"Tocar tambor em praça pública é um ato de rebeldia"
Mais de cem blocos desistiram de desfilar na cidade de São Paulo às vésperas do Carnaval. E não foi por falta de ânimo para a folia, e sim pela falta de investimento e de apoio da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB). Os representantes do bloco reclamam também do modelo de organização da festa.
Para entender melhor este cenário, o programa Bem Viver desta segunda-feira conversou com Lira Alli, que se define como "carnavalista de rua". Ela explica que a cidade tem, desde 2013, um decreto municipal sobre o carnaval de rua. A política pública nasceu após anos de luta dos blocos e garantiu, por exemplo, que o carnaval de rua da capital paulista não tenha o esquema de cordas e abadás que privatiza o espaço público, como acontece em Salvador.
Por outro lado, segundo Lira, o decreto criou um modelo de financiamento e uma lógica para o carnaval de rua que vem piorando ano após ano. Hoje, a prefeitura tem apostado em circuitos fechados em que a gestão da festa fica a cargo de empresas privadas. Isso gera situações como um folião não poder entrar no bloco com uma bebida que não seja da marca patrocinadora. Um fenômeno que já tem até nome: "ambevização" do carnaval.
"É uma lógica de megaevento super produzido que acaba criando uma monocultura visual na cidade", explica Lira. Ela aponta que todos os guarda-sóis dos ambulantes e os blocos ficam tomados pela cor da cerveja patrocinadora.
O Bloco afro Ilu Obá de Min abriu o Carnaval de São Paulo na noite de sexta-feira homenageando Marielle Franco / Elineudo Meira
Nessa lógica, os blocos pequenos acabam prejudicados. Lira conta que, quando a política pública do carnaval de rua entrou em vigor, os blocos inscreviam-se apenas para avisar que iam desfilar. Hoje, é necessário pedir autorização. Uma prática que, ela aponta, é inconstitucional: "Quem organiza bloco tem que ter responsabilidade, não vai botar um mega trio elétrico sem preparação para aquilo, mas se quiser tocar um tambor e dar uma volta no quarteirão, você tem direito constitucional a isso".
Outro problema apontado pelos blocos é o horário restrito. Hoje, na cidade de São Paulo, só é permitido ter bloco das 9h às 18h - ou seja, fica quase impossível para os blocos fugir dos horários de mais sol e calor.
Mas afinal, por que tanta dificuldade em botar o bloco na rua? Para Lira Alli, não há dúvida: “Carnaval está sendo ameaçado porque incomoda. Incomoda ver corpos livres felizes ocupando espaço público fazendo música em coletivo. Incomoda quem prefere uma cidade triste em que as pessoas estão cabisbaixas apenas trabalhando e obedecendo ordens”.
Lira destaca que os blocos têm atividades formativas e pedagógicas o ano todo, e que o Carnaval concretiza o direito à cidade. "Tocar tambor em praça pública é um ato de rebeldia", completa.
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Edição: Matheus Alves de Almeida
