Em 19 de fevereiro do ano passado, um temporal matou 65 pessoas no litoral norte de São Paulo, 64 na cidade de São Sebastião e uma em Ubatuba, além de ter deixado centenas sem casas e sem seus pertences.
Hoje, exatamente um ano depois, moradores da região e organizações que atuam no caso acusam o governo do estado paulista e as prefeituras locais de negligência com os atingidos.
Laércio Honorato, de 42 anos, morador de Boiçucanga, em São Sebastião, é um deles. "Sou uma vítima, perdi tudo. Inclusive meus vizinhos, que também ficaram soterrados. Ficamos dois dias e duas noites cavando para tirar o corpo deles da lama", afirmou durante o ato de um ano do desastre, na Praça da Sé, na região central de São Paulo, nesta segunda-feira (19).
"A nossa luta aqui é pelas vidas que foram ceifadas por negligência do governo, para que o poder público respeite a população de São Sebastião e faça obras de contenção de todos os bairros. No Morro do Pantanal não estão tendo obras. A obra que estão fazendo no Morro do Esquimó é na beira do rio", afirmou à reportagem do Brasil de Fato.
"Porque não fazem muro de contenção na parte de cima do Esquimó, onde o pessoal corre o risco de morrer porque toda a chuva que dá desce um pouco do morro? Por que que não faz muda de contenção lá no Pantanal, por que todas as chuvas que dão descem água?", questiona Honorato, que vive hoje na Vila Sahy na casa de um amigo.
Moradias em Baleia Verde e Maresias
Também nesta segunda-feira (19), o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) entregou 518 moradias feitas com estrutura de madeira no bairro Baleia Verde, em São Sebastião. No início de fevereiro, 186 casas de alvenaria foram entregues na região de Maresias, no mesmo município, totalizando 704 famílias atendidas.
Os moradores e as organizações, no entanto, afirmam que o bairro Baleia Verde também é uma área de risco. No início do mês, a deputada estadual Ediane Maria (PSOL) publicou imagens de alagamentos no bairro.
"Esse é o local onde estão sendo feitas as obras do Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo para as vítimas da tragédia de fevereiro de 2023 em São Sebastião. Mais de 500 famílias foram tiradas de suas casas, de seu bairro e são levados para viver em novas áreas de risco. Esse é o projeto da prefeitura e do governo do Estado", escreveu a parlamentar em sua publicação no Instagram.
Rogério Paulo, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), também estava no ato e afirmou que durante esse um ano após a tragédia, "teve muita propaganda e pouca coisa feita".
"As famílias ainda estão sofrendo os impactos, além daquelas que perderam os entes queridos. Moradia digna, saúde e educação são pontos que ainda não foram resolvidos. O governo do estado e próprias as prefeituras do litoral têm um descaso para com essa situação toda. A quantidade de famílias que vivem ameaçadas por novos efeitos climáticos ali na região é muito grande, assim como no Brasil todo", afirmou Paulo ao Brasil de Fato.
"Que se cumpra aquilo que foi prometido com relação às famílias que sofreram os impactos, mas também com o conjunto da população sob os impactos dessas mudanças climáticas. Mudanças estruturais precisam ser feitas, e o governo tem essa responsabilidade nesse momento", disse.
Emergência climática
Durante a manifestação, os organizadores afirmaram que o poder público não trata com a seriedade necessária as mudanças climáticas por meio de programas de prevenção aos desastres naturais. Destacaram como exemplo o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), que deixou de utilizar R$ 413 milhões dos recursos empenhados para Gestão dos Riscos e Promoção da Resiliência a Desastres e Eventos Críticos. Tal instância realiza atividades como manutenção de sistemas de drenagem e da operação dos sistemas de monitoramento e alerta de enchentes.
Segundo levantamento feito pelo g1, com base em dados do Portal da Transparência da capital, no total a prefeitura usou R$ 1,6 bilhão dos R$ 2,1 bilhões empenhados, deixando de usar R$ 413 milhões. A gestão de Ricardo Nunes tem deixado, ano após ano, valores recordes em caixa. Em 2022, foram R$ 31,4 bilhões. Já em 2023, terminou o mês de novembro com R$ 31,7 bilhões em caixa.
Raimundo Bonfim, coordenador nacional da Central de Movimentos Populares (CMP) e membro da coordenação nacional da Frente Brasil Popular (FBP), afirma que "infelizmente, esses eventos decorrentes da emergência climática irão acontecer no Brasil cada vez mais. Não é um problema de chuva, mas porque não tem políticas públicas de prevenção e de combate à questão da destruição do meio ambiente e tampouco uma política de inclusão social e um projeto de moradia que dê conta não só de construir casa, mas de urbanização, de regularização dessas áreas, que são as áreas em que moram a maioria da classe trabalhadora no Brasil".
"É lamentável a situação de inúmeras territórios pelo nosso país de moradia precária, como é no litoral de São Paulo. E lamentável é que as autoridades, especialmente o governo do estado e as prefeituras não dão a resposta a contento para uma tragédia como essa", afirmou durante o ato ao Brasil de Fato.
Em nota, o governo de São Paulo informou que investiu cerca de R$ 1 bilhão em ações para a população do Litoral Norte, entre a construção de moradias, linhas de créditos para fomento da economia e turismo, obras de infraestrutura, prevenção e incentivos para a recuperação da região.
"Uma sirene foi instalada na Vila Sahy para situações de risco. Os moradores da região receberam treinamentos especializados, e participaram de simulados e oficinas para momentos de crise. Um novo radar foi instalado no município de Ilhabela, no Litoral Norte, com capacidade para acompanhar tempestades e rajadas de vento em toda a costa paulista, com investimento de R$ 10 milhões", informou.
"O Governo de SP também entregou em tempo recorde, 10 meses de obras, 186 unidades habitacionais no começo do mês, em Maresias, e outros 518 apartamentos hoje (19), no bairro Baleia Verde, totalizando 704 e um investimentos de R$ 260 milhões. Não há qualquer risco na área, que é plana, longe de encostas, e cujo nível dos prédios foi elevado em mais de 1 metro para evitar inundações, além de melhorias de drenagem realizadas pelo DER com o intuito de escoar água das chuvas. As habitações definitivas estão ainda totalmente equipadas com geladeira, fogão, forno micro-ondas, tanquinho e camas", concluiu o governo em nota.
Também em nota, a prefeitura de Ubatuba se solidarizou com as vítimas e afirmou que desde a tragédia "intensificou o trabalho de prevenção na cidade para evitar que novos desastres se repitam no município".
"Uma das medidas realizadas foi o cumprimento da ordem judicial para a remoção dos ocupantes da área de risco conhecida como Morro do Fórum, bem como o monitoramento de outras regiões do município, para evitar ocupações irregulares e depredação do meio ambiente. Entre outras medidas, também foram feitos serviços de desassoreamento de rios, investido em novos equipamentos e treinamento dos profissionais da Defesa Civil e a implantação da plataforma de geoprocessamento para o mapeamento urbano que permitirá uma visão ampliada da ocupação do solo", afirmou a gestão em nota.
"A prefeitura tem ainda buscado junto aos governos, estadual e federal, a inclusão do município em projetos habitacionais para que mais moradores possam ser removidos de áreas de risco."
A reportagem também entrou em contato com a prefeitura de São Sebastião pedindo um posicionamento sobre os relatos trazidos e a situação das populações. Ainda não houve um retorno. O espaço está aberto para pronunciamentos.
*Reportagem atualizada às 10h de quarta-feira (21) para inclusão do posicionamento da Prefeitura de Ubatuba.
Edição: Matheus Alves de Almeida