O Estado brasileiro reconheceu que violou direitos e garantias na condução do processo penal sobre o assassinato do trabalhador rural sem-terra Manoel Luiz da Silva, morto a tiros em maio de 1997 em São Miguel de Taipu (PB).
O caso chegou à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) por iniciativa de organizações como a Comissão Pastoral da Terra da Paraíba e a Justiça Global, que apelaram ao órgão internacional para cobrar a responsabilidade do Estado brasileiro em relação ao crime.
Nesta quinta-feira (8), a Corte ouviu a acusação e os representantes do Estado brasileiro sobre o caso. Não há prazo para a emissão da sentença.
Durante a sessão, a representante da Advocacia-Geral da União (AGU), Taiz Marrão, pediu desculpas à família de Manoel Luiz. "O Estado brasileiro manifesta publicamente seu pedido de desculpas aos familiares do senhor Manoel Luiz da Silva. O Estado brasileiro, assim, reafirma sua plena disposição em honrar os compromissos assumidos internacionalmente quanto à Convenção Americana sobre Direitos Humanos e com o Sistema Interamericano de Direitos Humanos", diz o comunicado da AGU.
A diretora da Câmara de Conciliação Agrária do Incra, Maíra Coraci, compôs a representação brasileira no caso. "Essa foi a primeira vez que o Brasil reconheceu a violação de direitos humanos e trouxe publicamente a importância da política de reforma agrária neste enfrentamento", afirmou.
O Brasil reconheceu que violou o direito da família a um processo com prazo razoável. O trâmite durou 16 anos e terminou com a absolvição dos acusados.
Na audiência, a representante da AGU reconheceu que a distribuição desigual de terras no país é uma mazela secular que repercute, ainda hoje, na conjuntura brasileira. "Reconhece-se que a alta concentração de terras gera exclusão social, impacta a produção e os preços de gêneros alimentícios e é, sem dúvida, motivo de intenso conflitos no meio rural", afirmou a advogada Taiz Marrão.
Em nota, as organizações que representam o trabalhador na Corte internacional reconheceram a importância da posição do país.
"As representantes também consideram positivo o reconhecimento da violação à integridade pessoal dos familiares de Manoel, que esperam há mais de 20 anos por uma resposta efetiva do Estado", afirmaram a Justiça Global, a Comissão Pastoral da Terra Nordeste 2 e a Dgnitatis.
Entretanto, as organizações questionaram a decisão do Estado de reconhecer as violações apenas na audiência na Corte Interamericana, "quando poderia tê-lo feito antes, impedindo que se abrisse um espaço de diálogo real com as vítimas e suas representantes quanto aos limites desse reconhecimento, bem como sobre as medidas de não repetição".
As entidades também pedem que o Estado se manifeste sobre as demais violações apontadas pela denúncia, como "direito à verdade e sua relação com a violência aos trabalhadores e trabalhadoras rurais; impactos na vida familiar durante as décadas que se passaram desde os fatos; e a necessidade de empreender modificações legislativas que garantam a não repetição de violações semelhantes".
Antes de chegar à Corte IDH, o caso foi investigado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Em parecer de novembro de 2021, a CIDH afirmou que, apesar das inúmeras provas que apontavam os responsáveis pelo crime, "a omissão da polícia com relação às diligências essenciais inviabilizou a persecução penal dos responsáveis, entre eles do autor intelectual".
O órgão lembrou que "uma das pessoas acusadas foi absolvida, que as demais ainda não foram julgadas, que as deficiências probatórias não foram sanadas e que não se esgotaram todas as linhas de investigação, o que é incompatível com o dever de investigar com a devida diligência".
*com informações da Agência Brasil e do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar
Edição: Thalita Pires