Em meio ao genocídio em Gaza que já dura mais de cinco meses e uma limpeza étnica agressiva na Cisjordânia, territórios palestinos ocupados militarmente por Israel em 1967, este 8 de março é parte do chamado global por solidariedade internacional e cessar fogo imediato.
Não poderia ser diferente. Segundo a ONU Mulheres, 85% do total de 2,2 milhões de habitantes de Gaza foram deslocados de suas casas e seguem a ser empurrados cada vez mais para a fronteira com o Egito – quase um milhão são mulheres. Por serem agentes da produção e reprodução da vida, elas são alvo prioritário das bombas genocidas de Israel.
São o “contorno da sociedade”, como escreve Madlin al-Halabi, pesquisadora e escritora palestina de Gaza em artigo para o Instituto de Estudos Palestinos. Uma sociedade que o Estado sionista, em sua busca pela “solução final”, quer erradicar do mapa. Juntamente com as crianças, as mulheres somam 70% dos palestinos mortos até agora, algo como 45 mil, se somados os desaparecidos sob os escombros.
Entre as assassinadas, sem contar as que estão enterradas debaixo das estruturas destruídas, a ONU Mulheres estima serem 9 mil. As mulheres estão entre as que mais sofrem em situação de guerra, colonização, apartheid, genocídio e limpeza étnica como agora, nesta nova fase da contínua Nakba – a catástrofe palestina cuja pedra fundamental é a formação do Estado de Israel em 15 de maio de 1948 mediante limpeza étnica planejada.
Neste momento em Gaza cerca de 50 mil gestantes aguardam para dar à luz em condições de total devastação. Doze dos 36 hospitais da estreita faixa foram destruídos pelas bombas genocidas de Israel.
Cento e oitenta mulheres trazem seus filhos ao mundo diariamente em Gaza, e mesmo quando precisam de cesariana, estas são realizadas sem anestesia. Além do sofrimento, agrava-se o risco de infecções e complicações durante o parto. E muitas mães – uma morta por hora – têm seus bebês num dia e no dia seguinte embalam seus pequenos corpos trucidados pelas bombas.
Agora, juntamente com os homens, se deparam ainda com a dor de não poderem sequer garantir alimentos a si e suas crianças, em meio ao genocídio – que abrange total bloqueio israelense criminoso que impede a entrada de ajuda humanitária e massacres como o “da farinha”, quando os palestinos tentam acessar as migalhas que conseguem chegar. Do total de quase 20 mil crianças mortas, 20 morreram de fome nos últimos dias. Uma a cada seis crianças enfrenta insegurança alimentar aguda.
O número de presos políticos palestinos saltou de 5.200 ao início de outubro de 2023 para 9.100, de acordo com a Associação Palestina de Direitos Humanos e Apoio aos Prisioneiros (Addameer). Entre os quais, encontram-se nos odiosos cárceres sionistas 70 mulheres, submetidas às brutais torturas. A ONU revelou evidências de ameaças de abuso sexual e estupros como arma sionista – o que não é novidade. Foi assim na Nakba de 1948, nos genocídios em dezenas de aldeias, como Deir Yassin e Tantura, como instrumentos para a limpeza étnica.
Sumud como resistência
Israel tenta apagar do mapa o povo palestino, mas graças também à resistência das mulheres, não alcançou este intento em mais de 75 anos e fracassará nesta nova fase que já dura mais de 150 dias.
A resiliência, persistência e firmeza como resistência (sumud em árabe) é demonstrada também por elas, mais uma vez, em meio ao genocídio. São mulheres jovens como Roya, que tocam instrumentos e entretém as crianças para distraí-las do terrível som das bombas genocidas sionistas que não param de ser lançadas; outras que prestam assistência psicológica para aliviar os traumas, enquanto lidam com suas próprias dor e perda, ao lado de organizações de mulheres que voltaram toda sua atuação em Gaza para um desafio gigantesco: tentar assegurar o mínimo de assistência quando falta tudo, de alimentos e água a medicamentos e absorventes.
A jornalista Bisan se soma ao heroico exército de profissionais da comunicação para transmitir ao mundo o próprio genocídio, já tendo sido deslocada sete ou oito vezes, desde que sua própria casa foi bombardeada no norte de Gaza. Sua colega Noor Harazeen atravessou seus filhos gêmeos, de cinco anos de idade, na fronteira para o Egito e então retornou para retomar seu trabalho de cobrir a carnificina. Vale lembrar que as bombas e balas genocidas de Israel já mataram mais de 135 desses profissionais de comunicação. Elas, juntamente com eles, não silenciam, contudo.
Estes são alguns dos muitos exemplos da resiliência como resistência da mulher palestina, que compõem relatos à ONU e podem ser encontrados nas próprias redes sociais. Uma resistência sob todas as formas e aspectos da vida que integra um legado daquelas que as antecedem desde os primórdios do projeto colonial sionista há mais de um século. Não são submissas por natureza ou exóticas, como a ideologia orientalista as retrata. Muito pelo contrário, sempre estiveram na linha de frente. Nas letras, na política, nos campos de batalha.
Além de demonstrar a solidariedade urgente neste momento, que este protagonismo inspire as mulheres em todo o mundo neste 8 de março, para que todas sejamos livres. Viva o Dia Internacional da Mulher.
* Soraya Misleh, jornalista palestino-brasileira, filha de um sobrevivente da Nakba de 1948, mestre e doutora em Estudos Árabes pela Universidade de São Paulo, autora do livro Al Nakba - um estudo sobre a catástrofe palestina (Editora Sundermann). Diretora cultural do Instituto da Cultura Árabe e coordenadora da Frente em Defesa do Povo Palestino em São Paulo
** As opiniões contidas neste artigo não refletem necessariamente as do Brasil de Fato
Edição: Rodrigo Durão Coelho