O ex-policial militar do Rio de Janeiro, Ronnie Lessa, acusado de matar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, teria apontado Domingos Brazão como mandante da execução ocorrida em 14 de março de 2018, durante delação premiada. A delação, porém, ainda não foi homologada no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A informação foi divulgada pelo Intercept Brasil, na manhã desta terça-feira (23).
Lessa está preso desde março de 2019 e foi condenado em julho de 2021 por destruir provas sobre o caso. As tratativas entre o ex-PM e a Polícia Federal começaram logo depois que os agentes federais entraram no caso, em fevereiro do ano passado, após decisão do governo Lula (PT).
Domingos Brazão nega participação
Político de carreira e atual conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TC-RJ), Brazão negou ser o mandante do crime em entrevista concedida ao Metrópoles também nesta terça-feira. “Eu nem conheci a Marielle Franco. Fui conhecer a Marielle Franco após esse trágico assassinato aí.”
Brazão também disse que não conhece Ronnie Lessa nem Élcio Queiroz, ex-policial militar do Rio de Janeiro acusado de dirigir o carro utilizado no crime. Em julho do ano passado, Queiroz também fechou um acordo de delação premiada com a Polícia Federal. Na ocasião, o nome de Domingos Brazão foi citado como o mandante da execução contra Marielle Franco.
“Eu não sei se realmente eles citaram o meu nome. (...) Se citaram, não sei com que intenção, então não sei se é uma manobra aí. Isso aí eu, eu, não posso julgar, não sei o que foi feito. Tenho fé em Deus, acredito na Justiça. Se estão falando meu nome para proteger alguém, o desafio das autoridades vai ser sentar e entender quem estão protegendo”, afirmou Brazão ao Metrópoles.
“Ou, a outra hipótese que pode ter é a própria Polícia Federal estar fazendo um negócio desse, me fazendo sangrar aí, que eles devem ter uma linha de investigação e vão surpreender todo mundo aí. Não posso pensar em outra coisa. Não tenho medo de investigação. Não conheço essas pessoas. Nunca vi essas pessoas.”
Informações oficiais
Diferente da delação premiada de Élcio Queiroz, que foi homologada no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), a delação de Ronnie Lessa ainda não foi homologada. A homologação será feita no STJ, o que indica que Lessa possivelmente citou o nome de alguém que possui foro privilegiado. Caberá ao ministro Raul Araújo decidir se aceita ou não o acordo de delação.
Até o momento, a única informação oficial é que o acordo de delação foi realizado e que deverá ser homologado, se aceito, no STJ. Sem estar homologada, a delação ainda não tem validade, ou seja, são somente declarações que não podem levar à responsabilização dos mandantes.
O foro por prerrogativa de função prevê investigação, processo e julgamento somente em órgãos colegiados para aqueles que ocupam determinados cargos na administração pública, como o presidente da República, parlamentares, magistrados e muitos outros. Um deputado federal, por exemplo, só poderia ser investigado pela Justiça Federal em instâncias superiores.
De acordo com apuração do Intercept, o advogado de Domingos Brazão, Márcio Palma, informou que não tem conhecimento sobre a citação de seu cliente na delação de Ronnie Lessa. Palma afirmou também que tudo que sabe sobre o caso vem da imprensa, já que pediu acesso aos autos e foi negado, com a justificativa que Brazão não era investigado. Em entrevistas anteriores, Domingos Brazão sempre negou qualquer participação no crime.
Brazão também já havia aparecido nas investigações sobre o assassinato de Marielle numa denúncia da então procuradora-geral da República Raquel Dodge. Em seu último dia frente à PGR, em outubro de 2019, Dodge apresentou uma denúncia ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que apontava Domingos Brazão como suspeito de tentativa de obstrução das investigações.
“Ele é apontado como obstrutor da investigação, levando a linha para um curso que não era aquele que chegaria aos verdadeiros executores. Não é apontado [como mandante do assassinato] da Marielle não, ele é apontado como alguém que atua para que o curso do inquérito tomasse outro rumo”, disse em entrevista ao UOL em junho de 2020.
Posicionamento da Polícia Federal
Após a publicação da reportagem, a Polícia Federal (PF) publicou uma nota na qual informa que, “até o momento, ocorreu uma única delação na apuração do caso, devidamente homologada pelo Poder Judiciário”.
“As investigações seguem em sigilo, sem data prevista para seu encerramento. A divulgação e repercussão de informações que não condizem com a realidade comprometem o trabalho investigativo e expõem cidadãos”, disse a PF sem citar a reportagem do Intercept ou o nome de Domingos Brazão.
Na mesma linha, a colunista Malu Gaspar publicou no O Globo que o governo federal teme que a publicação do Intercept comprometa a homologação da delação bem como a punição aos mandantes do crime. De acordo com a coluna, os familiares de Ronnie Lessa não concordam com o acordo por medo de represálias.
O advogado de Lessa, Bruno Castro, também é contra a delação por uma “questão de ideologia jurídica”. “Se ele realmente fez uma delação, eu saio automaticamente do caso. Eu não advogo para delator. Não importa se é o caso Marielle ou de quem rouba galinha”, disse.
Também nesta terça-feira, o ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou que “só há delação quando há homologação”. No mesmo tom da PF, o chefe da pasta disse em “especulações”. “O que eu creio que há, infelizmente, são especulações. Especulações que, às vezes, são irresponsáveis. Às vezes, são especulações interesseiras de quem quer, de algum modo, embaraçar ou macular o trabalho investigativo. Há uma expectativa geral, mas não há neste momento algo que confirme isso e, ao mesmo tempo, não há prazo”.
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, irmã de Marielle Franco, também se posicionou em seu perfil no X, antigo Twitter, após a reportagem do Intercept. "Não descansaremos enquanto não houver justiça. A nossa família aguarda os comunicados e resultados oficiais das investigações e está ciente do comprometimento das autoridades para a resolução do caso. A resposta sobre esse crime – quem mandou matar Marielle e Anderson e o porquê – é um dever do Estado brasileiro”, escreveu.
Outro ponto mencionado na delação de Ronnie Lessa é o que teria motivado o assassinato de Marielle Franco. De acordo com o ex-policial militar, a vereadora se tornou um alvo depois que passou a defender uma ocupação de terras por pessoas de baixa renda, numa região supostamente cobiçada pelo mandante, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Marielle lutava para que a área fosse classificada como de interesse social. O mandante, por sua vez, queria destinar a região para fins comerciais.
Edição: Vivian Virissimo