Ambiente

Venezuela: movimentos alertam para os riscos de derrubada de árvores em Caracas

'Plantados em Defesa das Árvores de Caracas' denuncia retirada da vegetação da capital; casos ficaram famosos em 2023

São Paulo (SP) |
Movimentos querem proteger árvores na capital venezuelana - Divulgação/Plantados

Reconhecida por moradores e visitantes, a imagem de Caracas como uma cidade verde pode estar ameaçada. Isso segundo diversas organizações civis que denunciam a existência de uma onda de derrubada desenfreada de árvores na capital da Venezuela. Para monitorar a vegetação urbana e pressionar o poder público, os movimentos se reuniram na plataforma Plantados.

Fundada em 2021, a iniciativa é uma espécie de coalizão que reúne ambientalistas, especialistas em urbanismo e outros moradores interessados em preservar as árvores da cidade. É o caso do jornalista José Cheo Carvajal, que há anos investiga temas como mobilidade urbana, moradia, vida noturna e outros aspectos sociais da capital venezuelana.

Cheo, um dos fundadores da plataforma. diz ao Brasil de Fato que os ativistas não têm como objetivo protestar contra prefeituras ou governos de Estado, mas sim trabalhar em conjunto para melhorar a fiscalização e as políticas de proteção dos espaços verdes.

"Nós não estamos contra as instituições ou as autoridades, muito pelo contrário. Estamos exigindo que elas cumpram o papel de proteger esse patrimônio. Nossa luta não é contra ninguém, na verdade ela é a favor da preservação das árvores, uma coisa que não é muito bem entendida, muitas vezes, por arrogância ou ignorância", diz.

Embora uma das atividades da coalizão seja monitorar árvores pelos bairros, Carvajal afirma que a organização ainda enfrenta dificuldades para produzir uma contagem geral atualizada da vegetação derrubada em toda a cidade. No entanto, nos últimos anos, eles se envolveram em algumas tentativas.

Em 2018, a Ciudad Laboratorio, organização fundada por Cheo que faz parte da Plantados, em parceria com o Banco de Desenvolvimento Latino-americano (CAF), monitorou 100 vias de Caracas e contabilizou mais de mil árvores derrubadas das sete mil presentes nas zonas observadas. Já em 2021, uma contagem realizada pela Ciudad Laboratorio em três dos cinco municípios que conformam a área metropolitana de Caracas contabilizou 300 árvores derrubadas.

Os movimentos reunidos na Plantados afirmam que a tendência dos índices de desaparição de árvores na capital é de aumento e alertam para os riscos ambientais trazidos pelo desaparecimento da vegetação nos centros urbanos. Emiliano Terán Mantovani, sociólogo e membro do Observatório de Ecologia Política da Venezuela, explica ao Brasil de Fato que a ausência de árvores, além de afetar a biodiversidade de Caracas, deve estimular a criação das chamadas "ilhas de calor" que podem aumentar a temperatura da cidade em 2°C ou 3°C.

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"Já é possível sentir esse aumento entre diferentes trechos da cidade, quando você caminha de uma região sem árvores e uma outra onde há mais bosques, você sente a diferença da temperatura e isso acontece em curtas distâncias, às vezes entre um quarteirão e outro", diz.

A derrubada de árvores só tende a piorar um cenário já preocupante. Segundo a Estação Hidrometeorológica da Universidade Central da Venezuela (UCV), o mês de dezembro de 2023 foi o mais quente dos últimos 30 anos em Caracas. Tradicionalmente, a capital registra temperaturas mais baixas nos últimos 30 dias do ano e entre 1980 e 2015 vinha marcando em média temperaturas máximas de 28° e mínima de 16°.

Já em 2024, a temperatura máxima chegou a superar os 29° e a mínima não passou dos 20°. Fenômenos como as mudanças climáticas e o El Niño poderiam explicar os números elevados, dizem os pesquisadores da UCV.

Expansão imobiliária e econômica

Para os ativistas, as principais causas que motivam a derrubada de árvores na capital são a expansão imobiliária e as reformas, sejam comerciais ou particulares. "Caracas é uma cidade que é considerada verde, com bastante vegetação, mas que vai perdendo de maneira progressiva, sobretudo pelas novas construções que vão se realizando, pelos novos comércios que aparecem ou que são reformados", afirma Cheo Carvajal.

Com a leve recuperação econômica vivida pela Venezuela nos últimos anos, novos empreendimentos imobiliários foram surgindo na capital, principalmente em bairros considerados de classe média e classe média alta. O município de Baruta, região central de Caracas, foi um dos que mais recebeu novos edifícios e, segundo o Observatório de Ecologia Política, é um dos que mais registra denúncias de derrubada e podas excessivas de árvores.

