Investigado pela Polícia Federal por suspeita de compra de votos na eleição de 2018 para o hoje ministro do Esporte André Fufuca (PP), o jovem Caio Rubens Vieira da Silva, de 23 anos, é dono da empresa que fechou em 2021 um contrato de R$ 1,952 milhão com a prefeitura de Alto Alegre do Pindaré (MA), comandada pelo pai de Fufuca. O contrato foi fechado com recursos de emendas de relator, chamadas RP-9, e utilizadas no esquema do orçamento secreto.
Além disso, em um intervalo de menos de dois anos a empresa Projeplan conseguiu reajustar o valor do contrato em 46%, chegando a R$ 2,869 milhões, em um aditivo assinado por Caio e pelo pai de Fufuca, o prefeito Francisco Dantas Ribeiro Filho (PP), conhecido como Fufuca Dantas, em abril deste ano.
As obras para melhorias de estradas do município foram feitas com verbas repassadas pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) por meio de um convênio com a prefeitura, Segundo a companhia, o acordo foi custeado com verbas indicadas pelo relator do orçamento.
A prática de indicar verbas de emendas por meio do relator do orçamento, sem identificar o verdadeiro interessado nos repasses de recursos, ficou conhecida como orçamento secreto e foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro de 2022.
A reportagem procurou a assessoria do relator do orçamento de 2020, o deputado federal Domingos Neto (PSD-CE), para saber se algum outro parlamentar teria solicitado a ele essa verba específica. A assessoria informou que o parlamentar não está comentando sobre o orçamento daquele ano e que as emendas de relator foram "baseadas em distribuições técnicas".
Questionado se teria pedido ao relator do orçamento a verba para o contrato e se não via nenhum conflito ético na contratação da empresa de Caio pela prefeitura comandada por seu pai, o ministro dos Esportes André Fufuca respondeu por meio de nota que não cabe a ele se manifestar sobre atividades da Codevasf ou da prefeitura de Alto Alegre do Pindaré.
"A prefeitura de Alto Alegre do Pindaré tem total autonomia para realizar licitações, contratar empresas e realizar obras de interesse público. Não cabe ao ministro André Fufuca emitir opinião ou tecer comentários a esse respeito. O ministro também não vai manifestar-se sobre processos de investigação policial em andamento que envolvam terceiros", afirmou em nota o Ministério dos Esportes.
O valor deste contrato se soma aos R$ 7,5 milhões em contratos que a Projeplan assinou com prefeituras do interior do Maranhão, como revelou o Brasil de Fato, e que dão a dimensão das contratações da empresa comandada por um jovem que foi flagrado com santinhos de Fufuca e tentando esconder um saco de dinheiro na véspera da eleição de 2018.
Diferente dos outros contratos revelados pelo Brasil de Fato, porém, este contrato com a prefeitura de Alto Alegre do Pindaré não foi divulgado no Diário Oficial da União, mas somente no diário oficial do próprio município.
Procurada, a Codevasf informou que foi repassado o valor integral do convênio e que um relatório feito pela própria companhia em 8 de outubro deste ano "indica que a execução física do convênio atingiu 100%". Ainda assim, a prestação de contas da obra só será feita em 2025, após o fim do prazo final do convênio, previsto para durar até 31 de dezembro de 2024.
Além disso, a companhia afirmou que não tomou conhecimento do aditivo assinado pela prefeitura com a Projeplan e que "por diligência administrativa, a Companhia notificará o município por meio da plataforma Transferegov para obtenção de informações".
Como se trata de um convênio, a contratação e os pagamentos para a empresa são feitos diretamente pela prefeitura, de forma que somente depois da prestação de contas a prefeitura poderá, eventualmente, ser cobrada a devolver alguma verba que tenha sobrado ou mesmo se for identificada alguma irregularidade.
"Os valores pagos pela prefeitura à contratada são de inteira responsabilidade do município. Cabe à Codevasf a análise da prestação de contas, com vistas a garantir a boa e regular aplicação dos recursos", afirmou a Codevasf em nota.
Superintendente teve apoio de Fufuca
Comandada pelo pai de Fufuca desde 2016, a prefeitura de Alto Alegre do Pindaré, município de 25,7 mil habitantes, afirma em seu perfil oficial no Instagram possuir o "maior programa de asfaltamento do interior do Maranhão". Foi justamente para melhorar as rodovias da região que, em 31 de dezembro de 2020, Fufuca Dantas fechou um convênio com a Codevasf no valor de R$ 2,87 milhões, previsto para durar até 2024.
No ano seguinte, foi realizada a licitação pela prefeitura para contratar uma empresa "especializada para elaboração de projeto técnico executivo e execução de serviços técnicos de engenharia para recuperação de estradas vicinais no município de Alto Alegre do Pindaré, na área de atuação da 8ª superintendência regional da Codevasf, no estado do Maranhão".
