"Nós não vamos sair das nossas casas sem ter pra onde ir, mas a qualquer momento a polícia pode chegar e dar cinco minutos para gente sair." A fala é de Rosilene Avelino, uma das atingidas pelo "maior desastre em área urbana em andamento", em Maceió (AL), como define o Observatório da Mineração.
O desastre em questão é o crime ambiental cometido pela petroquímica Braskem com a exploração e extração de sal-gema, um cloreto de sódio que pode ser usado em cozinha e para produção de plástico do tipo PVC e soda cáustica. A atividade resultou no afundamento do solo de diversos bairros do município alagoano, que pode resultar na abertura de grandes crateras a qualquer momento.
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Rosilene Avelino e outros atingidos pelo crime da Braskem realizaram uma manifestação, na manhã desta quarta-feira (6), em frente ao Centro Educacional de Pesquisa Aplicada (CEPA), complexo escolar que também é atingido pelas ações da petroquímica, para chamar atenção para a situação de vulnerabilidade em que foram colocados.
"Moro na Marquês de Abrantes, no bairro de Bebedouro. Fui nascida e criada lá. A gente vive um caos apavorado, sem saber o que fazer, porque a gente não quer sair das nossas casas para ir para colégio. O que nós queremos, a nossa luta, é que a Braskem pague pelo crime que ela cometeu aqui em Maceió, junto com os outros responsáveis", afirma Avelino.
A maceioense também relata que após a desocupação dos moradores do bairro Mutange, um dos mais atingidos pela Braskem, alguns bairros ficaram isolados socialmente, como Bebedouro e Flexal. "Que ela venha nos pagar a realocação e a identificação justa. A gente não tem mais nada ali, acabou tudo, posto de saúde. Para pegar um ônibus é ruim, porque tem assalto direto. Nós vivemos apavorados, cinco horas da tarde ali não tem mais nada, acabou tudo."
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Hoje, a região em alerta máximo no momento é a da mina número 18, que fica no bairro Mutange, esvaziado ainda em 2019. Um boletim da Defesa Civil de Maceió informou que a mina já afundou 1,86 m, com um movimento de cerca três centímetros por hora. A área é uma das 35 cavidades abertas no município pela empresa brasileira, que é uma das maiores da América Latina.
Nesta terça-feira, o Instituto do Meio Ambiente do Estado de Alagoas (IMA-AL) multou a Braskem em mais de R$ 72 milhões pelos danos ambientais e pelo risco de colapso da mina 18. Essa é a vigésima vez que a empresa foi multada pelo órgão desde 2018.
Segundo Maurício Sarmento, um dos coordenadores do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), a manifestação desta quarta-feira (6) foi importante para reforçar o pedido de indenizações para as vítimas da Braskem e de instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Braskem no Senado, que aguarda a indicação dos membros.
"A Braskem não pode tratar um processo indenizatório com um processo de compra e venda. As áreas que foram realocadas da Braskem, Pinheiro, Bom Parto, Mutange e Bebedouro, não podem de forma alguma ser destinadas à Braskem. Essas áreas pertencem ao povo que nelas residia", afirma Sarmento. "Isso não pode ser um bom negócio com o crime que ela cometeu."
"A gente não pode se calar adiante do que está acontecendo em Maceió, em Alagoas, porque não é só Maceió atingido, são os municípios da Grande Maceió, que também foram atingidos por esse crime. É um ato de luta, de indignação com o que está acontecendo aqui na nossa cidade", conclui um dos coordenadores do MUVB.
Apesar da exploração subterrânea de sal-gema acontecer em Maceió há quatro décadas, o caso da Braskem ganhou mais repercussão apenas em fevereiro de 2018, quando um tremor provocou rachaduras em alguns imóveis. Um mês depois, um novo tremor aumentou as fissuras.
Edna Rosangela Soares Nobre, também moradora de Maceió, relembra o momento em que foi surpreendida pelas imagens das casas abandonadas em Bebedouro, quando retornou ao município após uma temporada longe. "Eu saí para passar um tempo fora, mas vinha ver minhas filhas. Em uma dessas vindas, já próximo de 2019, eu fui até o bairro de Bebedouro, que é um dos bairros mais antigos dessa cidade. Quando eu cheguei lá, eu tomei um susto. É um bairro fantasma, você não vê mais ninguém, não tem mais escola, não tem mais nada absolutamente", lamenta.
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"Nós não podemos ficar quietos. Nós precisamos fazer alguma coisa. É uma barbaridade, é um crime absurdo. É um crime ambiental, humano e político, porque houve um silenciamento por parte todas as instituições que deveriam ter iniciado esse processo lá atrás. E humano, porque ninguém sabe a dor que essas pessoas passam e passaram."
