A semana após o carnaval ficou marcada pela aprovação, pelo Senado, de projeto sobre a possibilidade de proibição das "saidinhas" de pessoas presas em datas comemorativas. O tema vai voltar à Câmara dos Deputados, por onde já passou anteriormente, após alterações no texto entre os senadores. Mais uma oportunidade para tentar qualificar o debate.
A pauta já é antiga e, ao contrário de outras discussões sobre segurança pública, mobiliza não apenas a extrema direita, mas também setores ao centro e até à esquerda do espectro político. Prova disso foi a aprovação no Senado com larga margem: 62 votos a 2.
A ONG Conectas Direitos Humanos aponta que a discussão sobre o tema está tomada por "mitos". Informações falsas ou interpretações equivocadas sobre o assunto são compartilhadas nas redes sociais e até mesmo usadas como argumentos durante os debates no Congresso Nacional.
"O projeto da saidinha e grande grande parte dos projetos que discutem política criminal no Congresso acabam sendo permeados por uma visão pré-concebida sobre o cárcere e sobre as pessoas que são criminalizadas no Brasil. É uma visão que não encontra muito respaldo na realidade e em evidências científicas, não tem respaldado em dados concretos", disse ao Brasil de Fato a Coordenadora de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas, Carolina Diniz.
Desta vez, o assunto voltou a tramitar no Senado após a morte de um policial militar em Minas Gerais baleado por um preso que tinha recebido o benefício da "saidinha" de Natal. A morte aconteceu no início de janeiro, na capital mineira, Belo Horizonte.
Entre os mitos está, por exemplo, a crença de que haja aumento de crimes durante a saída temporária. Embora haja registro de casos, como a morte citada, não há estatísticas que comprovem um aumento geral. Também há uma suposição equivocada de que a maioria das pessoas não volta às prisões: dados oficiais mostram que mais de 95% dos que receberam o benefício retornaram. Os que não voltam são considerados foragidos.
A Conectas lembra ainda que, ao contrário de um entendimento comum, não é qualquer preso que tem direito à "saidinha", e sim aqueles que já têm o direito de sair da prisão para trabalhar (retornando à noite) ou tenham atividades laborais dentro das unidades prisionais. Só pessoas que estão no regime semiaberto se enquadram nos critérios, o que exclui quem cometeu crimes graves nos primeiros anos de cumprimento da pena.
Respostas ineficientes
O acúmulo desses entendimentos faz com que a discussão tome caminhos equivocados. Como consequência, os resultados, na prática, aparecem no sentido oposto ao esperado e prometido por quem propõe as mudanças na legislação.
"Determinados fatos geram uma comoção pública e isso desencadeia um processo de resposta imediata, na maioria das vezes muito ineficiente, sem respaldo por evidências, que muitas vezes gera efeito contrário à política que se queria enfrentar", destacou Diniz, apontando que a aprovação do fim da saída temporária pode provocar encarceramento ainda maior e vai intensificar os processos de violência no cárcere.
A Conectas, junto a outras organizações que atuam na área, tem se articulado para apresentar argumentos junto ao Ministério da Justiça e parlamentares. A mobilização deve ser intensificada agora que o projeto retorna à Câmara dos Deputados. Dezenas de entidades, públicas e privadas, assinaram Nota Técnica conjunta contra o projeto em andamento no Congresso.
"O complexo tema da segurança pública no Brasil deve ser enfrentado a partir de amplo debate com profissionais de segurança, academia e sociedade civil, aprofundamento e apreensão de dados e informações de alta credibilidade e análises sérias acerca das consequências de cada alteração legislativa proposta no Congresso Nacional", destaca o texto, disponível na íntegra aqui.
"Existe espaço para esse projeto ser modificado, e eu espero que a Câmera dos Deputados faça isso nesse processo de revisão. Que se entenda qual é a finalidade do projeto. Esperamos que especialistas sejam ouvidos e que os argumentos a partir da perspectiva científica, de dados, de fatos, seja considerado nesse processo de tomada de decisão", complementou Carolina Diniz.
Edição: Nicolau Soares