A posse de Paulo Gonet na Procuradoria-Geral da República (PGR) na última segunda-feira (18) marca uma virada de página de Lula em relação à sua demorada escolha para comandar o órgão que foi determinante para os rumos da política nacional nos últimos anos. A escolha de Gonet reforça a estratégia política do presidente em seu terceiro mandato de buscar conciliação pelo poder Judiciário.
A avaliação é feita por representantes de advogados e juízes alinhados ao campo progressista e que esperam ver uma resposta efetiva da Procuradoria-Geral da República aos grupos antidemocráticos e políticos que incitaram os atos golpistas de 8 de janeiro. Para o professor de Direito e membro da Associação Juízes para a Democracia, Rubens Casara, a nomeação de Gonet mostra que Lula tem focado no Judiciário seus esforços para construir consensos.
"Me parece que o presidente Lula busca uma espécie de coalizão a partir do Poder Judiciário, como percebeu o cientista político Cristian Lynch a partir das lições do sociólogo Sergio Abranches, que cunhou o termo presidencialismo de coalizão. Lula agora desloca a atenção da produção dos consensos e coalizões a partir do Judiciário", afirma Casara.
De perfil conservador, Gonet contou com apoio até de parlamentares da ala bolsonarista mais crítica ao governo Lula. A escolha do presidente, porém, foi uma sinalização aos dois ministros do Supremo Tribunal Federal que têm hoje mais força: Alexandre de Moraes, que concentra as investigações contra golpistas e os inquéritos mais sensíveis envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, e o ministro mais velho da Corte, chamado de decano, Gilmar Mendes.
O próprio Gonet fez uma deferência a Moraes e Mendes em seu discurso de posse. Para a advogada Tânia Mandarino, integrante do Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia, o gesto deixou clara a articulação do governo e indica que o nome de Gonet pode ter sido uma forma também de facilitar a aprovação do nome de Flavio Dino para o Supremo Tribunal Federal.
"Lula fez a negociação com os ministros cumprimentados pelo PGR, que assim o exigiram, Paulo Gonet na PGR e um apoio maior para facilitar a aprovação do nome de Flávio Dino para o STF", afirma a advogada. Aprovado pelo Senado em uma votação apertada, com 47 votos favoráveis, o nome de Dino para o Supremo era tido como mais difícil de ser aprovado pelo perfil do ministro, que já foi filiado ao PCdoB e se notabilizou pelos embates com bolsonaristas no Congresso durante sua atuação como ministro da Justiça de Lula.
Papel democrático do MPF
Para Tânia, o evento marcou o encerramento da atuação de Lula nos assuntos que dizem respeito ao Ministério Público Federal. Em seu discurso, o presidente indica que o nome foi escolhido para atuar firmemente contra os envolvidos no 8 de janeiro. "Acredito que Lula não vá mais aparecer em assuntos agora ligados à PGR, que este é o plano político original, deixar que a PGR, junto com o STF, faça essa persecução penal aos envolvidos no 8 de janeiro inclusive para chegar, acredito eu, até Bolsonaro e os seus bolsonaristas milicianos mais próximos", segue Tânia
Em seu discurso, Gonet afirmou que não busca "holofotes" e também reforçou o papel do Ministério Público Federal de ser "corresponsável" pela preservação da democracia. "Somos corresponsáveis pela preservação da democracia, estabelecida como eixo axiomático de toda a ordem jurídica, social e política. Somos corresponsáveis pelo estímulo e resguardo dos valores republicanos", afirmou o novo procurador-geral da República.
"Devemos estar aferrolhados ao mastro forte dos princípios constitucionais diretores do nosso atuar e do nosso destino. No nosso agir técnico não buscamos palco nem holofotes. Havemos de ser fiéis e completos ao que nos delega o constituinte e nos outorga o legislador democrático", seguiu Gonet.
O coletivo de Advogadas e Advogados pela Democracia tem acompanhado de perto processos e investigações envolvendo ex-integrantes do Ministério Público Federal que atuaram na Operação Lava Jato. Segundo Tânia, o coletivo já está em contato com o gabinete de Gonet para marcar uma audiência com procurador-geral recém-empossado na volta do recesso do Judiciário, em janeiro, para conversar sobre os casos envolvendo os ex-integrantes da operação.
Ela lembra que há em andamento um inquérito sigiloso no Supremo para apurar a conduta de grupos que atuam na divulgação de fake news e ataques ao próprio STF e que ex-integrantes da Lava Jato, como Deltan Dallagnol e Diogo Castor de Matos, poderiam estar entre os investigados pelos ataques e críticas que eles promoveram ao tribunal ao longo dos anos em que a Lava Jato esteve em evidência. "Estas pessoas incitaram muito esses atos que foram coordenados anos mais tarde contra a suprema Corte", segue Tânia.
Já Casares lembra que Gonet é um autor conceituado no mundo jurídico, com uma trajetória sólida, apesar de ser inegavelmente conservador. "A expectativa é que o novo PGR pelo menos cumpra a Constituição. Se fizer isso já está de bom tamanho em comparação a outros atores jurídicos que se tornaram nacionalmente conhecidos nos últimos anos", afirmou.
Posse distensiona clima interno
Com a presença das principais autoridades dos três Poderes, a posse de Gonet na Procuradoria-Geral da República também marcou um clima de distensionamento interno do Ministério Público Federal após quatro anos de gestão de Augusto Aras como PGR. Sem proximidade com as pautas corporativas da categoria, Aras se notabilizou pela sua postura de alinhamento ao governo de Jair Bolsonaro e pelas tentativas de dificultar ou mesmo impedir uma atuação mais incisiva de membros do Ministério Público contra Bolsonaro e seus aliados.
Com isso, ele deixou a gestão marcada por um clima conflagrado entre os próprios integrantes do Ministério Público. Como Lula demorou dois meses para indicar um substituto para Gonet, a maior demora já registrada para a escolha de um nome para a PGR desde 1988, a subprocuradora Elizeta Ramos assumiu interinamente o cargo de chefe do Ministério Público Federal neste período. Segundo integrantes do órgão, isso teria conseguido amenizar o acirrado clima interno. Durante a cerimônia de posse de Gonet, inclusive, o nome de Elizeta foi o mais aplaudido pelos presentes no auditório, em claro sinal de apoio à gestão interina mais longa já registrada na PGR desde a redemocratização.
A expectativa, segundo membros do Ministério Público Federal, é que com Gonet o órgão retome sua atuação mais equilibrada, sem um alinhamento tão claro ao atual governo e sem criar embates desnecessários com o STF. Nos últimos anos, a gestão de Aras teve embates marcantes com o tribunal ao discordar ou mesmo pedir o arquivamento de casos sensíveis para o governo Bolsonaro.
Edição: Thalita Pires