A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou nesta quarta-feira, (13), as indicações de Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal e Paulo Gonet para a Procuradoria-Geral da República. Agora o nome dos dois segue, ainda hoje, para o plenário do Senado onde precisam ser aprovados por pelo menos 41 senadores.
De perfil conservador, Gonet foi aprovado por 23 votos a 4 enquanto Dino, que enfrentava maior resistência ao seu nome, sobretudo com parlamentares da oposição, foi aprovado por 17 a 10 após 10 horas de sabatina.
Em uma sabatina marcada por um modelo inédito, já que nunca foram sabatinados simultaneamente um indicado ao STF e à PGR, o governo federal mobilizou esforços, com ministros do governo reassumindo mandato na Casa para participar da votação e garantir a aprovação de Dino. No começo da sabatina, o próprio líder do governo no Senado, Jaques Wagner, chegou a pedir para os parlamentares aliados não fazerem muitas perguntas, em um esforço para agilizar a aprovação dos dois nomes.
Ao todo, cerca de 40 senadores se inscreveram para fazer perguntas aos indicados, mas ao longo do dia vários abriram mão de fazer os questionamentos, inclusive parlamentares da oposição. A pedido de Wagner, Alcolumbre decidiu abrir a votação após dez senadores fazerem suas perguntas. Com isso, grande parte da sabatina realizada na parte da tarde ocorreu em paralelo à votação, que era feita em uma urna localizada na parte externa da sala da comissão.
O ministro da Justiça, que também foi eleito senador no ano passado, se notabilizou pelo perfil combativo e pela alta exposição, com postagens constantes nas redes sociais e falas muitas vezes duras e até irônicas contra políticos opositores, o que causou uma rejeição maior ao seu nome por parte de alguns parlamentares.
Na sabatina, porém, Dino adotou um tom mais ameno e evitou cair em provocações e criar embates com parlamentares, como ocorreu em suas outras participações em comissões no Congresso. Sem perder a tranquilidade, ele tomou cuidado de agradecer e elogiar os parlamentares da comissão que o faziam perguntas e chegou até a citar depoimentos de Michel Temer e de Ronaldo Caiado endossando suas credenciais para o Supremo Tribunal Federal.
Para tentar reforçar sua imagem de ponderado, Dino fez uma metáfora com as cores das togas dos ministros do Supremo em sua fala inicial: “todos nós que aqui estamos temos cores diferentes. Estamos com ternos e gravatas diferentes; quando temos campanhas eleitorais, vestimos camisas de diferentes cores. No Supremo, isso não acontece. Todas as togas são da mesma cor. Ninguém adapta a sua toga ao seu sabor, todas as togas são iguais”, disse.
Almoço com Bolsonaro e visitas políticas
Em resposta aos parlamentares da oposição, Dino reforçou que sempre dialogou com políticos de diferentes ideologias e construiu uma base ampla de apoio quando foi governador do Maranhão. O indicado chegou ainda a mencionar que almoçou com o ex-presidente Jair Bolsonaro quando governava o Estado.
“Vários aqui têm mencionado uma confusão entre adversário político e inimigo pessoal. Eu não sou inimigo pessoal de rigorosamente ninguém. Tanto é, que a bancada federal do Maranhão, todos os partidos políticos, inclusive o seu, todos os Parlamentares do seu partido assinaram uma nota em meu apoio. Então, eu não cultivo inimigos pessoais”, afirmou Dino que na sequência mencionou o ex-presidente.
“Eu almocei com o Presidente Bolsonaro no Palácio do Planalto. Ele me convidou, e eu almocei com ele. Foi um almoço normal. Então, eu estive em várias reuniões com sua excelência. Era o Presidente da República, e eu governava um estado”.
Ele ainda relembrou que vários parlamentares já assumiram cadeiras no Supremo antes e disse que, se assumir a vaga no STF receberá políticos de todas as ideologias. “Eu não terei nenhum medo, nenhum receio e nenhum preconceito de receber políticos e políticas do Brasil, porque vossas excelências são delegatários da soberania popular. Independentemente das cores partidárias, terão idêntico respeito, como assim fiz na minha vida inteira”.
Perguntas sobre atos golpistas e inquéritos
Ao longo do dia, parlamentares da oposição perguntaram diversas vezes a Dino e Gonet sobre a atuação do ministro da Justiça no dia dos ataques golpistas à Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro, o inquérito do STF que investiga as fake news e os movimentos antidemocráticos, sobre liberdade de imprensa, dentre outros temas.
Em resposta, Dino esclareceu que não tinha atribuição para acionar forças de segurança no dia dos ataques, que as imagens das câmeras do Ministério da Justiça foram encaminhadas à CPI Mista dos Atos Golpistas e que ele não recebeu informes da Abin encaminhados por Whatsapp na véspera dos ataques.