Uma das últimas a sair do bairro Mutange, em 1º de abril de 2020, Inajara dos Santos Silva perdeu o pai para a depressão após a família ser expulsa de casa. No total, cerca de 60 mil pessoas já foram retiradas de suas residências, segundo o governo alagoano.
"Meu pai morreu por ter de sair, porque ele entrou em depressão, não quis mais saber de comer, não queria mais beber água, só vivia pedindo para voltar pra casa dele. A gente sempre dizia que não tinha como a gente voltar. Até hoje o meu filho ficou muito afetado, ele não saía de casa. Ele só começou a sair quando ele fez o Enem e passou para a agronomia e começou a estudar", afirma Silva.
A moradora de Maceió também lamenta a desativação da Igreja Batista do Pinheiro, no último domingo (3), devido ao risco de formação de crateras na região. "A gente vinha no dia de domingo na Igreja Batista do Pieiro. Terminamos com essa surpresa domingo de ter que sair de lá também. O único local que a gente tinha como matar um pouco da saudade e fortificar a nossa fé, eles tiraram", lamenta.
Reivindicações
A manifestação desta quarta-feira (6) passou por órgãos públicos estaduais ao longo do percurso, para os quais entregou uma carta com reivindicações. No total, o movimento passou pelas seguintes instituições: Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas (TJAL), Ministério Público do Estado de Alagoas (MPEAL), Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA-AL) e Palácio Floriano Peixoto, residência oficial do governador Paulo Dantas (MDB).
No documento, os atingidos pedem pelo reconhecimento da centralidade do sofrimento das vítimas, pela participação das vítimas e de seus representantes na solução dos problemas em todas as instâncias em que o assunto seja abordado, por indenizações justas para todos e pela total responsabilização da Braskem pela continuação do desastre socioambiental de Maceió.
Também pedem pelo pagamento de aluguel-social para as pessoas que devem sair de suas casas ameaçadas. Esse aluguel deve seguir, no mínimo, os mesmos parâmetros utilizados para o pagamento nas outras áreas do mapa de risco, com a devida atualização monetária. Cobraram ainda que a propriedade dos imóveis permaneça com seus atuais proprietários, que deverão discutir com o poder público a destinação futura deles.
Os moradores também pedem a inclusão no mapa de criticidade da Defesa Civil das comunidades dos Flexais de Baixo e de Cima, das Quebradas, da Rua Marquês de Abrantes e do Bom Parto, especialmente toda a área que margeia a Lagoa.
Para Neirevane Nunes Ferreira de Souza, coordenadora do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem, a atualização do mapa e da lista das famílias incluídas no Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF) é importante para garantir realocação e indenização a essas pessoas.
"Elas sendo incluídas no mapa de criticidade, elas automaticamente entram no plano de compensação da Braskem. E o juiz federal, seguindo esse encaminhamento também do MPF [Ministério Público Federal], fez a mesma solicitação", afirma Souza, que foi removida de sua residência, em Bebedouro, há três anos.
"Estamos na expectativa, porque a nossa maior preocupação agora, entre as frentes de luta, é que essas comunidades sejam removidas, mas da forma correta. Que sejam inclusas no plano de compensação da empresa, para que sejam realocadas com a sua indenização garantida", disse.
Além dessas e outras reivindicações, os atingidos também pedem a revisão dos acordos estabelecidos entre a Braskem, a Prefeitura de Maceió e órgãos estaduais e federais. O documento é assinado por 24 entidades, como o MUVB, o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Outro lado
O Brasil de Fato entrou em contato com a assessoria da Braskem solicitando um posicionamento sobre o crime ambiental e a manifestação. Em nota, a empres aafirmou que desenvolve, desde 2019, ações "com foco na segurança das pessoas e na implementação de medidas amplas e adequadas para mitigar, compensar ou reparar impactos decorrentes da desocupação de imóveis nos bairros de Bebedouro, Bom parto, Pinheiro, Mutange e Farol" e que todas essas ações "são fiscalizadas pelos órgãos competentes".
As medidas incluem realocação preventiva e compensação financeira das famílias; ações sociourbanísticas e ambientais; apoio a animais; zeladoria nos bairros; monitoramento do solo e fechamento definitivo dos poços de sal. A firma também disse que "respeita o direito de manifestação pacífica".
Já a Prefeitura de Maceió informou que disponibilizou abrigos para acolher a população de forma emergencial e solicitou apoio ao governo federal. "A Prefeitura reafirma o compromisso em cobrar de todos os envolvidos, incluindo a Braskem, que todos os direitos da população afetada sejam garantidos", informou.
Edição: Nicolau Soares