse que assumir a coordenação “vai ajudar a atrair mais investimentos”, para que se possa “aplicar recursos na área e tornar o estado cada vez mais sustentável”.

O Consórcio Brasil Verde reúne 21 estados e abrange os seis biomas brasileiros. O principal objetivo é fortalecer as ações que buscam cumprir as metas brasileiras com o Acordo de Paris, ao reunir um portfólio de projetos regionais e promover a troca de experiências entre os governos estaduais e parceiros internacionais.

Desde o primeiro mandato do governador Eduardo Leite (PSDB), o movimento ambientalista gaúcho vem travando diversas batalhas contra ações que vão no sentido oposto do que a imagem que o governo vendeu para o mundo em Dubai. Entre elas a intensa luta contra a megamineração no estado, em que a mobilização conquistou o abandono do projeto de instalar a mina de carvão a céu aberto na Região Metropolitana de Porto Alegre que seria a maior da América Latina.


Vice-governador Gabriel Souza (PSDB) defendeu que o governo estadual é um protetor do bioma Pampa na COP28 / Foto: Joel Vargas/Ascom GVG

Bioma do Brasil que mais perdeu território

O presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Heverton Lacerda, conta que a entidade tem acompanhado essa questão principalmente pela Coalizão pelo Pampa, grupo que reúne dezenas de entidades ambientalistas do estado. Ele recorda de uma informação que ficou de fora do discurso do governo: “o Pampa é o bioma do Brasil que mais perdeu território nessas duas primeiras décadas deste século, o equivalente a aproximadamente duas vezes e meia o tamanho de Porto Alegre”.

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Além disso, Lacerda afirma que o Rio Grande do Sul tem poucas unidades de conservação, “o que não ajuda a manter o bioma”. Também chama a atenção para o processo de substituição de campos nativos por plantações de eucalipto com o objetivo de produzir celulose para exportação. Também para o uso intensivo de agrotóxicos no estado, principalmente na cultura da soja.

A questão dos agrotóxicos no estado foi uma batalha em que a mobilização das entidades ambientalistas não conseguiu fazer frente à articulação do Executivo com sua base na Assembleia Legislativa. Em 2021, o governador conseguiu a aprovação, em regime de urgência, de flexibilizações na chamada lei de agrotóxicos. A mudança liberou no estado o uso de agrotóxicos que são proibidos em países onde são fabricados.

Entra no rol de ações que batem de frente com o movimento ambientalista do estado a flexibilização do Código Estadual do Meio Ambiente. Foram alterados cerca de 500 artigos, em curto período, com o projeto do Executivo também tramitando em regime de urgência.

Entre as mudanças aprovadas estão alterações na proteção e preservação de rios e florestas nativas. Estímulos à proteção ambiental foram encerrados e implementou-se o autolicenciamento ambiental, chamada de Licença por Adesão de Compromisso (LAC), em que as empresas comprometem-se a cumprir a legislação, e a fiscalização de projetos para ser feita somente depois.

"Escondeu a verdade", afirma deputado na COP28

O deputado estadual Matheus Gomes (PSOL) está entre os integrantes da comitiva da Assembleia Legislativa que foi à COP28 para tratar da questão climática e seus impactos no estado. Segundo o parlamentar, ele está representando entidades que construíram visão comum sobre os eventos climáticos vistos na região Sul nos últimos anos e os retrocessos da política ambiental do governo Eduardo Leite.

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Gomes comentou a participação do governo estadual no evento. “O vice-governador do Rio Grande do Sul, Gabriel Souza, veio até a COP28 e escondeu a verdade sobre o bioma Pampa, fazendo uma propaganda enganosa do estado para o mundo”, criticou. Para ele, fazendo referência aos projetos do governo Leite, verifica-se um ataque aos mecanismos de proteção ambiental e o fortalecimento de setores da economia que mais poluem.

“Defender o bioma Pampa também é uma tarefa que passa pela COP, a partir das articulações que o Brasil vai fazer com a Argentina e o Uruguai. Mas no estado tem gente que há muito tempo propõe ações estratégicas que poderiam ser desenvolvidas para preservação do bioma, como a Coalizão pelo Pampa, que fala da importância da agricultura e da pecuária familiar sustentável, da ampliação das reservas legais, do fortalecimento de leis que protejam o Pampa”, afirmou o deputado.

Coalizão na luta pela preservação

Em carta aberta à sociedade gaúcha, a Coalizão pelo Pampa apresentou uma série de propostas para a construção de diretrizes e ações para o uso sustentável e a conservação do bioma. Nesse documento é apresentada a informação de que o Pampa é o bioma que mais sofreu perda de áreas naturais entre 2000 e 2018.

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O documento apresenta diferentes razões para essa perda de biodiversidade, entre elas a expansão da produção agrícola e a crescente utilização de agrotóxicos. Pontua que é o bioma com menor área percentual protegida em unidades de conservação, apenas 2,8%, enquanto a recomendação internacional é de 17%.

A carta defende algo que Heverton Lacerda também destacou como uma barreira à degradação, “a necessidade da cultura tradicional, da pecuária familiar sustentável no Pampa”. A Coalizão pelo Pampa afirma que já há uma pressão sobre os territórios e falta reconhecimento a esse modo de vida, o que resulta em insuficiência no fomento financeiro e em assistência técnica.

Este é um dos dez pontos defendidos pelo grupo nas ações e diretrizes que visam “impedir a extinção dos campos do Pampa nas próximas décadas”. Entre as justificativas para o cuidado com o Pampa está justamente aquilo que é mais falado na COP28, evitar tragédias climáticas que tragam consequências à população e à biodiversidade.

A Coalizão pelo Pampa é um movimento coletivo formado por organizações não governamentais com atuação na área socioambiental, redes de pesquisadores, associações de servidores de órgãos ambientais e coletivo de povos e comunidades tradicionais. Entre as principais reivindicações do grupo está a necessidade de criação de mais unidades de conservação.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Katia Marko