Em novembro deste ano, a área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou um parecer recomendando a devolução imediata dos presentes recebidos por Bolsonaro e não catalogados, incluindo as joias dadas a ele de presente pela Arábia Saudita e que foram apreendidas pelo Fisco no aeroporto de Guarulhos, em 2021.
O documento, que data do dia 28 de novembro, foi divulgado pelo jornal O Globo. O Brasil de Fato teve acesso ao parecer, que foi encaminhado para os ministros do tribunal, que ainda não marcou uma data para julgar o caso. Somente com uma decisão é que as recomendações poderão ser implementadas, obrigando Bolsonaro a devolver os itens.
O que diz o parecer técnico
Em 2016 o TCU, órgão de controle externo que auxilia o Congresso na função de fiscalizar o Poder Executivo, estabeleceu normas para a correta destinação de presentes oficiais recebidos pelo presidente da República.
Naquele ano, o tribunal entendeu que somente os presentes personalíssimos ou de consumo próprio recebidos pelo presidente da República poderiam ficar com o mandatário mesmo após o fim de seu governo.
Seguindo este entendimento, a área técnica do tribunal considerou que os presentes apreendidos em Guarulhos – um conjunto de joias, colar de diamantes, par de brincos, anel e relógio de pulso, além de outros presentes que vieram à tona desde que o episódio foi revelado – são bens públicos pertencentes ao patrimônio cultural brasileiro.
O entendimento contraria a tese apresentada pela defesa do ex-presidente, de que ao menos parte dos itens recebidos por ele seriam de uso "personalíssimo".
Com isso, os técnicos do TCU recomendaram que todas as joias e também armas recebidas por Bolsonaro sejam devolvidas à Presidência da República para a devida catalogação dos itens.
Neste sentido, a área técnica entende que cabe ao TCU determinar que a Caixa Econômica Federal devolva a Bolsonaro o colar de diamantes, o relógio e outros itens, hoje sob custódia do banco, para que ele entregue diretamente as peças à Presidência da República. Segundo os auditores, cabe ao órgão reavaliar a classificação das joias e armas que haviam sido incorporadas, irregularmente, ao acervo privado de Bolsonaro.
Sobre o fuzil e a pistola que o ex-presidente recebeu do regime dos Emirados Árabes Unidos, a área técnica do TCU propõe que as armas sejam entregues pela Polícia Federal, que guarda os itens atualmente, diretamente à Presidência da República.
Relembre o caso
Dias antes de ir para os Estados Unidos após ser derrotado nas eleições, no fim do ano passado, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tentou reaver um conjunto de joias, por meio de um ofício enviado pelo então ajudante de ordens Mauro Cid à Receita Federal.
A inciativa não deu certo e, de lá pra cá, o ex-presidente e seus auxiliares viram o cerco se fechar. Primeiro, a Polícia Federal (PF) abriu investigação para apurar um suposto esquema de desvio de dinheiro de presentes recebidos pelo ex-presidente. Agora, o TCU se movimenta para exigir o retorno dos presentes.
Desde que o episódio das joias veio à tona, já foram pelo menos meia dúzia de procedimentos protocolados no Tribunal de Contas da União. A recomendação mais recente do tribunal se originou de uma representação da deputada Luciene Cavalcante (PSOL-SP).
Polícia Federal investiga suspeita de desvios
Além do Tribunal de Contas da União, a Polícia Federal investiga a destinação que Bolsonaro e seus auxiliares tentaram dar a presentes oficiais recebidos pelo ex-presidente durante seu governo. A suspeita da PF é de que teria sido montado um esquema para vender ao menos parte dos itens para que Bolsonaro e seus auxiliares ficassem com o dinheiro.
Em 11 de agosto deste ano, a PF deflagrou uma operação para investigar o suposto esquema, e cumpriu mandados de busca e apreensão em Brasília, São Paulo e Niterói (RJ). Segundo foi divulgado na época da operação, a suspeita dos investigadores é de que o grupo teria ainda tentado ocultar os valores recebidos com a venda dos presentes.
De acordo com o revelado no dia da operação, estariam ligados a este esquema os seguintes presentes: um conjunto de itens masculinos da marca Chopard, contendo uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário árabe e um relógio, presentes da Arábia Saudita em 2021; um kit de joias, contendo um anel, uma caneta, abotoaduras, um rosário e um relógio da marca Rolex de ouro branco, dados a Bolsonaro pela Arábia Saudita em 2019; uma escultura de um barco dourado, sem identificação de procedência até o momento, e uma escultura de uma palmeira dourada, entregue pelo Bahrein ao então presidente Bolsonaro em 2021; e um relógio da marca Patek Philippe, possivelmente recebido do Bahrein também em 2021.
Dentre os investigados por envolvimento neste suposto esquema estariam o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, seu pai, o general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, Osmar Crivelatti – também ex-ajudante de ordens, atualmente um dos auxiliares pessoais escolhidos por Bolsonaro na cota a que ele tem direito como ex-presidente –, e o advogado Frederick Wassef, que já defendeu a família Bolsonaro.
Investigado também em outros episódios, Mauro Cid estava preso desde maio e decidiu colaborar com as autoridades e fechar um acordo de delação premiada com a Polícia Federal, que está apurando as informações fornecidas por ele. Com o acordo ele foi solto, mas ainda precisa cumprir algumas determinações, como utilizar tornozeleira eletrônica, não se comunicar com os demais investigados e ser afastado de suas funções no Exército.
A investigação do caso tramita sob sigilo e, recentemente, a Polícia Federal contou com apoio do FBI para investigar a venda de joias nos Estados Unidos, onde o grupo teria vendido um relógio Rolex recebido por Bolsonaro como presidente e comprado o item de volta para devolvê-lo após o escândalo dos presentes vir à tona.
Desde que o episódio veio à tona, Jair Bolsonaro nega ter praticado irregularidades.
Edição: Thalita Pires