A Vale – responsável pelo maior crime ambiental e trabalhista da história, em Brumadinho, há cinco anos – é a segunda maior beneficiária de isenções fiscais federais. Só em 2021, a empresa deixou de pagar R$ 19,2 bilhões em impostos, o que é equivalente a mais da metade de tudo que a empresa se comprometeu a gastar para reparar os danos que ela causou pelo rompimento de uma de suas barragens, em 25 de janeiro de 2019. Foram R$ 37,7 bilhões.
O desastre matou 272 pessoas.
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O valor da isenção foi divulgado nesta quinta-feira (25) pela Controladoria-Geral da União (CGU). A partir desta quinta, o Portal da Transparência, mantido pelo órgão, passou a detalhar informações sobre as renúncias fiscais federais.
Por ora, os dados disponibilizados são somente os referentes a 2021, declarados pelas empresas durante o ano de 2022.
Dos R$ 19,2 bilhões que a Vale deixou de pagar, R$ 17 bilhões foram concedidos em programas ligados à Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).
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À frente da Vale no que diz respeito a isenções, só a Petrobras, que recebeu R$ 29,5 bilhões. A Petrobras é uma estatal. A Vale foi privatizada em 1997.
Maiores beneficiadas por renúncias fiscais:
• Petrobras (R$ 29,5 bi)
• Vale (R$ 19,2 bi)
• GE Celma (R$ 5,2 bi)
• FCA Fiat Chrysler Automóveis Brasil (R$ 4,6 bi)
• TAM Linhas Aéreas (R$ 3,8 bi)
Lucros bilionários
Desde janeiro de 2019, quando uma barragem da Vale Brumadinho se rompeu, a mineradora já ganhou quase 48 bilhões de dólares –cerca de R$ 235 bilhões na cotação atual da moeda dos Estados Unidos.
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O lucro acumulado em cinco anos já considera um prejuízo de 1,6 bilhão de dólares (cerca de R$ 8,2 bilhões hoje) registrados em 2019, ano da tragédia. Considera também um lucro de 22 bilhões de dólares (mais de R$ 110 bilhões atualmente) obtido em 2021, durante o auge da pandemia do coronavírus e que, até hoje, é o segundo maior ganho já registrado na história por uma empresa nacional.
Lucro da Vale pós-Brumadinho
2019 - menos US$ 1,683 bilhão (prejuízo)
2020 - US$ 4,881 bilhões
2021 - US$ 22,445 bilhões
2022 - US$ 16,728 bilhões
2023 - US$ 5,565 bilhões (até setembro)
Total - US$ 47,936 bilhões
Sobre os R$ 37,7 bilhões prometidos no acordo firmado com o governo de Minas, Ministério Público e Defensoria Pública, a Vale informou que cerca de R$ 25 bilhões – aproximadamente 68% – já foram executados.
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"Apesar da empresa dizer ter gasto mais de 60% do que prometeu, a gente até hoje segue com problemas básicos: muitas comunidades têm problemas em relação à água, tem comunidades tentando ser reassentadas, tem a questão da contaminação", afirmou Marina Paula Oliveira, atingida pelo rompimento da barragem da Vale e autora do livro O preço de um crime socioambiental (Editora Dialética, 2023).
Oliveira deixou Brumadinho após receber ameaças, difamações, constrangimentos e intimidações por suas críticas à Vale. Voltou no final de 2022. Segue, porém, desconfiando dos dados que a empresa apresenta sobre as suas ações relacionadas à tragédia.
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"A gente não pode confiar em nenhum tipo de informação que a Vale fornece", afirmou. "Uma empresa que falsificou, que comprou um teste de estabilidade de uma barragem que já estava instável desde 2017. Como confiar nesse tipo de empresa?"
Crime compensa
Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ressaltou que o crime da Vale cometeu e mesmo o valor empregado pela empresa para repará-lo não afetaram sua saúde financeira e, principalmente, o retorno que ela dá a acionistas.
Ele explicou que isso tem a ver com a dinâmica como grandes mineradoras operam atualmente. Sua atividade – extrair ferro do meio ambiente – gera impacto ambiental inexoravelmente. A empresa só calcula se o custo desse impacto e o risco de sua atividade compensam pelos lucros que ela pode obter e a potencial alta de suas ações.
No caso da tragédia de Brumadinho, o valor que a empresa gastou até agora para reparar os danos que ela causou é quase dez vezes menor do que ela lucrou. Levando em conta essa lógica, para a Vale, o crime compensou.
"A única forma de afetar essas empresas é através de multas bilionárias, impedir de atuar, punir os dirigentes, acionistas majoritários e o conselho administrativo", afirmou Weiss. "No caso da Vale, muito pouco foi feito. O mesmo no caso da Braskem, em Maceió."
Até hoje, nenhuma pessoa ligada à Vale foi responsabilizada pelas 272 mortes. O mesmo ocorreu no caso da Braskem, cuja atividade danificou 14 mil imóveis em Maceió.
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Weslley Cantelmo, economista e presidente do Instituto Economias e Planejamento, afirmou que a Vale fatura muito com sua operação na Serra dos Carajás, no Pará. Para seus acionistas, apesar do discurso público sobre sustentabilidade, isso é o que importa. "Por mais que se tenha uma perda de valor momentânea, a recuperação é rápida. A preocupação do acionista é com a perspectiva de ganho", disse.
No caso da Vale, explicou Cantelmo, a perspectiva de ganho é alta porque existe alta demanda pelo seu produto, o minério de ferro, principalmente vinda da China.
Em 2019, depois da tragédia, a ação da empresa baixou para cerca de R$ 45 na bolsa de valores de São Paulo, a B3. Em 2021, chegou a R$ 115. Hoje, vale cerca de R$ 70.
Edição: Rodrigo Chagas