A carioca Carolina Cristina de Barros tinha 15 anos quando o teste de gravidez deu positivo. Yan Lucas veio à luz em julho de 2016, levando a jovem a interromper os estudos e enfrentar o duplo desafio de ser mãe precoce e mãe solteira. O pai, seu namorado na época, nunca a ajudou.
Nascida no ano 2000, Carolina enfrenta um dos males do milênio – o limbo dos jovens "nem-nem", que não estudam e nem trabalham. A situação afeta jovens no mundo todo, mas tem índices alarmantes no Brasil, onde encontra agravantes ligados a pobreza, raça e gênero.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 10,9 milhões de jovens brasileiros entre 15 e 29 anos não estudam e não trabalham, o que representa 22,3% – ou um em cada cinco – desta faixa etária.
A maioria desses jovens são pobres (61,2%) e mulheres (63,4%). Quase metade (43,3%) são mulheres pretas ou pardas. Carolina faz parte das três estatísticas. Ela mora sozinha com o filho em Senador Camará, favela em Bangu, na zona oeste do Rio de Janeiro.
"Eu vou às ruas, deixo currículo, mas é muito difícil. Porque eu não consegui terminar os estudos e também porque sou preta. Ou seja, primeiro emprego, estudos incompletos, sem experiência... Rejeitam o meu currículo", resume a jovem, hoje com 23 anos.
De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil tem um dos piores índices de jovens nesta situação quando comparado a outros 38 países. Segundo o relatório Education at a Glance, de 2023, o país fica à frente apenas da África do Sul, Colômbia, Chile, República Tcheca e Turquia nesse quesito. Enquanto uma média de 14,7% de jovens entre 18 e 24 anos estão fora da escola e do trabalho nos países analisados, no Brasil a proporção chega a 24,4%.
Perda estimada em R$ 46,3 bi para o PIB
O contingente de jovens que não estuda e nem trabalha é um indicador importante não apenas da vulnerabilidade juvenil, como também para medir a perda de potencial de produtividade de uma economia – no presente e no longo prazo, já que se trata de uma força de trabalho que pode atuar por décadas.
Se essa parcela da população estivesse ativa no Brasil, o PIB de 2022 teria crescido R$ 46,3 bilhões. A conta é da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), segundo estudo divulgado neste mês (15/01) com base nos dados do IBGE.
O relatório da OCDE, baseado em dados de 2022, frisa a importância de governos desenvolverem políticas públicas para evitar que jovens entrem nessa situação, ou para que saiam dela o mais rápido possível. Dificuldades para transitar da escola para o mercado de trabalho no início da vida adulta podem ter consequências de longo prazo na vida de um jovem, e quanto mais tempo se passa nesta situação, mais difícil é sair.
Potencial desperdiçado
Para a economista e analista do IBGE Denise Guichard, é fundamental que governo, empresas e a sociedade olhem com mais atenção para os jovens nessa situação de vulnerabilidade.
"Precisamos cuidar da juventude de hoje. É uma perda de potencial de produtividade e de capital humano muito grande. São 11 milhões de jovens fora do mercado de trabalho e do sistema de ensino, tantas oportunidades desperdiçadas", enfatiza. "As pessoas perdem, e o país perde."
O termo nem-nem é a versão em português da sigla em inglês NEET (not in education, employment, or training, ou seja, fora da educação, emprego ou formação profissional).
Muitos rejeitam a expressão por sugerir que o jovem é responsável pela situação. Alguns economistas preferem falar em "sem-sem", ou seja, sem escola e sem emprego, para reforçar as desigualdades e faltas de oportunidade na raiz do problema.
Os motivos que levam jovens a estarem fora da escola e do trabalho apontam para múltiplos obstáculos, que envolvem baixa qualidade da educação, falta de acesso ao mercado de trabalho e desigualdade de oportunidades e de formação.
Corrida de obstáculos
Geovani Cunha, de 21 anos, terminou os estudos há três anos, mas ainda não conseguiu emprego, apesar de uma rotina insistente de distribuir currículos.
Suas dificuldades refletem problemas enfrentados por jovens pobres e pardos como ele – desde o ensino público, que considerou fraco ("os professores mais faltavam do que iam") ao estigma que sente ao sair da favela onde mora para os bairros mais abastados da zona sul do Rio ("a gente vê o julgamento no olhar das pessoas. Na zona sul, todo preto é favelado, vagabundo, ladrão").
"Estou correndo atrás, mas garanto que não é fácil. Acordar cedo para entregar currículo por aí, sabendo que vou ficar sem almoçar, passando mal no sol em fila de emprego. O patrão não quer saber dos seus problemas, se você comeu ou não."
O rapaz sonha em entrar para as Forças Armadas. Passou em duas provas para ser bombeiro e fuzileiro naval, mas não conseguiu seguir no processo de seleção por falta de dinheiro para fazer os exames médicos necessários.
Geovani foi criado pelos avós. Tem pouco contato com a mãe; já o pai passou parte da infância de Geovani na prisão e morreu após um acidente de moto, por negligência médica. O jovem cresceu num distrito na cidade costeira de Mangaratiba, a duas horas da capital, mas se mudou para o Rio porque lá não havia emprego.
Hoje, vive com a tia em Vila Vintém, comunidade na zona oeste do Rio. Enquanto busca emprego, faz bicos para sobreviver – troca lâmpadas, arruma fiação elétrica, vende bala no trem que liga Realengo à estação Central do Brasil, no Centro, a cerca de 30km.
Geovani viu amigos enveredarem para o tráfico de drogas. Viu um ser assassinado. O caminho do dinheiro pelo crime está "na porta de casa, andando na praça", descreve.
"Tudo parece que caminha para a gente ir pro errado. A vida joga a gente pro errado. Graças a Deus, eu sempre tive a cabeça no lugar", diz ele, afirmando que a fé na umbanda lhe dá esteio.
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Carga desproporcional para mulheres
Para grande parte dos jovens sem escola e sem trabalho, porém, os obstáculos do mercado de trabalho ainda parecem distantes. Isso porque 66% deles sequer estão buscando emprego – e é neste grupo que os papéis de gênero aparecem de forma mais expressiva.
O motivo mais frequente é a necessidade de cuidar de parentes ou afazeres domésticos. E esta razão atinge as mulheres, sobretudo as negras, de forma desproporcional. De 7,1 milhões de jovens que não buscam ocupação, 2,5 milhões são mulheres ocupadas com afazeres domésticos ou cuidados familiares.
Segundo Denise Guichard, as mulheres têm mais dificuldade de sair dessa estatística ao longo dos anos. "Os homens se lançam e vão para o mercado de trabalho, mas as mulheres param", aponta a analista do IBGE.
Neste ano, o pequeno Yan Lucas completará 8 anos. Carolina, prestes a fazer 24, vive com os R$ 600 mensais que recebe do Bolsa Família e com os trocados que ganha fazendo bicos de manicure e de cabeleireira na vizinhança. "Passamos aperto, mas corro atrás para dar as coisas para ele", conta.
Decidida a sair da situação gerada pela maternidade precoce, porém, Carolina acaba de se inscrever em um supletivo noturno para completar o ensino médio. O curso, numa escola municipal, permite que mães sem rede de apoio levem os filhos para a escola.
Carolina espera que, completando o ensino médio, tenha maiores chances de se inserir no mercado de trabalho. Ela sonha em cursar enfermagem.
"Estou doida para começar as aulas. Para terminar os estudos e finalizar logo essa etapa da minha vida. Para começar 2024 de uma maneira diferente", afirma.