“Temos a profunda convicção de lutar até as últimas consequências para evitar o fechamento da Télam, para proteger o trabalho dos nossos colegas e, acima de tudo, para proteger o direito à comunicação, o direito à liberdade de expressão de toda a sociedade argentina”.
Foi dessa forma que a jornalista argentina Maria da Laura Silva definiu, ao Brasil de Fato, a disposição dos trabalhadores da agência de notícias Télam em lutar contra o fechamento da empresa, colocado em curso pelo governo ultraliberal de Javier Milei na madrugada desta segunda-feira (4).
Após a mobilização dos trabalhadores, naquele mesmo dia, uma assembleia definiu os próximos passos de resistência: a manutenção de um acampamento em frente ao edifício e do site independente Somos Télam, para distribuir gratuitamente conteúdo jornalístico para os veículos que dependem da agência pública para levar informação às periferias e ao interior do país.
“Será um serviço de informação gratuito que nós trabalhadores iremos disponibilizar para que os cidadãos como um todo e colegas dos diferentes meios de comunicação possam acessar essa informação, baixá-la e utilizá-la”, conta a jornalista.
Os trabalhadores da Télam têm forte capacidade de mobilização e já resistiram à demissão de 357 trabalhadores, pouco mais de 50% do total de cargos efetivos da empresa, cerca de 700 pessoas. A medida chegou a ser anunciada em 2018, durante o governo Maurício Macri, mas foi impedida pelos trabalhadores.
Com base nessa experiência durante o governo Macri, o jornalista argentino Martín Piqué, aponta que a estratégia legal será importante para reverter os ataques de Javier Milei à Télam. “Na gestão de Macri, muitas demissões foram revertidas pela justiça trabalhista. O governo está cometendo erros jurídicos e uma parte da resistência passa pela via judicial, mas isso tem sempre de ser acompanhado de uma enorme mobilização.”
Um dos pontos defendidos pelos sindicatos é que o decreto que recriou a Télam em 2002, estabelece que um eventual fechamento da empresa deve passar pela votação do Congresso Nacional.
Piqué trabalhou como subgerente de política da Télam entre 2020 e 2023, quando coordenou as editorias de Política, Política Internacional e Economia da agência e hoje trabalha na rádio AM 530, rádio das Mães da Praça de Maio e acompanha a situação da agência pública como militante sindical, filiado ao Sinpreba.
Ele considera que o fechamento da agência afeta o direito à informação na Argentina, porque além da capilaridade, a Télam se especializou em coberturas ignoradas por veículos da imprensa comercial, em especial as violações cometidas pela ditadura civil e militar argentina (1976-1983) e conflitos trabalhistas.
“A maioria dos outros meios não acompanha os julgamentos dos crimes de lesa humanidade abertos contra os genocidas da ditadura, nem os conflitos trabalhistas, em particular quando afetam os próprios meios de comunicação. Num contexto ameaçador, de risco de demissão massiva nos setores público e privado, o desaparecimento da Télam serve à destruição do Estado e da indústria que Milei propõe.”
“Senti muita raiva e tristeza”
Maria Laura trabalha desde 2011 na agência pública de notícias e soube, ainda na noite de domingo, da movimentação de forças policiais ao redor do escritório central da empresa, no bairro de San Telmo, em Buenos Aires. Após receber relatos de colegas do período noturno, ela se dirigiu imediatamente à sede da agência, na condição de dirigente do Sinpreba, sindicato de imprensa da capital.
Pouco antes da meia-noite, um caminhão estacionou em frente à entrada da empresa e dele desceram policiais da Força Nacional Argentina com as grades de metal utilizadas para bloquear a entrada do edifício. “Nós, como líderes do sindicato e colegas da comissão interna de trabalhadores decidimos ficar dentro do prédio para proteger o patrimônio público da Télam e seu arquivo histórico. O que senti foi muita raiva e muita tristeza pela violência com que o governo de Javier Milei impõe as suas decisões”, relatou ao Brasil de Fato.
Além do escritório onde está a redação principal da Télam, foram também cercados outros dois prédios da empresa em Buenos Aires, um administrativo e outro de acervo histórico. Após uma reunião, os delegados sindicais decidiram deixar os prédios e convocaram um protesto em frente à sede principal da empresa. A suspensão temporária de sete dias anunciada por Javier Milei dos serviços da Télam vence no próximo domingo (9).
Edição: Rodrigo Durão Coelho