BLOCOS DE RUA

Bloco afro É Di Santo diverte e traz mensagem a foliões em desfile de carnaval nas ruas de São Paulo

Bloco existe há 14 anos e busca valorizar religiões de matriz africana e toques e ritmos afro-brasileiros

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Bloco Afro trouxe como tema neste ano as macumbarias femininas - Reprodução

Fundado em 2010, o bloco afro É Di Santo desfilou na tarde desta segunda-feira (12) pelas ruas da região de Piraporinha, na Zona Sul de São Paulo, atraindo muitas pessoas que gostam da folia. Na história, foi o décimo quarto desfile do bloco, que começou primeiro como um projeto de música e acabou se estabelecendo e fixando como um dos muitos blocos de rua que fazem o carnaval de São Paulo crescer a cada ano.

"O É di Santo nasceu como um projeto de música percussiva. E eu tive a ideia de juntar os toques de orixás e as pesquisas que eu já tinha de percussão, de onde foi que eu vim, da capoeira, das manifestações de rua… Então, convidei alguns percussionistas e aí a gente começou a fazer composições com essa vertente: de música de orixá com uma coisa mais moderna", explica o idealizador e também mestre de bateria do bloco, Rabi Batukeiro.

Neste ano, ele comemora o apoio financeiro de um projeto da Secretaria Municipal de Cultura, o Fomento à Periferia. Graças a este projeto da prefeitura de São Paulo, que ajuda coletivos e projetos artísticos culturais que estão distantes do centro, eles conseguiram ir para às ruas com a personalização do tema definido para o ano.

"Nesse projeto a gente conseguiu trazer Dete Lima, que é figurinista do bloco afro Ilê Aiyê, e conseguimos mudar a concepção de figurino do bloco, a gente conseguiu mudar a estética do bloco com relação aos tambores, conseguimos adesivar os tambores, conseguimos montar um figurino com a estampa do bloco, do tema que é 'Macumbarias Femininas'", apresenta Rabi.

A concentração do bloco foi na Casa de Cultura de M’Boi Mirim, como tradicionalmente costuma ser feito. E dali o desfile seguiu à tarde por pelo menos 8 vias da região. Andréia Tenório, co-fundadora do bloco e quem assume diferentes funções nele, como a de regente, fala sobre o tema definido para 2024.

"O surgimento dos nossos temas surge a partir dos nossos ensaios. A gente começa as nossas rodas, os nossos ensaios e aí a gente vai sentindo a necessidade. O assunto passa a surgir e ele vai se tornando um tema. As nossas temáticas são sempre em torno dos tambores. O tambor é o pilar, o centro do nosso encontro. A partir dele, a gente consegue envolver tema, pesquisa, o nosso tema gerador", conta. 

Assista a reportagem em vídeo e veja um pouco do desfile:

Macumbarias Femininas e as características do bloco

"'Macumbarias Femininas' surge com um projeto, uma necessidade de falar sobre a nossa feminilidade e, ao mesmo, desmistificar essa expressão macumba. Então, quando a gente traz 'Macumbarias Femininas', nós estamos falando de dois elementos que são atravessados pelo preconceito. Nós mulheres e as macumbarias que estão voltadas para as religiões de matrizes africanas: candomblé e umbanda. Aí a gente ressignifica a macumbaria daquele lugar pejorativo, negativado socialmente, como potência. A macumba como potência, a macumba como poder, a macumba como ressignificação, como autocuidado", pontua Tenório.

O próprio palco da Casa de Cultura onde foi realizada a concentração do É di Santo também estava decorado com artes que remetem aos orixás das religiões de matriz africana. Elas foram feitas pelo artista plástico Jair Guilherme, que também dá aulas de artes na rede municipal de ensino.

"A minha exposição chama-se Ori. São 17 orixás baseados estruturalmente na cabeça dos orixás, a partir das máscaras iorubá. Eu fiz de cada um, de cada orixá, representado só pela cabeça, por isso que chama-se Ori [termo em iorubá que significa 'cabeça' e tem siginificado espiritual ns religões afro]. São pinturas em acrílica sobre tela. Tudo que tem feito por aí contra, quebrando ilês, casas de candomblé, pessoal que deturpa tudo, vai lá e quebra tudo... Isso aí é uma grande bobagem. Fazer sincretismo errado, falar que Exu é o capeta não tem nada a ver. Candomblé trabalha com energia. Exu é uma energia. Oxum é uma energia. Obá é uma energia. Então, todos os orixás são energéticos e você precisa entender um pouco mais sobre isso pra não ser ignorante. Ninguém fala mal do budismo, mesmo do cristianismo, ninguém fala mal", ressalta o artista.

O propósito do É di Santo é reforçado no próprio nome, com esse mesmo intuito de reafirmar de onde o bloco vem, com o que está relacionado e dissociá-lo do que é visto e disseminado como algo ruim pelo senso comum, declara Rabi Batukeiro.

"Tudo que a gente faz realmente é de santo, é de terreiro. É do que a gente pratica. A maioria dos nossos integrantes do bloco afro É Di Santo são de terreiro. Ou são da umbanda ou são do candomblé. E até na escrita mesmo a gente procura dizer 'É DI SANTO', com 'd-i' mesmo, que é como a gente fala na linguagem de terreiro, na linguagem das pessoas dos povos de santo. Então, É di Santo vem afirmando isso", exalta o mestre de bateria.

Rabi também conta que todos os componentes do bloco atuam como voluntários. Alguns já estão há mais tempo. Há quem formou família na atuação dentro do bloco, crianças e adolescentes que tocam e aprenderam a tocar nas oficinas feitas também pelo projeto, e o espaço, segundo ele, é aberto a qualquer um que tenha vontade de fazer parte. O bloco Afro é diverso, tendo também pessoa com deficiência que já pôde contribuir.

"Nessa trajetória a gente cresceu junto. Tem pessoas que se tornaram casal, tiveram filhos, os filhos tocam no bloco. Então, a formação percussiva é bem familiar, bem intimista mesmo. A gente é acolhedor com todo tipo de pessoas, de gênero, de classe. Só a cor que a gente exige que seja uma pele mais escura porque nós somos um bloco afro, mas independente disso, pessoas com qualquer tipo de deficiência podem vir fazer parte da nossa percussão. Não precisa ter experiência com percussão, só fazer as oficinas com a gente", convida Rabi.

Edição: Nicolau Soares