Em discurso na posse do procurador-geral da República, Paulo Gonet, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu ao novo PGR que não se submeta a "manchete de nenhum jornal nem de nenhum canal de televisão" e afirmou que "acusações levianas não fortalecem a democracia", em um discurso duro com referências aos anos em que a Operação Lava Jato dominou a pauta política no país.
"Dr. Paulo só queria te pedir uma coisa, o Ministério Público é uma instituição tão grande que nenhum procurador tem o direito de brincar com ela, é tão relevante para a sociedade brasileira e o processo democrático desse país que um procurador não pode se submeter ao presidente da Republica, ao presidente da Câmara, ao presidente do Senado, aos presidentes dos outros Poderes, mas também não pode se submeter à manchete de nenhum jornal, nem de nenhum canal de televisão", afirmou o petista.
Lula discursou em um púlpito do auditório Juscelino Kubitschek, localizado na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Logo na primeira fileira em frente ao presidente estavam os ex-procuradores-gerais da República, incluindo Rodrigo Janot, PGR que comandou o órgão durante o auge da operação Lava Jato. Janot estava no comando da instituição no período em que Lula foi condenado e preso, o que impediu sua candidatura presidencial em 2018, ano em que Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República.
Do outro lado da primeira fileira estavam ministros e ex-ministros do Supremo Tribunal Federal, incluindo Cristiano Zanin, que foi advogado do petista na Lava Jato, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Nunes Marques, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello.
"A única coisa que peço a você, em nome do que você representará na historia desse pais é que você só tenha uma preocupação, fazer com que a verdade e somente a verdade prevaleça acima de quaisquer outros interesses. Trabalhe com aquilo que o povo espera do Ministério Público. As acusações levianas não fortalecem a democracia, não fortalecem as instituições", seguiu o presidente da República em seu discurso para Gonet.
Para um auditório cheio de autoridades dos três poderes, Lula criticou o período da Lava Jato, sem citar expressamente a operação, mas lembrando que, muitas vezes, foram anunciadas denúncias e acusações contra políticos que levam à criminalização da política. Neste contexto ele pediu ao novo procurador-geral que não permita que "nenhuma denuncia seja publicizada antes de saber que aquilo era verdade. Muita gente não tem condições sequer de se defender".
O discurso foi seguido de aplausos, até mesmo do senador oposicionista Marcos do Val (Podemos-ES), que chegou a se levantar para aplaudir a fala de Lula. O parlamentar, que é apoiador de Jair Bolsonaro, está entre os investigados pela Polícia Federal por suspeita de envolvimento com os atos golpistas de 8 de janeiro que depredaram a Praça dos Três Poderes.
Novo PGR diz não querer holofotes
Em seu discurso logo após tomar posse, antes da fala de Lula, Gonet afirmou que não busca "holofotes" e que a defesa da dignidade humana deve ser um norte "intransigente". "A defesa constante dos direitos inerentes a dignidade que peculariza cada ser humano deve ser o nosso norte intransigente", disse o procurador-geral recém-empossado. “No nosso agir técnico não buscamos palco nem holofotes”, seguiu Gonet.
Nomeado após a gestão de Augusto Aras, que ficou marcada pela leniência com o governo de Jair Bolsonaro e as pautas golpistas do bolsonarismo, Gonet ressaltou em seu discurso que o momento é de "reviver os valores democráticos" e afirmou que o órgão tem como um de seus compromissos os valores republicanos. "Somos corresponsáveis pelo estimulo e resguardo dos valores republicanos", afirmou.
De perfil conservador, Gonet não foi visto com bons olhos por movimentos de esquerda e mesmo por alas do PT, quando teve seu nome anunciado. Apesar disso, Lula decidiu escolher ele como um aceno aos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal e que apoiavam o nome de Gonet. Na abertura de seu discurso, inclusive, o novo PGR agradeceu nominalmente aos dois ministros e ainda mencionou o recém-indicado para o Supremo, Flávio Dino, que participou da mesma sabatina que ele no Senado antes de ter seu nome aprovado pela Casa.
No auditório também estava presente, além de diversas autoridades do governo federal, como os ministros Fernando Haddad (Economia), Jorge Messias (AGU) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário), a deputada bolsonarista Bia Kicis (PL-DF), que chegou a defender a indicação de Gonet durante o governo Bolsonaro afirmando que ele seria "conservador raiz".
'Nunca lhe pedirei favor'
Ao final do seu discurso, Lula ainda se dirigiu para Gonet e assumiu um compromisso público com ele. "Da minha parte quero lhe dizer publicamente, nunca lhe pedirei nenhum favor pessoal, nunca exercerei sobre o Ministério Público qualquer pressão para que alguma coisa seja investigada", disse.
Na sequência, ele fez um pedido ao novo PGR: "Não faça o Ministério Público se diminuir diante de 200 milhões de brasileiros que acreditam na instituição" e solicitou que o órgão seja o mais justo possível para a sociedade brasileira.
Edição: Rebeca Cavalcante