Delegações do Quênia, Haiti e Estados Unidos estiveram reunidas entre segunda (13) e quarta-feira (14) em Washington para discutir a Missão Multinacional de Suporte à Polícia Nacional do Haiti, aprovada em outubro pelo Conselho de Segurança da ONU e liderada pelo Quênia.
A subsecretária de Estado de Assuntos Políticos estadunidense, Victoria Nuland, encerrou as sessões e os participantes estabeleceram um prazo para a chegada da missão ao Haiti, informa nota do governo haitiano que não divulgou o cronograma por questões estratégicas.
Na quarta-feira (14), foram discutidos os termos do acordo de reciprocidade entre Haiti e Quênia, exigido pelo Tribunal Constitucional do país africano que havia barrado o envio das tropas ao final de janeiro. A decisão final sobre o texto deve ocorrer no início da próxima semana, bem como sua assinatura por ambas as partes.
O Quênia concordou em liderar essa missão, composta por entre 2.500 e 2.600 soldados e que deveria acontecer "durante o primeiro trimestre de 2024", segundo a representação da ONU no Haiti. Ratificado pelo Parlamento queniano em 16 de novembro, o plano gerou protestos no país africano.
Na última sexta-feira (9), o secretário nacional de organização do Partido Comunista do Quênia (CPK), Booker Ngesa Omole, disse que haverá mobilizações nas ruas da capital queniana caso o envio das tropas se concretize. “Lutaremos nas ruas de Nairóbi por nossos irmãos e irmãs no Haiti”, disse ao Peoples Dispatch.
“A pergunta que se faz: resolverá o caso? Eu diria que não. É como um band aid, um esparadrapo colocado num corte muito grande e profundo, uma ferida aberta”, disse ao Brasil de Fato Ricardo Seitenfus, representante da Organização dos Estados Americanos (OEA) no Haiti entre 2009 e 2011, e autor dos livros Haiti: dilemas e fracassos internacionais e A ONU e epidemia de cólera no Haiti.
“A situação do Haiti tem raízes muito mais profundas do que essa que nós assistimos visualmente [protestos das últimas semanas]. A falta de condições de trabalho, de um sistema educacional, de desenvolvimento econômico, de esperança. Minha sugestão é que, a partir da chegada da força policial, se faça uma boa preparação para as eleições presidenciais”.
Apesar de não se manifestar publicamente sobre o atual momento do Haiti, Seitenfus aponta que o governo brasileiro trabalha nos bastidores para encontrar uma solução para a crise profunda que o país enfrenta. "Tanto os diplomatas, a Polícia Federal, como o governo brasileiro estão empenhados nisso. Eu acho que o caminho que o Brasil está trilhando é um caminho de discrição, de não aparecer muito, mas bastante importante na medida de ter tido papel preponderante durante os 13 anos da Minustah, de 2004 e 2016".
O diplomata acredita que o governo brasileiro deve oferecer suporte ao país, não com o envio de tropas, mas treinamento e inteligência policiais no combate às gangues e ao narcotráfico e, em um segundo momento, com ajuda por meio de projetos sociais.
"O Brasil ajudará provavelmente a financiar a missão, não com muitos recursos, mas sobretudo através de projetos sociais, como fez durante o primeiro período da Minustah e que depois foi pouco a pouco abandonado. Porque o Brasil tem consciência que os problemas de instabilidade política e de violência política são consequência de uma situação que é muito mais profunda, que é subdesenvolvimento."
Protestos pedem saída de primeiro ministro
O dia 7 de fevereiro, data em que ocorre a posse dos novos governantes no calendário político haitiano, foi marcado por uma série de protestos que pedem a saída do atual primeiro ministro, Arien Henry, que assumiu o cargo após o assassinato de Joivel Moïse em 2021. Os manifestantes pedem que seja concluído o calendário de transição de poder firmado em 2022. Cinco agentes de um órgão de proteção ambiental e mais uma pessoa foram mortos durante os protestos na quarta-feira (7).
"São 30 meses do assassinato do presidente Jovenel Moise e nós estamos novamente nessa transição entre o assassinato do presidente e uma má situação com o primeiro ministro que não foi empossado, mas que foi designado pelo presidente assassinado. E ele é muito contestado pelas oposições, que querem uma nova transição", avalia Seitenfus.
Segundo o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, o último mês foi o mais violento no Haiti nos últimos dois anos. Pelo menos 806 pessoas morreram, ficaram feridas, ou foram sequestradas em janeiro, assim como cerca de 300 membros de gangues, também mortos ou feridos, no total de 1.108 pessoas. Trata-se do triplo do número registrado em janeiro de 2023, de acordo com um comunicado divulgado pela agência.
*Com AFP e Haiti Libre
Edição: Rodrigo Durão Coelho