Na época, o superintendente da Codevasf no Maranhão era João Francisco Jones Fortes Braga. Segundo divulgou a imprensa naquele ano, ele havia chegado ao posto por indicação do deputado Hildo Rocha, do MDB do Maranhão. Em meio à disputa pela presidência da Câmara entre Arthur Lira e Baleia Rossi em janeiro daquele ano, João Francisco chegou a ser demitido, mas acabou readmitido depois a pedido de deputados maranhenses aliados de Lira, dentre eles o próprio Fufuca, segundo divulgou a Revista Poder naquele ano. Ele acabou deixando o posto em fevereiro de 2021. O atual superintendente da Codevasf no Maranhão é Clóvis Luiz Paz Oliveira.
A Projeplan sagrou-se vencedora e, em 16 de novembro de 2021, o contrato com a prefeitura foi assinado no valor de R$ 1,952 milhão. Na ocasião, quem assinou pela empresa foi um outro representante, que havia passado a Projeplan para o nome de Caio, então com 21 anos, no dia 9 de novembro daquele ano. Caio segue sendo o dono da empresa até hoje.
O contrato tinha um prazo inicial de oito meses, mas que acabou sendo prorrogado por 12 meses a pedido de Caio, após ele alegar "lentidão na execução do contrato pela impossibilidade de reunir um grande número de operários, ocasionando escassez de mão de obra, falta de matéria-prima, bem como falta de reposição de equipamentos no canteiro de obra", diz o pedido encaminhado à prefeitura em 6 de junho de 2022.
O argumento foi aceito pela prefeitura de Alto Alegre do Pindaré, que, em julho de 2022, prorrogou o contrato até julho de 2023.
Reajuste de 46% no preço
Faltando quatro meses para o fim do prazo, em 20 de março de 2023, Caio pediu um novo aditivo, desta vez para reajustar o valor do contrato em R$ 917,1 mil, o equivalente a 46,98% de reajuste. O pedido foi encaminhado junto com uma planilha da própria empresa para justificar os reajustes de custos.
"Faz-se necessário realizar a revisão de preços inicialmente contratados, haja vista a defasagem dos valores dos itens em comparação aos praticados atualmente no mercado, não sendo possível dar continuidade à obra em função do aumento dos custos de determinados insumos necessários para a execução da infraestrutura viária, implicando assim na paralisação dos serviços", disse o empresário no pedido.
Em quinze dias, cinco áreas da prefeitura aprovaram o pedido e a planilha apresentados pela empresa. Com isso, em 4 de abril, Fufuca Dantas reajustou o valor do contrato para R$ 2,869 milhões, praticamente o valor total do convênio assinado entre a prefeitura e a Codevasf.
Nos documentos da contratação e dos aditivos do portal de transparência da prefeitura não há nenhuma análise sobre o andamento da obra e os gastos que já haviam sido feitos até a assinatura do segundo aditivo.
De acordo com a Codevasf, os repasses para a obra seguiram o plano de trabalho aprovado inicialmente, e foram divididos em três parcelas (uma de R$ 573 mil e outras duas de R$ 1,146 milhão), que foram sendo transferidas para prefeitura na medida em que a obra avançava, da seguinte forma:
1º parcela (20% do total) – Condicionada à apresentação do certame licitatório realizado pela prefeitura e aprovação de conformidade das planilhas licitadas e da planilha da vencedora do certame em relação ao projeto básico aprovado. Foi transferida em 3 de junho de 2022.
2ª parcela (40% do total) – Condicionada à execução física e financeira de 20% do valor total do convênio, correspondente à 1ª parcela.Transferida em setembro de 2022.
3ª parcela (40% do total) – Condicionada à execução física e financeira de 60% do valor total do convênio, correspondente à 1ª e à 2ª parcelas. Transferida em maio de 2023.
A reportagem encaminhou e-mail para a Projeplan e para Caio, mas não obteve retorno até o fechamento deste texto. Também procurado, o advogado de Caio afirmou que ele não iria se manifestar sobre o assunto.
Também foram encaminhados, na terça-feira, (12), e-mails para a prefeitura de Alto Alegre do Pindaré, que não respondeu até o fechamento deste texto. A reportagem também tentou contato telefônico com os números que constam no site da prefeitura e apenas o controlador-geral do município, Agapito Cardoso da Cunha, atendeu e afirmou que todas as informações sobre a contratação estão disponibilizadas no portal da transparência da prefeitura.
A reportagem insistiu por um telefone de contato do prefeito ou de seu gabinete, mas não obteve retorno até o fechamento deste texto.
Edição: Thalita Pires