As comunas na Venezuela agora contam com uma ferramenta para impulsionar e integrar a sua produção: a plataforma Hecho en Comuna (Feito em Comuna, em português) reúne produtos feitos pelos comuneiros em um site sob a marca que leva o mesmo nome para alcançar toda a população venezuelana. Encabeçado pelo Ministério das Comunas, o sistema surgiu com o objetivo de expandir o alcance da produção e estabelecer um processo alternativo para os produtores.
O site foi lançado em dezembro de 2023 e desenvolvido a partir da marca criada pelo governo em outubro de 2022. Também chamado de Hecho en Comuna, o projeto ajudou a sistematizar informações de produção das comunas, acelerar e monitorar certificados e licenças.
Para o dirigente da União Comunera Juan Lenzo, a plataforma criada pelo governo ajuda a impulsionar a produção e é mais um passo em um caminho longo para a estabilização das comunas na economia venezuelana.
“É uma marca que unifica a produção comunal, que garante uma política de distribuição da produção comunal com maior possibilidade que o Estado te reconheça e ofereça uma política protecionista. Eles estão trabalhando nas marcas por produtos, empacotamento, marketing e distribuição. Isso vai ajudar, sem dúvida, a aumentar os níveis e a alavancar a produção, são estímulos, incentivos. Mas ainda falta muito para estabilizar uma produção comunal que tenha uma presença forte e competitiva no mercado venezuelano”, afirmou ao Brasil de Fato.
A plataforma criada pelo governo busca valorizar a diversidade de produtos que são feitos nas comunas. Se antes elas estavam centradas na produção primária, hoje estes grupos têm também uma produção semi-industrial e artesanal, além de terem ocupado um espaço que antes era realizado por prefeituras e governos dos Estados a partir da prestação de serviços.
Além de algumas comunas terem gestões autossuficientes que garantem, em alguns casos, o suprimento necessário para seus integrantes, os grupos também ajudaram o país no momento de aprofundamento da crise. Lenzo afirma que entre 2017 e 2020 as comunas ajudaram a Venezuela a escapar de um problema grave de desabastecimento.
“No momento mais duro da crise houve um momento de desabastecimento de alimentos. Havia um boicote, uma pressão, uma estratégia empresarial contra o governo. Enquanto isso, o consumo de alimentos no país foi sustentado pelos pequenos produtores e familiares. Isso é invisibilizado. Entre 60 e 70% da produção primária durante esses anos foi coberta por pequenos e médios produtores e pela produção comunal. Esse é um dado do Ministério da Alimentação”, afirmou ao Brasil de Fato.
::O que está acontecendo na Venezuela?::
O processo para chegar a uma rede de abastecimento descentralizada começou ainda na presidência de Chávez. Com a criação dos Ministérios da Alimentação e das Comunas, o governo implementou uma rede de distribuição que garantisse o abastecimento da população. Segundo relatório da agência para a Alimentação e Agricultura da ONU (FAO), a disponibilidade de alimentos aumentou 49,6% de 1999 a 2012.
Mas a produção e a distribuição sofreu um baque durante os períodos mais aprofundados da crise. Com as sanções levantadas pelos Estados Unidos contra empresas venezuelanas, a taxa de pessoas subalimentadas explodiu no país. A FAO divulgou em seu último Informe sobre o Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no mundo de 2020 que a subalimentação atingia apenas 2,5% dos venezuelanos em 2012. Esse número passou para 31,4% em 2019, depois do início do bloqueio. Segundo a ONU, a subalimentação se caracteriza como um consumo insuficiente de alimentos consumidos para uma vida ativa e saudável.
Política das comunas
Quase 25 anos depois do ex-presidente Hugo Chávez assumir o poder, as comunas se tornaram uma ferramenta fundamental para garantir renda e alimentação para parte da população venezuelana. O sistema de autogestão do país passou a ser um ponto fundamental para o abastecimento da Venezuela e para fugir de uma armadilha imposta pelo mercado internacional: a dependência da exportação de petróleo.
A alocação dos recursos das comunas também é feito de maneira coletiva, por meio das assembleias populares. Os grupos também têm ferramentas de controladoria e transparência do dinheiro usado para os investimentos. Segundo Ali Guevara, integrante do conselho comunal Simón Rodríguez, a importância da produção também é política.
“As comunas têm uma experiência muito exitosa porque é o povo que administra os recursos de maneira eficiente. Conseguimos com poucos recursos fazer muitas coisas. Isso também tem um sentimento de pertencimento, porque o povo se sente agente da transformação”, disse. Mas a ideia das comunas foi se adaptando com o tempo até chegar no conceito dos dias de hoje. Depois de implementar o modelo cooperativo, Hugo Chávez passa a estudar as limitações e implicações desse modelo.
“Chávez começa a planejar a ideia de construir empresas comunais, além do modelo cooperativo porque seriam empresas vinculadas aos governos comunais, cujos excedentes deveriam estar destinados a obras do governo comunal e deveriam estar vinculadas à política”, disse Lenzo ao Brasil de Fato.
O então presidente chegou à concepção de 4 estruturas: empresas de propriedade social direta comunal, as unidades de produção familiar, os grupos de intercâmbio ou as empresas de propriedade social indireta comunal, que são empresas mistas com metade administrada pelo Estado e metade pela comuna.
Hoje, além de ser uma forma de gestão econômica e política, a produção "comunera" também se tornou uma forma alternativa para a dependência da exportação do petróleo.
“A Venezuela não pode seguir sendo um país monoprodutor, dependendo da renda do petróleo. Temos que buscar outras fontes de ingressos, e os bloqueios nos obrigaram essa necessidade. E também damos fontes de trabalho, recursos que se podem reciclar e isso permite reduzir os custos”, disse Ali Guevara.
Uma ferramenta que se tornou importante para a gestão dos recursos foi o Banco Comunal. Cada comuna tem uma unidade, um espaço que concentra a administração dos recursos. O banco centraliza os excedentes de uma unidade de produção, os financiamentos do governo e planeja o uso para o investimento produtivo, para a execução do governo daquela comuna.
No entanto, as condições econômicas do país hoje fazem com que os produtores tenham que entregar boa parte do excedente ao setor privado. “São proprietários privados que têm grandes cadeias de distribuição a nível nacional. E terminam comprando muito barato e vendendo muito caro no mercado. Portanto, há a exploração da força de trabalho de um lado e da força de trabalho pelos preços do outro. É um setor muito poderoso, que tem caminhões e infraestrutura logística para dinamizar”, disse Lenzo.
Edição: Lucas Estanislau