É um processo histórico, porque na verdade, o 8 de janeiro não foi um raio em céu azul
Há exato um ano, o prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, foi um dos alvos do atentado de manifestantes golpistas contra os três Poderes. Mais que as perdas financeiras, da ordem de milhões de reais, esse foi o pior ataque às instituições democráticas brasileiras desde 1988, em um movimento em favor do ex-presidente da República, Jair Bolsonaro (PL).
Em 2024, o Supremo vai lidar com pelo menos duas pautas que refletem esse cenário. Uma delas é o andamento do processo de julgamento dos vândalos que destruíram as sedes do Executivo, Legislativo e Judiciário. Outra é o retorno da tese do marco temporal, mesmo depois de a Corte declarar inconstitucional a ideia de a demarcação de terras para povos indígenas deva se restringir a alguma data.
Os dois assuntos estão em destaque no programa de rádio Bem Viver desta segunda-feira (8). Sobre os ataques golpistas, a edição entrevistou o historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva. Ele afirma que o discurso de Bolsonaro teve impacto direto na radicalização do grupo que o apoiava.
:: Atentado de 8 de janeiro já é fato histórico, mas ainda precisa ser enfrentado pelo país ::
Entre as pautas golpistas destacavam-se pedidos de apoio das Forças Armadas. O discurso era baseado principalmente nas afirmações falsas de que as urnas eletrônicas não eram seguras, propagadas pelo ex-presidente.
"É um processo histórico, porque na verdade, o 8 de janeiro não foi um raio em céu azul. Ele foi antecedido pelo 7 de setembro de 2021, quando Bolsonaro reuniu multidões, acusou o Supremo Tribunal Federal, disse que não ia obedecer a ordens e decisões do Supremo. Depois, no dia 30 de outubro, quando ele não reconheceu o resultado das eleições de 2022. Agora, sabemos que já havia uma minuta de um golpe de Estado pronta. Depois, no dia 12 de dezembro, quando houve um ensaio geral do 8 de janeiro, com quebra-quebra em Brasília. Mais do que um fato histórico isolado, é um processo histórico, que já está sendo incorporado à história contemporânea do Brasil", analisou o pesquisador, professor emérito do programa de pós-graduação em Ciências Militares da ECEME/Ministério da Defesa. Teixeira da Silva também escreveu o livro Como (não) fazer um golpe de estado no Brasil: uma história interna do 8 de janeiro de 2023.
Uma parte considerável dos golpistas estava acampada havia mais de dois meses em frente ao quartel-general do Exército na capital federal, local que após as eleições foi tomado por extremistas. No início da tarde de 8 de janeiro, apóas a chegada de ônibus com mais extremistas, cerca de 4 mil pessoas deixaram o acampamento e foram para a Esplanada dos Ministérios.
O STF já condenou 30 pessoas acusadas de participação nos atos antidemocráticos, mas não houve punição significativa a militares.
Terras indígenas
Em setembro do ano passado, o STF declarou inconstitucional o marco temporal das terras indígenas. Mesmo assim, o tema voltará a ser analisado pela Corte.
Pela tese jurídica repudiada por indígenas e defendida pelo agronegócio, os povos originários só teriam direito às terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
No Supremo, a lei do marco temporal será discutida em três ações diferentes; duas contra e uma a favor da tese ruralista. Os processos envolvem oito partidos políticos – de oposição e situação – e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
As ações serão relatadas pelo ministro Gilmar Mendes, que tem laços notórios com ruralistas e é também um fazendeiro. Ele votou contra o marco temporal, mas durante a análise do tema criticou a política indigenista por destinar "muita terra" aos povos originários.
:: Marco temporal volta ao STF com três ações diferentes e Gilmar Mendes relator; entenda ::
PT, PCdoB e PV protocolaram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin). Os partidos querem anular a derrubada dos vetos presidenciais pelo Congresso e retirar da lei os trechos inconstitucionais que haviam sido vetados por Lula.
Já a Adin protocolada por PSOL, Rede e movimento indígena, representado pela Apib, pede que a lei seja anulada na íntegra. Do lado oposto, PL, PP e Republicanos pedem que o marco temporal seja declarado válido.
"Esse julgamento, acima de tudo, diz respeito ao processo civilizacional do nosso país", definiu Maurício Terena, coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em entrevista recente ao Brasil de Fato.
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Edição: Thalita Pires