Já Gonet evitou comentar sobre os casos em andamento no STF, como o inquérito das fake news ao afirmar que ainda não teve acesso a eles por serem sigilosos e re responsabilidade do Procurador-Geral da República, e que não poderia falar sobre eles sem ter conhecimento.
“Não me caberia buscar conhecer esse inquérito antes de merecer a confiança de vossas excelências e de ser nomeado pelo Presidente da República para o cargo. Portanto, eu lamento, mas eu não tenho informações que me permitissem uma abordagem não leviana, uma abordagem que pudesse ser realmente construtiva e objetiva sobre o assunto”, afirmou Gonet em resposta a Rogério Marinho (PL-RN) sobre o inquérito das Fake News
O indicado para a PGR teve uma sabatina mais morna, com alguns parlamentares da oposição até evitando fazer perguntas a ele, como foi o caso de Marcos Rogério (PL-RO). Em um dos poucos momentos em que foi pressionado, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) relembrou um artigo de Gonet analisando as cotas raciais e que teria falado até em “racismo reverso”.
Contarato o questionou sobre a posição dele hoje sobre a política de cotas raciais e sobre os direitos da população LGBTQIA+, como o casamento homoafetivo e a doação de crianças por casais homoafetivos.
Em relação ao artigo, Gonet disse que ele foi tirado de contexto. “A descontextualização acabou atribuindo a mim sustentar ideias que realmente eu nunca expendi. Nunca disse que era contrário a cotas. Tanto nesse artigo quanto hoje, eu digo que a cota é um dos instrumentos da ação afirmativa do Estado, é o instrumento mais drástico, que deve ser reservado para os casos mais relevantes, para os casos mais impactantes. A cota em favor dos negros, a cota em favor das pessoas”, afirmou Gonet, que deixou claro que defende que as cotas tenham um prazo para serem implementadas.
Sobre o termo "racismo reverso", Gonet disse que não se recordava de ter utilizado ele, mas sim a expressão "discriminação reversa" que, segundo o indicado, era uma expressão comum na época em que o texto foi produzido. "Eu não me lembro de ter escrito "racismo reverso", mas eu me lembro de ter usado várias vezes a expressão 'discriminação reversa'. Discriminação reversa hoje pode soar estranho para os nossos dias, mas, no final da década de 90, início dos anos 2000, que é quando o artigo foi escrito, essa era uma expressão corrente. Nós tínhamos que nos apoiar nesses estudos, para reforçar os nossos pontos de vista, em artigos dos Estados Unidos, em artigos da Espanha, e, nesses dois países, que são bastante influentes sobre o nosso direito, a expressão 'discriminação reversa' é corrente", afirmou.
Em relação ao casamento homoafetivo, Gonet primeiro respondeu que não era contra a criminalização da homofobia. Contarato, então, insistiu na pergunta sobre casamento e outros direitos para casais do mesmo sexo e, em uma tréplica, Gonet deu sua posição pessoal sobre o tema:
“Como jurista, eu estou afeito ao que vossas excelências decidem, ao que o Supremo decide. Se o legislador admite a união estável ou que seja o casamento entre pessoas do mesmo sexo, como jurista, é óbvio que eu tenho que admitir isso também. Agora, vossa excelência. quer uma opinião pessoal. Vou dar uma opinião pessoal. Eu acho que seria tremendamente injusto que duas pessoas que vivem em conjunto, que vivem juntas, que vivem como se fosse uma unidade familiar não tivessem nenhum reconhecimento desse fato; que, diante de uma separação, não tivessem nenhuma regração do Estado para protegê-los”, afirmou Gonet.
Liberdade de imprensa
Outro ponto que Gonet foi questionado foi a posição dele em relação à liberdade de expressão, tema recentemente julgado pelo Supremo Tribunal Federal que decidiu que veículos de imprensa podem ser responsabilizados em caso de divulgação de entrevistas com notícias falsas.
Em sua resposta, Gonet afirmou que a liberdade de expressão não é absoluta, que é necessário avaliar outros direitos também e citou até uma decisão da Justiça Eleitoral que proibiu a divulgação de uma matéria contra um candidato em um jornal regional no dia da eleição.
"Então, há certas limitações à liberdade de expressão que servem a este propósito: garantir a legitimidade das eleições, na medida em que não se expõe o eleitor a uma informação que não pode ser contrariada, que não pode ser contraposta e que acaba terminando por viciar a vontade do eleitor nesse momento tão crítico. O que eu posso dizer a vossa excelência é que o Procurador-Geral da República vai procurar sempre atuar dentro desse campo, na defesa das liberdades públicas, mas sempre considerando que nenhuma liberdade é absoluta e precisa ser conciliada com outros valores de ordem constitucional’, disse Gonet.
Edição: Rebeca Cavalcante