Lula pretende fazer menos viagens internacionais e mais roteiros pelo país, de olho nas eleições
Olá, mais do que os problemas não resolvidos do passado, é a falta de horizonte de futuro o que paralisa o governo.
.Agora vai? Para 2024, o governo sabe que não vai ter mais que se preocupar com os problemas do ano passado, como o 8 de janeiro – a cargo do STF e da PF – e a reforma tributária, ainda que faltem medidas econômicas a serem aprovadas. As resoluções de ano novo do presidente Lula envolvem menos viagens internacionais e mais roteiros pelo país, de olho nas eleições municipais, apostando na polarização com o bolsonarismo e não necessariamente com protagonismo petista, especialmente em São Paulo e no Rio. O governo também espera que as eleições municipais atraiam a atenção do Legislativo e diminuam a chantagem por emendas. Este também é o desejo de Arthur Lira que não quer a antecipação da discussão sobre a sua sucessão na Casa, o que seria uma redução do seu próprio poder antes do final do mandato. Ainda assim, a Câmara já começa o ano mais uma vez se queixando de Alexandre Padilha, sempre um favorito para cair numa reforma ministerial, assim como Rui Costa, outro ministro que conjuga pouca capacidade de fazer amigos e influenciar pessoas. No Judiciário, a aliança com Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes segue firme, mas a relação com o STF pode azedar sob a presidência de Luís Roberto Barroso, costumaz defensor dos empresários contra os direitos trabalhistas, e que, como previsto, deve tirar as pautas "morais" da Corte, como o direito ao aborto, para evitar o tiroteio com o Legislativo, seja por evitar a bancada de extrema-direita, seja para não legislar por jurisprudência. O problema é que isso significa enfrentar temas em que não há consenso com o Executivo, como a revisão da vida toda, revisão do FGTS e nomeações nas estatais. Por sua vez, Lula conta com o reforço de Flávio Dino no STF e de Lewandowski na Justiça para mediar os futuros conflitos.
.Carnaval sem purpurina. Para alívio de Lula e Haddad, 2024 também chegou com boas notícias na economia. Num quadro internacional que não é lá muito otimista, o resultado brasileiro parece promissor com queda do desemprego, inflação controlada, redução de juros e expectativa de crescimento positivo. Tudo isso fez com que as tensões entre o governo e Banco Central ficassem para trás e o mercado financeiro também desse uma trégua. Mas a velha ladainha das preocupações fiscais deve continuar. Daí a insistência de Haddad em lembrar que o déficit de 2023 é culpa dos precatórios não pagos pelo governo anterior. No nível internacional, o otimismo brasileiro deu lugar à cautela não só pelo clima beligerante global, mas também pelo tratoraço na França que ameaça enterrar o acordo Mercosul-União Europeia. Com tudo isso, o maior problema do governo continua sendo mostrar a que veio para além de ser um bom zelador de condomínio. A pauta ambiental e energética é um exemplo. Embora os efeitos das mudanças climáticas tenham se tornado comuns no país – com inundações, secas e ondas de calor extremo –, o governo tenta equilibrar-se entre defender a transição energética e redobrar a aposta nos combustíveis fósseis. E as soluções para os problemas do país até o momento passam pelo reforço da iniciativa privada, não só no âmbito da infraestrutura, mas também dos serviços de abastecimento d’água e energia elétrica, que são estratégicos para mitigar os efeitos das crise climática no quotidiano da população. Além disso, se o tempo do negacionismo sanitário ficou pra trás, o aumento do número de casos de dengue e o insuficiente número de vacinas mostram que muitos problemas na área da saúde aguardam solução. Isso para não mencionar a paralisia do governo em enfrentar os problemas da educação, em especial, apresentar alguma solução para o fracassado novo Ensino Médio. Tudo isso deveria servir de alerta para mostrar que as coisas não estão bem, apesar do clima festivo de fevereiro.
.007 a serviço da Malandragem. Mal o ano começou e o bolsonarismo sentiu o cerco do Judiciário e da PF sobre a estrutura, hierarquia e o financiamento da extrema-direita. Além da Operação Lesa Pátria, que respingou no líder da oposição Carlos Jordy e financiadores do agronegócio, as investigações sobre a "Abin Paralela" se aproximaram de dois mentores intelectuais do bolsonarismo – se é possível usar o termo "intelectual" – Carlos Bolsonaro e general Augusto Heleno. O temor agora é que as investigações atinjam ainda Flávio Bolsonaro e, finalmente, o patriarca da gangue. Para completar, ainda podem trazer constrangimentos ao revelar quais aliados foram vigiados pelos próprios Bolsonaros. Resta saber quais ações foram tomadas pelos bolsonaristas a partir das informações capturadas ilegalmente. Mas a Abin não é um esqueleto só no armário do bolsonarismo. Criada em 1990 pelo governo FHC, a agência nunca deixou para trás o DNA do malfadado Sistema Nacional de Informações (SNI). Em outras palavras, continuou sob controle militar e sempre fez mais espionagem política do que Inteligência. Além disso, a generalidade de suas funções faz com que, volta e meia, a Abin e a PF entrem em rota de colisão. Não à toa, a PF está se lambuzando com os fiascos da agência-irmã, enquanto servidores da Abin reclamam que havia muitos policiais federais nos cargos de direção da Agência. No meio do tiroteio, o Exército se faz de desentendido – justo ele que moldou a Abin e é o maior cliente do software espião israelense – para propor mais um serviço de inteligência sob seu controle. Resta um abacaxi inteiro para Lula descascar. Até aqui, o presidente já devolveu a Abin para o controle civil, algo que só aconteceu no segundo governo Dilma, nomeou o maior número de mulheres para a direção da agência e um novo número 2 favorável à desmilitarização do serviço. Mas a insistência de Lula na permanência de Luiz Fernando Corrêa no comando da Abin, alvo das investigações e avalista de dois dos diretores demitidos pelo escândalo, ainda é uma incógnita.
.Ponto Final: nossas recomendações.
* Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Nicolau Soares