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Putin vai atrás de 5º mandato presidencial: o que pode mudar a previsibilidade das eleições na Rússia?

Líder russo não tem adversários viáveis e mantém alta popularidade, mas guerra da Ucrânia pode alterar o jogo do Kremlin

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
O presidente russo, Vladimir Putin, desce as escadas para fazer discurso ao comando militar russo no Kremlin, em 27 de junho de 2023. - Sergei Guneyev / SPUTNIK / AFP

O presidente russo, Vladimir Putin, confirmou no último dia 8 de dezembro que vai se lançar como candidato nas eleições presidenciais de 2024, que serão realizadas entre os dias 15 e 17 de março do próximo ano. O pleito promete ser previsível e confirmar o quinto mandato de Putin, dada a ausência de candidatos viáveis. No entanto, a continuidade da guerra da Ucrânia, que terá completado dois anos, é um fator político que pode embaralhar a estratégia do Kremlin.

O anúncio de Putin foi feito de maneira incomum. Sem a oficialidade de Congressos do seu partido, o Rússia Unida, ou declarações formais à imprensa, a informação foi divulgada durante uma conversa com um comandante que participou da guerra na Ucrânia, em cerimônia no Kremlin para entrega de medalhas a militares que participaram do conflito. Quando todos os premiados da cerimônia se aproximaram do presidente em uma conversa informal, o tenente-coronel Artem Zhoga perguntou se Vladimir Putin iria confirmar a candidatura para a reeleição, ao que o presidente concordou.

Em sua resposta, Putin disse que é impossível não adotar esta decisão e a agradeceu ao apoio dos militares presentes.

"Não vou esconder que em momentos diferentes tive pensamentos diferentes. Mas agora você está certo, agora é a hora de tomar uma decisão. Vou concorrer ao cargo de Presidente da Federação Russa", disse Putin.

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A confirmação da candidatura não surpreende, mas Putin ainda não havia declarado abertamente a disposição de se reeleger, evitando responder perguntas sobre o tema nos últimos meses. A expectativa é que o pleito confirme o seu quinto mandato à frente do Kremlin. Atualmente não há uma oposição factível que ameace o atual chefe de Estado.


Presidente da Rússia, Vladimir Putin, conversa com tenente-coronel Artem Zhoga, sobre a sua decisão de participar das próximas eleições. / Mikhail Klimentyev/AFP

Para efeito de comparação, nas últimas eleições presidenciais em 2018, Putin venceu com 76,69% dos votos, seguido por Pavel Grudinin (Partido Comunista) com 11,77% e Vladimir Zhirinovsky (Partido Liberal Democrata) com 5,65%. Em 2021, a Comissão Eleitoral Central excluiu Pavel Grudinin da lista de candidatos do Partido Comunista da Federação Russa para as eleições para a Duma em 2021. Ele foi acusado de irregularidades financeiras cometidas na campanha pré-eleitoral de 2018. Zhirinovsky morreu em 2022.

Já políticos abertamente críticos ao Kremlin e engajados em tirar Putin do poder, como Alexey Navalny e Ilya Yashin, estão presos. Outros políticos tidos como representantes da oposição russa, como Maxim Kats, Dmitry Gudkov, Garry Kasparov, entre outros, estão fora da Rússia e não têm influência sobre os processos políticos dentro do país.

Neste contexto, Putin segue sustentando uma alta popularidade na Rússia e uma autoridade inconteste para a grande maioria da população. De acordo com uma pesquisa do instituto Levada Center, divulgada em outubro deste ano, Vladimir Putin tem aprovação de cerca de 80% da população. O nível de popularidade foi 5% superior ao índice de setembro de 2022, quando o anúncio de uma mobilização de civis para a guerra da Ucrânia causou uma queda. No final de fevereiro de 2022, quando o presidente anunciou o início da guerra, o seu índice de aprovação aumentou.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o cientista político Abbas Gallyamov, que trabalhou como como redator dos discursos de Putin em 2008 e 2010, afirmou que a pretensão do Kremlin vai ser demonstrar um resultado superior à porcentagem das últimas eleições, prevendo uma margem que pode variar entre 77% até 80%. De acordo com o analista, será importante para o governo russo apresentar um resultado superior ao de 2018 "para que ninguém pense que Putin vem perdendo popularidade por conta da guerra".

As próprias mudanças constitucionais na Rússia nos últimos anos demonstram que uma eventual sucessão não está nos planos do Kremlin. Ainda em 2008, a duração do mandato presidencial passou de quatro para seis anos, mudança aplicada aos presidentes eleitos a partir das eleições de 2012, ou seja, quando Putin retornaria à presidência do país. Já em 2020, um referendo promovido pelo governo aprovou mudanças constitucionais que permitem ao presidente se reeleger após dois mandatos seguidos no cargo. Ou seja, na prática, de acordo com a atual Constituição, Putin pode ficar no poder até 2036.

