Diplomacia palestina

Genocídio é 'método' de governo em Israel, diz embaixador palestino no marco de 4 meses de ofensiva contra Gaza

Em entrevista, Ibrahim Alzeben elogia postura do governo Lula e defende respeito ao direito internacional

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Ibrahim Alzeben, embaixador da Palestina no Brasil, ao lado de um retrato do líder palestino Yasser Arafat - Camila Araujo

"Israel quer uma Palestina sem palestinos", declarou o embaixador palestino no Brasil Ibrahim Alzeben em entrevista ao Brasil de Fato DF, no dia em que a ofensiva de Israel contra o território palestino chega a quatro meses. Ele acrescenta que uma catástrofe atinge todo o seu povo, que "está com fome, com sede e falta assistência médica". 

Ele recebeu a reportagem na embaixada da Palestina, localizada no Setor de Embaixadas Norte, em Brasília, em um prédio cuja arquitetura remete a modelos tradicionais palestinos e com uma cúpula dourada no meio. 

Doces árabes como baklawa e kneff se misturam com petiscos tipicamente brasileiros – castanha de caju, castanha do Pará e uva-passa – e estão dispostos na mesa em que é feita a entrevista. O celular de Ibrahim não para de tocar ou anunciar mensagens. Segundo ele, a agenda está cheia no dia – um antes de completar o marco de quatro meses de genocídio contra seu povo.


Fachada da Embaixada Palestina no Setor de Embaixadas Norte, em Brasília-DF / Camila Araujo

"Este conflito é a continuidade e resultado de 76 anos de negligência e desrespeito ao direito palestino", disse ele, em referência às consequências do Plano de Partilha da Palestina em dois estados – Palestina e Israel –, aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 1947. Na ocasião, nem os palestinos nem países da Liga Árabe aceitaram a proposta, pois consideravam que ela contrariava a própria Carta das Nações Unidas, de 1945, segundo a qual cada povo tem o direito de decidir seu próprio destino.

Esse foi o estopim para a guerra árabe-israelense de 1948, chamada por palestinos de Al-Nakba, ou "a catástrofe". Este conflito resultou na expulsão de cerca de 800 mil palestinos de seus territórios, dando início à "diáspora palestina" – cerca de 75% da população de Gaza, por exemplo, é refugiada ou descendente de refugiados do Nakba. 

Atualmente, estima-se que são cerca de 6 milhões de refugiados, segundo a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA, na sigla em inglês), e 58 campos de refugiados oficialmente registrados – números de antes de 7 de outubro, quando o grupo político da resistência palestina Hamas ataca Israel, em resposta aos 76 anos de colonização.

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O próprio Ibrahim é fruto deste contexto. Nascido na Jordânia, o embaixador palestino no Brasil, condecorado pelo Itamaraty em 21 de novembro de 2023, em meio ao conflito, é filho de refugiados palestinos. Jornalista de formação, ele começou a atuar na diplomacia palestina a partir de 1979 e desde 2000 atua como embaixador. No Brasil, representa a Palestina há 15 anos. 

Para ele, essa agressão de Israel contra a Palestina demonstra que "o direito internacional está caolho" e é praticado com seletividade. "Esta chacina vai contra o direito internacional e contra o direito dos povos não somente contra o povo palestino. Israel tem que parar e respeitar o direito internacional com mudanças radicais e profundas para que o genocídio não siga sendo método sistemático de governo". 

O embaixador representa a Organização pela Libertação da Palestina (OLP), tida pela Liga Árabe como a "única representante legítima do povo palestino". 

Em 4 de maio de 1994, a OLP assinou com Israel o Acordo de Oslo I, o primeiro acordo israelo-palestino, marcando um plano de uma paz por etapas. 

Na ocasião, pela primeira vez os palestinos reconheceram Israel como um Estado e, em troca, Israel também reconheceu a OLP como o legítimo representante do povo palestino. Após assinado o acordo, no entanto, as negociações não foram para frente e Israel abocanhou novos pedaços do território palestino. 

