'TRILHOS DE SANGUE'

Em julgamento simbólico, tribunal popular sentencia Ferrogrão à extinção imediata

Às vésperas de análise no STF, afetados por projeto de ferrovia responsabilizam empresas por violações de direitos

Brasil de Fato | Lábrea (AM) |
Sentença do julgamento simbólico da Ferrogrão, em Santarém (PA), foi lida pela líder indígena Alessandra Korap Munduruku - Raissa Azeredo

O tribunal popular organizado por comunidades indígenas e tradicionais para julgar a Ferrogrão terminou nesta segunda-feira (4) com sentença favorável à extinção imediata da linha férrea. Pauta prioritária do agronegócio para a Amazônia, a ferrovia, que pode desmatar 50 mil km² de floresta, é rejeitada por moradores dos cerca de mil quilômetros cortados pelo traçado dos trilhos. 

O julgamento simbólico uniu indígenas, quilombolas e agricultores familiares, além de movimentos sociais e ONGs. O evento foi realizado no auditório da unidade Tapajós da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), em Santarém (PA). O resultado será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), que em março voltará a deliberar sobre a constitucionalidade da ferrovia. 

A sentença foi lida no final da tarde pela líder indígena e ativista socioambiental Alessandra Korap Munduruku. "Esse tribunal popular determina o cancelamento imediato e definitivo do projeto da Ferrogrão por parte do governo federal e a devida responsabilização das empresas envolvidas".

O projeto da Ferrogrão, que ainda não saiu do papel, partiu de gigantes do agronegócio e do setor de alimentação: Cargill, Bunge, Louis Dreyfus e Amaggi. O objetivo é baratear a exportação de soja e milho para a China e Europa. No caminho, porém estão comunidades indígenas e assentamentos rurais que sofrerão com os impactos do desmatamento de uma área que pode ser do tamanho do estado do Rio de Janeiro. 

Mais cedo, o porto graneleiro da Cargill em Santarém (PA) foi palco de um protesto de indígenas. Povos Kayapó, Munduruku e Panará manifestaram-se contra o que chamaram de "trilhos de destruição" da Ferrogrão. 

Julgamento apontou violações de direitos 

Durante as "acusações do júri", os participantes apontaram uma série de violação de direitos das comunidades impactadas. Entre eles, a violação do direito à consulta. O governo federal foi acusado de realizar audiências unilaterais, desconsiderando protocolos de consulta e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Durante o julgamento simbólico, os estudos que embasam a Ferrogrão foram considerados falhos por não terem avaliado adequadamente os impactos sociais e ambientais – nem mesmo sobre indígenas isolados. A ausência de avaliação dos efeitos cumulativos de outros projetos também foi apontada como uma falha nos estudos. 

O projeto também foi acusado de violar os direitos da natureza, na Amazônia e no Cerrado. Estudos já indicaram aumento do desmatamento e emissões de carbono com a construção da ferrovia.

Os participantes do julgamento simbólico também apontaram que, mesmo ainda em fase de projeto, a Ferrogrão causa impactos na região. Entre os efeitos já sentidos estão o aumento da especulação fundiária, a grilagem, o desmatamento, aumento de queimadas e conflitos fundiários.

Ferrogrão na agenda do governo federal e do STF

Em setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu por seis meses a análise sobre a constitucionalidade da construção da ferrovia enquanto aguardava estudos técnicos.

O tema voltará a ser decidido em março deste ano pelo ministro Alexandre de Moraes, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que gerou a suspensão temporária do projeto. Em 2023, Moraes autorizou que os estudos da Ferrogrão fossem retomados e permitiu a criação de um Grupo de Trabalho do Ministério dos Transportes para acompanhar o tema.

O ministro dos Transportes, Renan Filho, disse no início do ano que o governo federal vai fazer modificações no projeto da ferrovia com o objetivo de viabilizar o licenciamento ambiental da obra.

Edição: Thalita Pires