A operação deflagrada pela Polícia Federal na manhã desta quinta-feira (8) para apurar uma organização criminosa que tentou aplicar um golpe de estado no Brasil complica ainda mais a situação de políticos bolsonaristas e militares. Por determinação do Supremo Tribunal Federal, a PF, com apoio do Exército, foi às ruas do Distrito Federal e de mais 9 estados brasileiros para cumprir, principalmente, 33 mandados de busca e apreensão e 4 de prisão preventiva.
O endereço do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) no Rio de Janeiro foi um dos alvos. Os agentes buscavam seu passaporte, que não estava lá, mas deverá ser entregue em até 24 horas. O fato traz ainda mais evidências de que Bolsonaro e aliados arquitetaram um golpe para se manter no poder antidemocraticamente. E não surpreende, avalia o cientista político Cláudio Couto, professor da FGV EAESP.
“Não é surpresa por aquilo que a gente viu durante os quatro anos do governo Bolsonaro. E até se a gente quisesse ir um pouco mais longe, pelo o que a gente viu na própria trajetória política do Bolsonaro ao longo do tempo: uma trajetória sempre de elogio à ditadura militar de 64, de pregação do golpe, de pregação da violência como instrumento de ação política", disse o analista.
"E, claro, durante o governo dele, pelo ataque às instituições, ao Poder Judiciário, à Justiça Eleitoral em particular… mesmo enfrentamentos com governadores de Estado que, por ventura, não fossem aliados dele; ataques ao Congresso. Ou seja, [Bolsonaro] sempre foi um inimigo das instituições, demonstrando inconformismo com qualquer resultado que não fosse a sua vitória na eleição”, pontua Couto.
A Polícia Federal também buscou cumprir 48 medidas cautelares de prisão. Elas incluem a proibição de manter contato com os demais investigados, proibição de se ausentar do país com a devida entrega do passaporte e suspensão do exercício de funções públicas. Foram presos pela PF o coronel Marcelo Costa Câmara e Filipe Martins, ex-assessores de Bolsonaro, além de Rafael Martins de Oliveira, major do Exército.
Conversas divulgadas em relatório da Polícia mostram o coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, orientando manifestações e a participação no monitoramento do ministro do STF, Alexandre de Moraes. A Polícia Federal também tem vídeo de reunião de Bolsonaro com ministros no qual diz falas golpistas.
A reunião aconteceu em julho de 2022, poucas semanas antes do início da campanha eleitoral. A transcrição das falas, que discute a minuta do golpe, aparece na decisão de Moraes que desencadeou a operação desta quinta. Com as gravações, o cientista político Cláudio Couto acredita que dificilmente os envolvidos vão escapar de fortes punições.
“Até uma declaração do general Heleno numa destas reuniões dizendo que poderia infiltrar agentes da Abin em comitês de campanha de adversários, o Bolsonaro dizendo que depois falava isso com ele sozinho. Ou seja, claramente sabia do que se tratava. Mensagens do general Braga Netto declarando também que pretendia dar um golpe de Estado e criticando aqueles da Cúpula Militar que resistiam a esse tipo de tentativa. Com tanta evidência, é muito difícil imaginar que essas pessoas não vão sofrer as sanções que devem. Imagino que vão ser sanções duras”, comenta Cláudio Couto.
O professor e cientista político também fala sobre o Partido Liberal (PL) do qual o ex-presidente faz parte. Foi na sala de Bolsonaro no edifício do PL em Brasília que a PF encontrou uma minuta de golpe durante a operação. O presidente do partido, Valdemar Costa Neto, alvo também dos mandados da Polícia nesta quinta, acabou preso em flagrante por outro motivo: porte ilegal de arma. Couto acredita que, a depender da participação de Valdemar e do PL na articulação do golpe, a organização pode ser seriamente penalizada.
“Se o partido tem na sua estrutura uma articulação com a tentativa de golpe, isso é de uma gravidade imensa. Se forem apenas indivíduos isolados, eles vão responder como indivíduos isolados. Agora, se isso estava articulado à própria estrutura organizacional do partido, entendo que o partido também partícipe desse crime. E sendo partícipe desse crime, tem que responder como tal. Isso pode ter consequências muito sérias pro partido em termos da sua própria existência. Porque se o partido tentou um golpe de estado, ele não pode ser admitido no concerto aí das disputas democráticas”, argumenta.
Além de Valdemar Costa Neto, ainda foram alvos da operação da Polícia Federal o ex-ministro da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro em 2022, Walter Braga Netto; o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno; e o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, com quem já havia sido encontrada uma minuta de golpe há pouco mais de um ano. Mesmo com tanta articulação e os indícios de participação de militares na tentativa de golpe no país, Cláudio Couto diz que o ato não se concretizou graças à reação e a forte atuação de diferentes setores da sociedade e instituições, que seguem até hoje com o processo de investigação.
“Houve muita resistência às investidas golpistas do Bolsonaro ao longo de todo esse tempo, o próprio Judiciário reagindo, lideranças dos mais variados campos da sociedade [e] mesmo setores da imprensa que, em outros momentos, talvez não tivessem essa postura e dessa vez tiveram uma posição mais dura na reação ao governo."
"Não houve capacidade de conseguir amplo apoio empresarial. Ou seja, houve toda uma operação que vem desde setores da sociedade civil até agentes institucionais de Estado - e acho que o Judiciário particularmente tem um papel muito importante- que foram criando resistências."
"Mas, de outro lado, existe também a incompetência desses cidadãos, que não foram apenas pessoas que tentaram um golpe, mas cometeram várias trapalhadas, ao ponto até de se deixarem filmar e registrar produzindo provas contra si próprios”, avalia o cientista político.
A entrevista completa, feita pela apresentadora Luana Ibelli, está disponível na edição desta quinta-feira (08) do Central do Brasil, que está disponível no canal do Brasil de Fato no YouTube.
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Edição: Rodrigo Durão Coelho