Governo Lula 

Questionado sobre a atuação do governo Lula, Ibrahim disse que o presidente brasileiro tem tido "posturas valiosas e valentes" diante do conflito. Em janeiro, Lula declarou apoio à iniciativa da África do Sul de acionar a Corte Internacional de Justiça da ONU para investigar "atos e medidas que possam constituir genocídio ou crimes relacionados" e determinar o cessar-fogo imediato de Israel na Faixa de Gaza. 

"Contamos com um governo amigo. O Brasil é parte fundamental do processo de paz na Palestina, desde 1947", disse em referência ao trabalho do diplomata brasileiro Oswaldo Aranha na presidência da Assembleia da ONU que aprovou o Plano de Partilha – recomendando a criação de dois estados.

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Ibrahim ainda elogiou a posição do Brasil ao longo dos anos em defesa de uma solução de dois estados para o conflito na Palestina. Em 2010, o segundo governo Lula atendeu ao pedido de reconhecimento do Estado Palestino feita pelo presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas. 

Sobre os repatriados, Alzeben afirmou que estão sendo bem assistidos pelo governo brasileiro e destacou que alguns deles foram recebidos pelo próprio presidente e alguns ministros. Foram 141 repatriados palestinos em três operações da Força Aérea Brasileira. 

Desde o início do conflito no Oriente Médio, em 7 de outubro, foram 12 voos de repatriação coordenados pelo governo brasileiro no âmbito da Operação Voltando em Paz. No total, já foram resgatadas 1.555 pessoas, entre brasileiros e parentes que estavam em Israel, Gaza e Cisjordânia, além de 53 animais de estimação.

Conflito em números 

Desde o dia 7 de outubro do ano anterior, ao menos 27.585 pessoas foram mortas em Gaza, das quais 70% são mulheres e crianças – outras 8 mil pessoas seguem desaparecidas. Quase 67 mil ficaram feridas, incluindo mais de 8 mil crianças. Na Cisjordânia ocupada, 383 palestinos foram mortos, incluindo 101 crianças, e mais de 4.250 feridos. Os números são contabilizados pela Sociedade Palestina Crescente Vermelho e pelo Ministério da Saúde palestino. 

Já no lado israelense, são 1.139 mortos e 8.730 feridos, segundo o exército do país.

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Os estudantes, desde então, também não voltaram às aulas e não há escolas em funcionamento: a maior parte dos edifícios escolares tiveram a estrutura danificada ou se tornaram locais de abrigos para os deslocados. De acordo com a UNRWA, cerca de 75% da população de Gaza, ou 1,7 milhão das 2,3 milhões de pessoas, está deslocada. 

Ainda segundo a UNRWA, apenas 4 dos 22 centros de serviços de saúde estão em operação já que ao menos 147 instalações da agência em Gaza foram danificadas pelos bombardeios israelenses. Também foram mortos 152 trabalhadores da organização – além de um trabalhador da Organização Mundial da Saúde e um do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. 

Este número se soma ainda ao de 339 trabalhadores da saúde, 46 da Defesa Civil e 123 jornalistas mortos. "Ninguém foi salvo desse genocídio", afirma Ibrahim. 

Segundo ele, a morte de jornalistas indica um objetivo de ocultar o massacre e que este dado deveria motivar outros profissionais da notícia, a se mobilizar e denunciar o que está acontecendo na Palestina. 

Sobre as negociações pelo cessar-fogo, ele afirmou que "há preços dos dois lados. Há reféns nas mãos do Hamas em Gaza e mais 8 mil palestinos reféns nos cárceres de Israel".

"Todo o território palestino está refém de Israel", acrescentou o embaixador, concluindo que "se a raiz do problema é a colonização, a solução é reconhecer os direitos legítimos do povo palestino e o respeito ao direito internacional, pondo fim a ocupação e estabelecendo o Estado da Palestina nos territórios atualmente ocupados: Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental – como capital".

 

Fonte: BdF Distrito Federal

Edição: Márcia Silva