Coluna

8 de janeiro: narrativa, anistia e sobrevivência da democracia

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É preciso analisar mais detidamente o que levou àquele dia fatídico de tentativa de golpe - Joédson Alves/Agência Brasil
O bolsonarismo deixou evidente o perigo da ausência de parâmetros em relação à intolerância

Narrativas fantasiosas e sem qualquer senso de realidade fazem parte da estratégia de diálogo de Jair Bolsonaro com sua base. Em entrevista divulgada no sábado, (6/1), ele afirma que os atos do 8 de janeiro de 2023 foram uma “armadilha da esquerda” e que “pessoas de direita não fazem esse tipo de coisa.”

A data do 8 de janeiro de 2023 não pode ser considerada um marco apenas para lembrar de um dia em que a democracia foi vilipendiada, nem como um ato em si mesmo, fruto da conjuntura recente.  É preciso analisar mais detidamente o que levou àquele dia fatídico de tentativa de golpe, o comportamento da sociedade brasileira ao longo dos anos, o acirramento de posições contra direitos e a resposta – ou a ausência delas – das instituições.

Após quatro anos de um governo que estimulou a polarização tóxica, manifestações suas como chefe do Poder Executivo impulsionando seus seguidores contra os princípios constitucionais e os demais poderes da República, Bolsonaro pede “volta à normalidade” e diz que o clima atual não faz bem ao Brasil.

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O bolsonarismo, com a ascensão do líder que lhe dá o nome ao cargo maior da República, em 2018, deixou evidente o perigo da ausência de parâmetros em relação à intolerância.

A democracia, como o sistema de governança que se baseia na pluralidade de ideias e opiniões políticas pode, paradoxalmente, facilitar as atividades de grupos e indivíduos que desejam prejudicá-la ou derrubá-la. 

O sequestro da bandeira da liberdade de expressão para espalhar ódio se tornou estratégia de governo de Bolsonaro. Ao mesmo tempo que atacava jornalistas e tratava adversários políticos como inimigos, abria inquéritos contra grupos, movimentos sociais e opositores, censurava dados públicos e atacava publicamente quem o criticasse. 

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Diferente de outros sistemas, o Brasil nunca estabeleceu uma legislação que diferenciasse liberdade de expressão de discursos de ódio, tratando os casos individualmente no sistema de justiça.

O vandalismo perpetrado por um contingente de indivíduos contra as estruturas estatais, em uma manifestação de inconformismo com resultado eleitoral demonstra, para além do fato momentâneo, a verdade perturbadora de que uma parcela significativa da sociedade pouco afeita aos princípios constitucionais e de respeito às divergências e à pluralidade, com disposição para tolerar e apoiar regimes autoritários.

Historiadores mostram que há muito o que investigar sobre o comportamento da sociedade em relação aos regimes ditatoriais para além da dicotomia repressão versus resistência.

Nos dias atuais esses estudos devem levar em consideração fatores e fenômenos contemporâneos como as redes sociais, os algoritmos e a produção das bolhas, que produzem crenças e realidades paralelas, na política e fora dela.

Enriquecer a reflexão é necessário para sair da superfície das análises macro. Assim como a resposta deve ir muito além da concretude da responsabilização pelos atos.

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A anistia dita ampla, geral e irrestrita que sobreveio ao golpe militar de 1964 foi o preço a pagar pela redemocratização. O que, paradoxalmente, limitou que o país, sobretudo as novas gerações, conheçam a história dos porões de tortura e morte, de graves violações de direitos humanos cometidos pelo Estado brasileiro contra cidadãos. O direito à informação e à verdade viraram instrumento de manipulação para apagamento de anos de horror.

Nesse sentido, é fundamental encontrar, julgar e condenar os responsáveis pelos atos de 8 de janeiro de 2023, incluindo os financiadores, mandantes e autores intelectuais. A campanha de redes “sem anistia” porta a razão de um grito para que a verdade seja exposta totalmente. Mas importa entender que isso não é suficiente para que não mais se repitam episódios similares ou idênticos. 

Tanto a fala de Bolsonaro, como de seus asseclas mostra que a disputa de narrativa sobre o episódio ainda está posta. E ela, por mais que a saibamos absurda e sem fundamento, não pode ser subestimada quando as pessoas se informam - ou se desinformam – nas redes sociais, em suas bolhas. 

Nos mecanismos de autodefesa da democracia a maior urgência é o combate às informações falsas que distorcem o processo de formação da opinião pública. 

A permissividade das mentiras generalizadas que circulam de forma organizada nas redes compromete a manipulação do sentido de realidade das pessoas, gera um ambiente de crescente desconfiança, é uma perturbação grave do funcionamento dos processos democráticos.

Esse processo é pavimentado, por ação ou omissão, pelas empresas transnacionais, com interesse exclusivamente econômico, de ganhos de monetização, e interesses particulares que prevalecem sobre os do país.

A regulamentação das plataformas para combater as Fake News é muito necessária contra os gravíssimos perigos à democracia brasileira e aos direitos humanos no enfrentamento à desinformação que materializa o arbítrio e a intolerância. O Projeto de Lei 2630 está em debate no Congresso Nacional desde o ano de 2020, sendo propositadamente apelidado de PL da Censura pelos que querem perpetuar as práticas criminosas e a forma distorcida de fazer política. É hora de aprovar o texto.

* Tânia Maria de Oliveira é advogada, historiadora e pesquisadora. É membra do Grupo Candango de Criminologia da UnB (GCcrim/UnB) e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Compõe a equipe do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos do Governo Federal.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato

Edição: Vivian Virissimo