No entanto, a continuidade da guerra na Ucrânia e um eventual revés na linha de frente podem causar problemas para a campanha eleitoral de Putin. De acordo com Abbas Gallyamov, se a situação no front começar a piorar drasticamente para o exército russo, "isso pode se tornar um fato muito sério que pode atrapalhar o jogo do governo".

"Nesta situação, a campanha de Putin, com seu otimismo e positividade cor de rosa, parecerá completamente inadequada com a realidade, sua campanha irá sofrer uma derrocada. Ou seja, um fator-chave que pode influenciar o processo eleitoral é o fator externo, porque tudo na política interna da Rússia está assentado. Putin tem amplo controle sobre o sistema político e o sistema eleitoral", argumenta.

Kremlin não esconde que reeleição é certa

O Kremlin dá como certa a a reeleição do presidente Vladimir Putin. Ainda em outubro, o porta-voz Dmitry Peskov afirmou que o presidente russo não tinha concorrentes nas eleições presidenciais russas, e "nem poderia ter". Antes disso, em agosto, Peskov chegou dizer que as eleições russas não são exatamente democráticas, prevendo uma vitória de mais de 90% para Putin.

"As nossas eleições presidenciais não são realmente democracia, são uma burocracia dispendiosa. Putin será reeleito no próximo ano com mais de 90% dos votos", afirmou

Posteriormente, Dmitry Peskov buscou esclarecer a declaração:

"Putin será eleito, estou pessoalmente confiante nisso, com base no nível de consolidação da sociedade em torno de Putin. […] As eleições, embora sejam uma exigência da democracia, e o próprio Putin tenha decidido realizá-las, mas teoricamente nem precisam ser realizadas. Porque já é óbvio que Putin será eleito. Esta é a minha opinião absolutamente pessoal", afirmou.

'Oposição sistêmica'

O prazo para a nomeação de candidatos se encerra no dia 1º de janeiro e a tendência é que os principais partidos políticos russos nomeiem postulantes favoráveis ao jogo do Kremlin. Abbas Gallyamov explica que estes candidatos nomeados pelos partidos compõem o que se entende como uma "oposição sistêmica".

"Os candidatos oficiais serão convocados pelos representantes dos partidos políticos que estão representados no parlamento, o que nós chamamos de 'oposição sistêmica", eles vão representar o seu papel habitual, vão representar uma certa democracia, ou seja, vão mostrar que 'as pessoas têm escolha', que Putin não é nenhum usurpador das eleições, é como qualquer outro líder democrático, que as eleições têm opositores. Ou seja, eles vão buscar demonstrar que os cidadãos têm escolha", explica.

Já o cientista político e diretor do "Grupo de Especialistas Políticos" da Rússia, Konstantin Kalachev, em recente entrevista ao portal russo Bfm.ru, também acredita que os partidos políticos serão representados nas eleições por "pessoas verificadas", o que não deve gerar surpresas no processo eleitoral, mas o comparecimento nas urnas pode ser um indicador problemático. A votação não é obrigatória.

"Penso que não haverá surpresas, o principal problema desta campanha é o comparecimento. Mas a mobilização político-partidária e os apelos simplesmente patrióticos devem desempenhar um papel, e a votação de três dias deve se justificar", acrescenta.

De acordo com Kalachev, "quem estiver a favor de Putin irá às urnas, quem for contra ficará em casa. Os candidatos dos partidos parlamentares serão votados pelo seu eleitorado nuclear."

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Em um artigo publicado no seu canal do Telegram, Kalachev destaca que a oposição sistêmica não representa uma alternativa e não luta pelo poder. "Os eleitores sentem um problema e já não estão particularmente dispostos a dar mandatos aos partidos da oposição. Qual é o objetivo? Para quê? O sistema partidário está evoluindo para um sistema de partido único e meio, onde há um partido no poder e uma metade combinada de partidos da 'oposição'", comenta.

A realização das eleições em meio à guerra na Ucrânia, no entanto, cria um dilema para o Kremlin. Para o cientista político Abbas Galyamov, a ausência de um candidato com uma visão diferente e crítica à campanha militar de Putin pode colocar em xeque a legitimidade das eleições. Segundo ele, o Kremlin pode adotar "uma jogada útil, mas muito arriscada, de permitir um candidato que seja contra a guerra".

"Todos os candidatos dos partidos políticos oficiais são a favor da guerra, e como a principal questão da agenda política diz respeito à guerra, a ausência de um candidato contra a guerra no boletim eleitoral automaticamente tira o sentido dessas eleições, os eleitores podem perceber que é uma espécie de farsa", argumenta.

O cientista político observa que as eleições são necessárias para fortalecer a legitimidade presidencial, e não para enfraquecê-la, por isso seria necessário permitir um candidato assim, "mas de uma forma que ele não causasse transtornos, ficasse sob controle, e em um último momento, ficasse com uns 2% e aos poucos se retirasse".

"É claro que seria bom para o Kremlin se tivesse um candidato contra a guerra no boletim eleitoral, mas isso é muito arriscado, então acho que eles estão orientados para a minimização dos riscos. Acredito que eles vão abrir mão desse cenário e não haverá um candidato assim", completa.

Edição: Thalita Pires