A mobilização do bolsonarismo no último domingo (25) não deve ser desvalorizada. Quem afirma é a cientista política Mara Telles, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da associação brasileira de pesquisadores eleitorais.
Em entrevista ao Central do Brasil, programa da rede TVT em parceria com o Brasil de Fato (confira a entrevista na íntegra no vídeo abaixo), Telles citou levantamento feito por uma equipe da Universidade de São Paulo (USP) que estimou em mais de 180 mil pessoas o público presente ao ato do último domingo.
"É um evento enorme. Não é desprezível que compareçam tantas pessoas às ruas, sobretudo tendo em vista que o presidente [Bolsonaro] está sendo investigado, denunciado por outras questões, envolvimento em corrupção, tráfico de influência e, agora, envolvido também em uma tentativa de golpe no Brasil. Ainda assim, com essa ficha criminal, ele conseguiu mobilizar multidões e garantiu uma foto. Temos aí uma narrativa que gostaria de dizer que a população e o Brasil estaria ao lado dele, o que é falso, aparentemente", ponderou.
Para a especialista, a articulação de extrema-direita existente hoje no Brasil tem a aderência de 15% a 20% da população, que atualmente se identifica com Bolsonaro. O resultado apertado das últimas eleições presidenciais, com vitória de Lula pela menor margem já registrada em um segundo turno no Brasil, não reflete a real adesão às posturas de Bolsonaro.
"Não é a toa que o ex-presidente teve quase 50% dos votos, o que não significa que 50% dos eleitores sejam antidemocráticos. Mas existe, sim, uma parcela da sociedade brasileira que já sabe quem é o presidente [Bolsonaro], sabe de seus objetivos antidemocráticos e ainda assim apoia um ex-presidente que atentou contra a democracia, além do envolvimento em outros crimes políticos", avaliou.
Mara Telles falou ainda sobre a nova roupagem das falas e atos do bolsonarismo. Ao contrário da verborragia contra as instituições que marcou o período em que ele esteve na cadeira de presidente da República, desta vez o ex-presidente baixou o tom e mostrou uma nova tática perante os poderes constituídos.
"Se ele voltasse a atacar o STF, as instituições, a manifestação poderia perder o caráter que ele queria, que é um caráter de uma manifestação democrática. Todos nós sabemos que são as instituições que garantem a democracia: o judiciário, o legislativo, ou seja, a própria política e o próprio Congresso. Ele evitou para, inclusive, manter a seu lado políticos profissionais que estão em cargos executivos, como o governador de Minas [Romeu] Zema, o governador de São Paulo [Tarcísio de Freitas], que também compareceu, e outros políticos", disse a especialista.
"O que existe de diferença é, primeiro, tentar dar a essa manifestação um caráter democrático e institucional. Ele sempre fez um discurso antipolítica; ele se elegeu em 2018 surfando na crise da representação, se colocando como outsider, como alguém que disputaria contra a casta, contra os políticos tradicionais. Desta vez, não. Desta vez ele trouxe os políticos profissionais para alinhavar esse discurso", complementou.
Entretanto, a tentativa de mudança de rumos pode não ter sido suficiente. Em seu discurso aos apoiadores em São Paulo, Bolsonaro reconheceu a existência de uma "minuta de golpe", que tentou minimizar. O trecho da fala deve ser usado pela Polícia Federal nas investigações em andamento contra ele.
"Já tinha na investigação uma série de provas contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Isso é apenas uma prova a mais, demonstrando que, de fato, ele participou, se não comandou, a tentativa de golpe no Brasil em 8 de janeiro. Na verdade, pelas provas documentais já solicitadas, demandadas e demonstradas pela Polícia Federal, essa articulação do golpe foi bem anterior ao 8 de janeiro, envolvendo uma série de atores políticos e agentes econômicos interessados na ruptura institucional", avaliou Mara Telles.
Edição: Matheus Alves de Almeida