As Forças Armadas da Polônia anunciaram na última quinta-feira (15) que intensificaram a mobilização de aeronaves militares devido à atividade da aviação estratégica russa, que lançou ataques massivos com mísseis contra a Ucrânia, em particular na região de Lvov, que fica perto da fronteira com a Polônia.
De acordo com o comando operacional das Forças Armadas da Polônia, os militares intensificaram “todos os procedimentos necessários para garantir a segurança do espaço aéreo polonês”. O comando alertou ainda “sobre a intensificação da aviação polonesa e aliada, que pode estar associada ao aumento dos níveis de ruído, especialmente na região sudeste do país”.
A movimentação polonesa não está exclusivamente vinculada aos ataques russos em diversas regiões ucranianas desta semana, mas se enquadram em uma tendência de tensionamento e alerta de autoridades ocidentais em relação a uma suposta ameaça russa para além das fronteiras da Ucrânia, falando abertamente da possibilidade de uma guerra com a Rússia. Moscou reiteradamente rechaçou qualquer interesse em ações militares em países da Otan, caso não sofra ameaça de um desses países.
Inicialmente, foi a Otan que, em 18 de janeiro, anunciou o maior exercício militar desde a Guerra Fria, com a participação de mais de 90 mil soldados, com o adendo de que as manobras irão simular um cenário de um "ataque russo". De acordo com o chefe do comitê militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), almirante Rob Bauer, a população civil deve se preparar para o fato de que uma guerra poderá eclodir com a Rússia nos próximos 20 anos. "Devemos compreender que a nossa existência pacífica não é um dado adquirido e é por isso que devemos nos preparar para um conflito com a Rússia", disse.
Posteriormente, na semana passada, foi o ministro da Defesa da Polônia, Władysław Kosiniak-Kamysz, que afirmou que o país se prepara para um possível conflito com a Rússia em caso de derrota da Ucrânia. De acordo com ele, a "situação no mundo é muito grave" e país deve se preparar para os piores cenários. Paralelamente, o ministro da Defesa da Suécia, Carl-Oskar Bohlin, recentemente afirmou que os civis devem estar preparados para atuar em uma possível guerra na Europa.
O assunto foi pauta da mais recente entrevista do presidente russo, Vladimir Putin, ao apresentador Tucker Carlson, controverso jornalista vinculado à extrema direita norte-americana e a Donald Trump. O líder rechaçou categoricamente os rumores de uma suposta ameaça russa.
Tensão entre Rússia e Polônia sinaliza pretensões territoriais de Moscou na Ucrânia
"Não temos interesse na Polônia, nem na Letônia, nem em qualquer outra coisa. Por que devemos fazer isso? Simplesmente não temos nenhum interesse. Isto é simplesmente incitar uma ameaça", disse Putin.
Ao ser questionado se o presidente russo estaria pronto para garantir a não agressão aos países da Otan, Putin disse:
"Isto é absolutamente impossível. Você não precisa ser nenhum tipo de analista: é contrário ao bom senso ser arrastado para algum tipo de conflito global. Continuamos assustando a todos: 'Amanhã a Rússia usará armas nucleares táticas, amanhã usará isto – não, depois de amanhã'. E o que acontece?", destacou.
Na última terça-feira, dia 13, foi o Serviço de Inteligência Estrangeira da Estônia que afirmou que a Rússia está se preparando para um confronto militar com o Ocidente na próxima década. A avaliação foi baseada nos planos russos de dobrar a presença militar na fronteira com os membros da Otan, a Finlândia e os Estados Bálticos.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o chefe do Centro de Análise e Previsão Política da Bielorrússia, Pavel Usov, afirma que estas declarações têm como pano de fundo a falta de uma estratégia clara do Ocidente sobre o que fazer daqui pra frente em relação à guerra da Ucrânia, considerando o interesse na sua vitória contra a Rússia.
“A Otan, ao invés de fornecer tudo o que for necessário para a Ucrânia, se prepara para uma guerra com a Rússia no sentido moral e psicológico, o que soa absurdo. A guerra com a Rússia deve ser vencida dentro da Ucrânia e não esperar quando podem haver ameaças à Otan, que não estará pronta para essas ameaças”, observa.
De acordo com o cientista político, ninguém está orientado para a realização de verdadeira guerra nuclear, mas ao mesmo tempo o analista aponta que “a Rússia pode realizar provocações para verificar até onde ela pode ir” nos seus objetivos de afirmar um controle geopolítico no espaço pós-soviético. “Foi assim com a Crimeia, como foi com a Ucrânia em 2022”, lembra.
Ao analisar cenários possíveis para tais provocações, Pavel Usov afirma que é do interesse da Rússia promover uma estratégia mais orientada para desestabilizar internamente os países da Europa ocidental com o intuito de angariar apoio e desmantelar a aliança de apoio à Ucrânia.
Segundo ele, “é compreensível que a Rússia vá buscar métodos diferentes para desestabilizar a situação em diversos países europeus e realizar uma pressão dentro da UE”. “Já há o caso da esfera de influência da Eslováquia, onde um populista semelhante a Orban [primeiro-ministro húngaro] chegou ao poder, que também a princípio não irá apoiar a Ucrânia, interessado na necessidade de realizar negociações de paz com a Rússia, e a Europa terá cada vez mais populistas de direita dessa natureza que irão apoiar a Rússia”, argumenta.
Rússia tem interesse em uma ‘trégua’ do conflito?
Ao mesmo tempo em que autoridades ocidentais sobem o tom em relação a temores de uma possível escalada da crise com a Rússia, foi relatado pela agência Reuters na última terça-feira (13) que o presidente russo, Vladimir Putin, teria "enviado sinais" aos EUA através de intermediários, de que estaria pronto para considerar um cessar-fogo na Ucrânia.
De acordo com a publicação, que cita uma “fonte russa com conhecimento das discussões no final de 2023 e início de 2024”, sob condição de anonimato, esta trégua teria a condição de que as tropas russas permanecessem nos territórios ucranianos que ocupam. “Os contatos com os americanos não deram em nada”, diz a fonte. A publicação também relata que representantes de Washington disseram a Moscou, através de intermediários, que não discutiriam um possível cessar-fogo sem a participação da Ucrânia, e, assim os contatos terminaram em fracasso.
Ao comentar a publicação, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, negou a informação de Putin teria sugerido uma trégua aos EUA nas linhas territoriais atuais do conflito com a Ucrânia. “Não, isso não é verdade", disse o porta-voz a repórteres.
Para o cientista político Pavel Usov, é do interesse da Rússia que haja um congelamento do conflito nas atuais condições. Segundo ele, quaisquer negociações de trégua nas circunstâncias de hoje “vão se basear no fato de que a Rússia não vai abrir mão dos territórios ocupados da Ucrânia”.
Em segundo lugar, ele destaca que a guerra acontece no território da Ucrânia, então é a infraestrutura da Ucrânia foi sendo destruída. “Se após tais perdas e acontecimentos dramáticos, a Ucrânia assinar qualquer forma de acordo de congelamento do conflito, isso vai gerar uma séria contradição interna, uma pressão interna dentro da própria Ucrânia, porque hoje não há demanda por qualquer tipo de trégua com a Rússia”, afirma.
“Por isso, sem dúvida, a Rússia vai fazer de tudo para, por um lado, esgotar as forças da Ucrânia, aumentar a pressão, avançar mais, mas, por outro lado, vai buscar chegar a um acordo de trégua, porque uma trégua, um congelamento do conflito na configuração territorial que hoje está colocada, vai representar uma vitória para a Rússia”, completa o cientista político.
Edição: Rodrigo Durão Coelho