A demora no acesso à confirmação diagnóstica e ao tratamento impacta negativamente na mortalidade
Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) apontou que o câncer entre crianças causa mais mortes em regiões que investem menos em saúde. A falta de leitos, estrutura para diagnóstico e tratamento e profissionais impacta diretamente na disparidade. Embora os dados gerais tenham decrescido no período estudado (1996 a 2017), a desigualdade ainda é fator determinante.
"Os autores observaram grande heterogeneidade entre os estados brasileiros, intimamente relacionada ao desenvolvimento socioeconômico. A mortalidade diminuiu mais em estados mais desenvolvidos, com melhores cuidados de saúde. Tais descobertas apontam para a necessidade de melhoria das intervenções, dada a ampla manifestação de exclusão social nas regiões brasileiras", diz a pesquisa.
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Os territórios com menor número de leitos públicos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) apresentaram os mais altos índices de óbitos. Meninos de zero a quatro anos tiveram as maiores taxas de mortalidade.
Entre 2% e 3% dos casos de câncer registrados no Brasil acontecem em crianças. Segundo a pesquisadora Kamila Velame, coautora do estudo, o índice pode parecer baixo, mas tem impacto considerável diante da letalidade e dos riscos de sequelas e incapacidades. Ela ressalta que, frente a esse cenário, a detecção da doença e o tratamento adequado são essenciais.
"Os serviços de saúde exercem um papel preponderante na prevenção de todos os tipos de câncer, tanto no diagnóstico precoce quanto ao início imediato de tratamentos efetivos. Se consegue monitorar os pacientes, fazer a prevenção secundária, evitar recidivas da doença, reduzir as incapacidades. O Sistema Único de Saúde (SUS), em particular, é o recurso mais importante com que conta a população brasileira em seu esforço para vencer o câncer infantil."
Para chegar aos resultados, a pesquisa avaliou dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (Siops). Com isso, tiveram acesso ao número de estabelecimentos em saúde de cada estado brasileiro, o tipo de atendimento prestado, o número de profissionais cadastrados e de leitos hospitalares e a informações sobre orçamentos e gastos.
A mortalidade entre crianças e adolescentes foi de 7,4 óbitos a cada 100 mil habitantes. Para os meninos, o resultado foi de 8 para cada 100 mil pessoas e para as meninas 6,5 óbitos. As taxas foram menores em regiões com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Ainda de acordo com o levantamento, no geral, o Brasil conseguiu reduzir as mortes por câncer infantil em 66% ao longo do período analisado. Mas em 30% das regiões, os casos fatais não diminuíram e nem aumentaram. Em 3% delas foi observado crescimento. No período estudado, mais de 62 mil crianças morreram de câncer em território nacional.
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O estudo também aponta os prejuízos causados pela falta de registros e informações. Kamila Velame destaca os esforços do Ministério da Saúde para implementar protocolos nacionais de atendimento e condução dos casos. Ela ressalta, no entanto, que a política exige envolvimento amplo.
"É importante o empenho dos diversos setores envolvidos em prol da reversão do cenário atual do Brasil em relação ao câncer infantil, onde casos de câncer potencialmente curáveis são ainda são identificados em estágios avançados. A demora no acesso à confirmação diagnóstica e ao tratamento impacta negativamente na mortalidade."
O estudo foi publicado na edição mais recente da Revista Brasileira de Epidemiologia, da Associação Brasileira de Sáude Coletiva (Abrasco). Para ler, clique aqui.
O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz)
Edição: Nicolau Soares