“De vez em quando dava vontade até de chorar de emoção”
"Há motivo de muita alegria. Eu nunca tinha pego um pé de arroz. Pessoalmente, só via pela televisão, e poder estar cultivando é só alegria mesmo", define a agricultora Joelma Albuquerque, do assentamento Maré, em Aliança (PE), que participa de uma iniciativa que busca transformar o deserto da cana-de-açúcar em produção de alimento saudável.
Em julho deste ano, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) iniciou uma experiência de produção de arroz agroecológico em Pernambuco. A iniciativa nasceu de uma parceria entre o movimento e o governo do estado, por meio do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA).
Leia também: Governo federal se reúne com produtores de arroz orgânico do MST do Rio Grande do Sul
“Quando cheguei aqui há 18 anos, eu não conhecia nada de cultivo e plantação. Hoje, tudo o que eu sei foi através do movimento, do MST”, lembra o agricultor Leodilson Soares, também do Maré, que participa da produção.
O assentamento Maré, na Mata Norte, é um dos quatro assentamentos que fazem parte da produção experimental do arroz agroecológico. A emoção para as famílias do MST é grande. Muitas delas estão conhecendo o cultivo de de arroz pela primeira vez
“De vez em quando dava vontade até de chorar de emoção, que a gente nunca esperava, e particularmente eu, nunca esperava estar numa plantação dessa de arroz”, conta Leodilson.
O assentamento que fica no município de Aliança é uma das áreas com a produção mais avançada e organizou em novembro a primeira festa da colheita do grão fruto da parceria. Os outros assentamentos contemplados estão na região da Mata Sul, na região Metropolitana, e no Sertão.
Em cada campo experimental foram cultivadas quatro variedades de arroz. O cereal foi plantado em fileiras contínuas em sistemas de sulco com uma profundidade de cerca de 3 centímetros. O tempo do plantio da colheita é de 120 dias. E a ideia é estocar os grãos colhidos para que em 2024 se inicie a comercialização.
“A primeira questão da adaptação do arroz, tipo arroz A-502 e o esmeralda foram os que mais se adaptaram aqui. É um experimento, uma parceria com o governo do estado, através do IPA, e com o MST para as áreas de assentamentos de reforma agrária”, explica Fernando Lourenço, da direção nacional do MST em Pernambuco.
:: MST lança jogo que ilustra a trajetória de 40 anos da luta por reforma agrária popular ::
“Foi um hectare só de experimento dessas quatro variedades, para ver a adaptação de cada um deles. Isso, no próximo período sendo mecanizado, o governo investindo com mecanização e também com o adapto da área, o solo, a adaptação, a gente vai ter uma renda boa. E a nossa intenção é vender para a Conab [Companhia Nacional de Abastecimento], vender para o governo do estado e o governo federal”, detalha Fernando.
Em visita a comunidade no dia da nossa reportagem, o técnico da Conab Herivelton Marculino conheceu o cultivo e constatou que a produção do MST é promissora.
“Já percebemos que tiveram expressividade melhor em termos de produção e já observando aqui rapidamente percebemos que houve uma boa adaptação, depois quando colher a gente vai ter que analisar a questão de produtividade, qual foi o que produziu mais, os resultados a nível qualitativo”, afirma o técnico.
Hoje, em Maré, são 60 famílias vinculadas à associação do assentamento, produzindo macaxeira, batata, coco, milho, feijão e hortaliças. A venda se dá em feiras livres e por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Com o arroz, a região ganha um incremento na busca por remodelar uma região marcada pelo desmatamento e pela exploração do trabalho nos canaviais.
:: Bolsonaro autoriza plantio de cana na Amazônia e no Pantanal ::
“Hoje a importância do arroz aqui na nossa comunidade é porque queremos acabar com esse [monocultivo] de canas-de-açúcar, que são muito produtivas aqui. Queremos tirar esse cultivo e colocarmos outro cultivo dentro da nossa terra”, explica a assentada e presidenta da Associação Miguel Arraes (PE), Jaqueline Valeria.
“Nós estamos nas maiores regiões. Esses assentamentos aqui, que antes eram os engenhos da cana-de-açúcar, hoje são assentamentos com um projeto de Reforma Agrária Popular. Podemos sair da cana-de-açúcar e produzir alimentos saudáveis, sair da monocultura, da escravidão para o povo brasileiro, principalmente para quem mora aqui na Zona da Mata. Nós queremos mudar essa rotina para os filhos, para os netos e produzir alimentos da agricultura familiar, com esse experimento, arroz orgânico, a hortaliça e outros produtos. A terra tem como desenvolver qualquer tipo de lavoura que a gente plantar”, conta Fernando sobre a região e a necessidade de transformação por meio da agroecologia e da luta pela terra.
Edição: Rebeca Cavalcante