"Há uma recuperação econômica na Venezuela, que resgatou certos níveis de consumo, de fluxo e circulação monetária, mas isso aconteceu sem nenhum tipo regulação, o que fez com que aumentassem muito as emissões de gás carbônico e gerasse uma investida contra as árvores em centros urbanos", explica Emiliano Mantovani.

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Foi em Baruta que ocorreu uma das maiores e mais recentes polêmicas envolvendo a remoção de espaços verdes da cidade, quando o projeto de um condomínio residencial de uma construtora previa a derrubada de 5 mil m² de um bosque para a construção de quadras esportivas.

"O fator imobiliário e comercial têm um peso importante no que está ocorrendo", explica Carvajal. "Quando surgem novos projetos de edifícios residenciais, comerciais, para escritórios, ou quando casas são reformadas, sobretudo em setores de classe média e alta, as árvores são afetadas, não apenas as que estão dentro dos terrenos, mas também as que estão nos espaços públicos", diz.

O projeto das quadras em Baruta gerou revolta não apenas da Plantados, mas de moradores e diversos venezuelanos pelas redes sociais e a iniciativa acabou sendo embargada pelo Ministério de Ecossocialismo do governo nacional.

Outros casos

Em Baruta, um outro caso dos impactos ambientais e sociais da derrubada de árvores se tornou emblemático: a expansão do bairro Las Mercedes. Tradicionalmente uma região rica da cidade, o local foi uma das principais escolhas para a inauguração de novos restaurantes, hotéis e comércios nos últimos anos na capital.

A retirada de vegetação para dar espaço aos empreendimentos esquentou o bairro. Um estudo da geógrafa venezuelana Karenia Córdova, pesquisadora do Instituto de Geografia e Desenvolvimento Regional da Universidade Central da Venezuela (UCV), apontou que as temperaturas em Las Mercedes aumentaram pelo menos 6°C desde 2001. A pesquisadora ainda desenvolveu um mapa térmico onde pode ser observado o crescimento das "ilhas de calor" em Las Mercedes nas últimas duas décadas.

"Las Mercedes hoje passa por uma nova gentrificação, porque ela nunca foi uma zona pobre, era uma região de fazendas com uma população rica, mas o primeiro processo de gentrificação a converteu em uma zona comercial, que era a que conhecíamos. Hoje, há uma segunda gentrificação com edifícios enormes de tipo empresarial e um avanço sobre as árvores", afirma Emiliano Terán Mantovani.


Geógrafa venezuelana Karenia Córdova mediu variação de temperatura em Las Mercedes / Reprodução/Alianza Rebelde

Saindo de Baruta, outros exemplos de destruição da vegetação em Caracas se tornaram famosos nos últimos anos. Um deles foi a retirada de dezenas de árvores que margeavam a autopista Cacique Guaicaipuro, que atravessa a cidade e liga as regiões leste e oeste. Em 2021, durante obras na via, antigas árvores foram removidas e palmeiras foram plantadas no lugar. Segundo Cheo Carvajal, a escolha de palmeiras não seria a mais adequada porque elas não geram a mesma quantidade de sombra. Além disso, muitas não vingaram e terminaram removidas.

A ação chegou a ser comentada inclusive pelo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que à época pediu que a prefeita da cidade, Carmen Meléndez, estivesse atenta às ações. "É preciso abrir os olhos com a derrubada de árvores em Caracas", disse o presidente durante um ato transmitido pela TV estatal.

No entanto, em maio deste ano, um outro incidente voltou a chamar atenção para a prática de remoção de árvores na cidade. Moradores do município de El Hatillo, na zona sul de Caracas, pediram explicações à prefeitura pela remoção de uma enorme Samán, conhecida como Chorona no Brasil, que estava plantada onde atualmente funciona uma loja de departamentos da rede Traki.


Samán foi retirada em El Hatillo durante construção de loja de departamentos / Reprodução @javiergorrino

A prefeitura se defendeu dizendo que a decisão sobre a legalidade da ação seria do governo nacional através do Ministério de Ecossocialismo. O caso foi à Justiça e o Ministério Público chegou a anunciar uma investigação sobre a retirada da Chorona de El Hatillo. Semanas depois, o MP se pronunciou dizendo que a ação foi legal e que a espécie foi replantada em um parque na região.

"Nós entendemos que existem árvores que podem representar riscos e elas devem ser monitoradas e controladas", afirma Cheo Carvajal. "Mas é preciso fazer esse monitoramento, não pode haver uma derrubada indiscriminada de acordo com interesses de particulares, pois o bosque urbano tem uma importância fundamental para a vida da cidade", diz.

Edição: Rodrigo Durão Coelho