A nova embaixadora do Brasil na Venezuela, Glivânia Maria de Oliveira, entregou nesta terça-feira (20) sua carta credencial ao presidente do país vizinho, Nicolás Maduro. Depois de sete anos sem uma representação diplomática no país, ela terá que retomar assuntos que ficaram pendentes e se posicionar sobre questões que estão sendo discutidas na Venezuela.
O primeiro dos assuntos que deverá tomar atenção da diplomata é o bloqueio econômico dos Estados Unidos sobre a Venezuela. Para o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) Igor Fuser, a embaixadora terá que condenar “com maior ênfase possível” o bloqueio imposto pelos EUA.
Ao Brasil de Fato, ele afirmou que o grande desafio será cooperar para que a Venezuela enfrente suas dificuldades econômicas impostas pelo bloqueio “sem dar espaço à oposição brasileira de direita de associar o atual governo brasileiro ao fracasso econômico venezuelano”.
Na semana passada, o relator especial para alimentação da Organização das Nações Unidas (ONU), Michael Fakhari, pediu o fim das sanções porque elas impedem o governo de “implementar programas de proteção social e fornecer serviços públicos básicos”.
Com uma lacuna aberta nas relações entre os países, Oliveira também terá de restabelecer a cooperação econômica, política, social e cultural entre os dois países, e principalmente refazer os laços comerciais rompidos durante os governos dos ex-presidentes Michel Temer e Jair Bolsonaro. De acordo com Fuser, ela também terá que deixar claro que o Brasil não interfere nos assuntos internos da Venezuela e “que respeita o direito à autodeterminação no país vizinho”.
O professor afirma que a retomada das relações recupera a orientação "pragmática" que caracteriza a política externa do Brasil e reposiciona como um país capaz de se articular em âmbito regional e se colocar como a principal referência política na América do Sul.
“Foi uma verdadeira insanidade a ruptura de relações entre os dois países, por iniciativa do Brasil. A Venezuela é e sempre foi um país amigo do Brasil e o governo Maduro não cometeu nada que pudesse justificar a ruptura ou até mesmo o afastamento por parte do Brasil”, disse.
Ele destaca também que, além do comércio, empresas brasileiras também foram impactadas com o rompimento dos laços entre os países, imigrantes venezuelanos que estavam no Brasil perderam apoio consular e o estado de Roraima foi prejudicado por não receber mais energia elétrica.
::O que está acontecendo na Venezuela?::
A volta da Venezuela ao Mercosul também será pauta e o cenário político do bloco pode ser um complicador. “O Brasil enfrentará a oposição da Argentina, do Paraguai e do Uruguai, países que atualmente se encontram sob governos de direita, hostis à Venezuela”, disse ao Brasil de Fato.
Oliveira atuava como diretora-geral do Instituto Rio Branco, mas já havia sido embaixadora no Panamá, entre 2018 e 2022, e anteriormente cônsul-geral em Boston, nos EUA, entre 2015 e 2018. Além disso, a diplomata foi escolhida em fevereiro de 2023 para representar o Brasil na mesa de diálogo entre o governo da Colômbia e o grupo guerrilheiro ELN (Exército de Libertação Nacional).
Eleições e Essequibo
Internamente, o assunto que toma conta da pauta venezuelana é o pleito de 2024. O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) ainda não definiu uma data para a disputa. Governo e parte da oposição negocia e discute propostas para um calendário que atenda o que foi estabelecido no acordo de Barbados.
Para Fuser, a entrada do Brasil nesse tema terá de ser feito com cautela e de forma estratégica.
“A diplomacia brasileira, o que inclui a embaixadora, terá de entrar nesse tema, o que não é uma tarefa fácil e exige um alto grau de consciência e formação políticas, num sentido anti-imperialista e anticolonial”, afirmou.
Já na questão do território disputado de Essequibo, o trabalho de Glivânia Oliveira será mais fácil. Com 160 mil km², o território é rico em petróleo e passou a ser o foco das tensões entre a Venezuela e a Guiana após a entrega de concessões à empresa estadunidense Exxon Mobil para a exploração de reservas marítimas na costa do Essequibo. A Venezuela classifica a ação como "ilegal" e pede que a disputa seja resolvida por meio de negociações diretas.
Maduro, convocou um referendo para ouvir a opinião da população sobre a soberania da Venezuela sobre o território do Essequibo. Segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano, 10,5 milhões de eleitores participaram do referendo, dos quais 95,93% aceitaram incorporar oficialmente Essequibo ao mapa do país e conceder cidadania e documento de identidade aos mais de 120 mil guianenses que vivem no território.
Segundo Fuser, o Brasil terá que manter uma posição de neutralidade nessa disputa e lutar para que a disputa se mantenha no campo jurídico e diplomático.
“A neutralidade brasileira deve ser preservada em qualquer circunstância. Essa é a parte mais fácil do trabalho da futura embaixadora, já que se trata de uma posição de bom senso que facilmente se afirmará como consensual na sociedade brasileira”, afirmou.
Edição: Rodrigo Durão Coelho