60 anos depois

RJ: Fornos onde corpos foram incinerados pela ditadura militar viram memorial das vítimas

Grande ato realizado nesta quarta-feira (6) na Usina de Cambahyba inaugurou homenagem por memória, verdade e justiça

Brasil de Fato | Campos dos Goytacazes (RJ) |
Ato de inauguração do memorial contou com a presença de parlamentares, sindicalistas e ativistas políticos - Foto: divulgação

Nesta quarta-feira (6), um ato na Usina de Cambahyba, em Campos dos Goytacazes, no norte Fluminense, inaugurou o "Memorial Cambahyba: ditadura nunca mais, memória, verdade e justiça", que rememora as vítimas da ditadura militar incineradas nos fornos da antiga usina de cana de açúcar que funcionava no local, conhecida como Usina da Morte.

A criação do memorial onde se localizam os fornos, em que o delegado Cláudio Guerra, da Polícia Civil do Espírito Santo, cremava corpos das vítimas, nos anos 1970, é o ponto inicial de várias manifestações até a data dos 60 anos do regime, em 1º de abril de 2024.

As atividades do ato desta quarta (6) tiveram início por volta das 12h com um almoço coletivo nos arredores da antiga usina. Depois, por volta das 15h, aconteceu a abertura oficial do ato, seguida por uma marcha em direção ao antigo parque industrial, onde se localizam os fornos. No local, falas e intervenções culturais foram realizadas.

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A deputada estadual Marina do MST (PT) participou das atividades e numa fala emocionada em que relembrou a história do local, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a sua própria trajetória nas terras da Usina Cambahyba, a parlamentar ressaltou a importância das lutas políticas e institucionais caminharem juntas em defesa do bem comum.

"O nosso mandato, na institucionalidade, junto com outros companheiros da Alerj [Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro] vamos continuar a luta para transformar esse local que foi um local da morte em um local da vida, vamos continuar a luta para transformar esse local que foi de exploração dos trabalhadores em cooperação, em transformar esse local que foi de degradação ambiental em agroflorestas produtivas, nos comprometemos em transformar esse local que foi da fome e exploração num local de produção de comida saudável, da agroecologia, em fazer essse local em defesa da vida das pessoas", disse Marina durante o ato.

Além da deputada, participaram também da atividade Matheus Guedes, filho do agricultor e militante do MST Cícero Guedes, assassinado há 10 anos em Campos dos Goytacazes por lutar pela reforma agrária no município; Nadine Borges, secretaria Municipal de Direitos Humanos de Niterói; Nilmário Miranda, assessor especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC); Pedro Tierra, poeta e ativista político, além de representantes da Universidade Federal Fluminense (UFF) e de movimentos sindicais e populares do estado do Rio.

O ato foi organizado através de uma parceria entre o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania com os familiares de presos, mortos e desaparecidos políticos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB), Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Partido Socialismo e Liberdade (Psol). Além da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e outras entidades e movimentos sociais. 

Foram cremados nos fornos os corpos de pelo menos 12 presos políticos, identificados como Ana Rosa Kucinski Silva (ALN), Armando Teixeira Frutuoso (PCdoB), David Capistrano (PCB), Eduardo Collier Filho (APML), Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira (APML), João Batista Rita Pereira (VPR), João Massena Melo (PCB), Joaquim Pires Cerveira (FLN), José Roman (PCB), Luiz Inácio Maranhão Filho (PCB), Thomáz Antônio da Silva Meirelles Neto (ALN) e Wilson Silva (ALN).

Assentamento Cícero Guedes

Parte do terreno da antiga Usina Cambahyba, em Campos dos Goytacazes, no norte Fluminense, se tornou oficialmente o assentamento Cícero Guedes, organizado pelo MST em agosto deste ano, por meio de uma portaria assinada pelo presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Cesar Aldrighi.

O território da Usina Cambahyba é formado por sete fazendas que somam cerca de 3.500 hectares, que além de produzir cana, foi estruturado como uma usina de produção de açúcar.

A luta pela distribuição das terras da antiga usina durou quase três décadas e não foram poucas as ocupações e as mobilizações para que o território fosse destinado à reforma agrária.


Parte do terreno da antiga Usina Cambahyba, em Campos dos Goytacazes, no norte fluminense, se tornou oficialmente o assentamento Cícero Guedes/ Brasil de Fato RJ

Em 1998, a área foi decretada pelo governo federal para fins de reforma agrária. Anos mais tarde, em 2012, o local foi considerado improdutivo pela Justiça. Porém, a desapropriação que destinou a área ao Incra só veio há dois anos pela 1ª Vara Federal de Campos.

Um mês após a Justiça decretar a desapropriação, no dia 24 de junho de 2021, centenas de famílias de trabalhadores rurais organizados pelo MST reocuparam uma das fazendas do Complexo da Cambahyba. A última ocupação, batizada de acampamento Luís Maranhão, foi estruturada em 2012 e permaneceu até meados de 2019.

Desta vez, a ocupação prestou homenagem a Cícero Guedes, liderança do MST que foi brutalmente assassinado nos arredores da usina há 10 anos. Na esperança da criação do assentamento, as famílias seguiram organizadas para a produção de alimentos.

Em dois anos de existência, chama atenção a variedade de alimentos produzidos sem agrotóxicos pelas famílias no local: hortaliças, como aipim, milho e feijão, além de diversas frutas, como banana, limão, laranja e acerola.

Fonte: BdF Rio de Janeiro

Edição: Mariana Pitasse e Jaqueline Deister