Coluna

O preço do concerto

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O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante Cerimônia de Divulgação dos Resultados do Novo PAC Seleções para Saúde, Educação e Infraestrutura Social - Antonio Cruz/Agência Brasil
Planalto levou um choque de realidade após divulgação da pesquisa Genial/Quaest

Olá,

O crescimento econômico a conta-gotas e leis trabalhistas para americano ver não irão salvar o governo. 

 

.Um passo atrás, nenhum à frente. Depois de semanas surfando na popularidade internacional e vendo o bolsonarismo cada vez mais encrencado, o Planalto levou um choque de realidade. A pesquisa Genial/Quaest registrou queda de 3 pontos na aprovação do governo. Ainda que se mantenha estável na região nordeste e entre famílias com até 2 salários mínimos, as avaliações positivas caíram entre dois setores importantes para eleição de Lula: as mulheres (de 60% para 51%) e os mais jovens (de 57% para 46%). Mas a notícia realmente surpreendente é que a satisfação com a economia caiu de 55% para 46% entre os lulistas. Como aponta Antonio Martins, parte da insatisfação se explica pela inflação dos alimentos e dos serviços básicos, em sua maior parte privatizados. Outra parte, pelo aumento da insatisfação entre os evangélicos. Os índices gerais até indicam uma melhora no cenário econômico, mas é evidente que eles são insuficientes. Por isso, a comemoração do governo com os anúncios de R$100 bilhões de 10 montadoras e a expectativa com o PAC Seleções, voltado para educação e saúde, mirando nos municípios em ano eleitoral.  Além da economia, o governo precisa gerenciar suas recentes derrotas no Congresso. Arthur Lira ganhou a queda de braços e o Perse, programa de isenção de impostos para o setor de eventos, não será mais extinto. O Planalto perdeu também a briga da desoneração da folha para 17 setores e que ainda não está encerrada, porque tanto o governo tenta contornar alterando os critérios ou a escala de alíquota da isenção, quanto um grupo de prefeitos protestacontra a reoneração da alíquota do INSS que penalizará os municípios pequenos. O governo ainda contabiliza mais uma derrota na escolha das presidências de comissões da Câmara, como a CCJ e a Comissão de Educação, que ficaram nas mãos dos ultradireitistas Caroline de Toni (PL-SC) e Nikolas Ferreira (PL-MG).

.Superexplorados de carteirinha. A aposta do governo em conquistar a simpatia dos jovens trabalhadores com a regulamentação do transporte por aplicativo pode ter sido um tiro n’água. A proposta, que inicialmente deveria garantir direitos trabalhistas para um enorme setor precarizado, acabou servindo muito mais para contemplar a vontade da Uber e 99. O Projeto cria uma nova categoria, “trabalhador autônomo por plataforma”, que na prática é uma aberração trabalhista, “um autônomo com direitos”. As vantagens são que os motoristas poderão se sindicalizar, contribuir com a previdência, trabalhar no máximo 12 horas e ganhar no mínimo R$ 24,07 por hora em movimento atendendo passageiros. Mas, o mais importante, a nova lei dá por encerrada a discussão sobre o vínculo trabalhista dos trabalhadores por aplicativo, com uma vitória acachapante das grandes plataformas. Não por acaso, a jogada foi combinada com o STF, que um pouco antes, decidiu que a Corte deveria padronizar as discussões sobre o vínculo empregatício. Imediatamente, a Uber entrou no próprio Supremo com um pedido de retirada de todos os processos na Justiça do Trabalho sobre o tema. Apesar disso, e com a ajuda da guerrilha digital bolsonarista que espalhou boatos de que a Uber e a brasileira Ifood sairiam do país, o governo seguiu defendendo o projeto e ainda propôs que Joe Biden seguisse o mesmo caminho. O único receio de Lula é que, na tramitação no Congresso, outras categorias sejam incluídas nesta “minirreforma trabalhista”.

.Cada um por si. Sempre foi a prática da família Bolsonaro abandonar os aliados encrencados à própria sorte. O que eles não esperavam é que seriam vítimas do mesmo método, assistindo à turma dos quarteis tomar distância e salvar-se como pode, enquanto o transatlântico golpista naufraga. Ao contrário dos demais investigados, com patentes ou não, que preferiram o silêncio nos depoimentos à Polícia Federal (PF), o ex-comandante do Exército general Freire Gomes e o ex-comandante da Aeronáutica Carlos Baptista Júnior resolveram falar. Eles confirmaram a versão de Mauro Cid sobre as reuniões golpistas, os posicionamentos mais comprometidos e ainda afirmaram que a ordem de não desmobilizar os acampamentos veio de Bolsonaro. As declarações caíram bem no STF, que entendeu que os depoentes estavam colaborando como testemunhas, ao contrário de Cid, que propôs a delação para escapar. No bote salva-vidas verde-oliva, talvez caibam os generais Paulo Sérgio Nogueira e Julio César Arruda, protetor de Cid e comandante no 8 de janeiro, mas que até aqui não foi incomodado. Mas, no que depender dos generais, Braga Netto e Augusto Heleno estão entregues à própria sorte. Especialmente depois de vir à tona o diário de Heleno com mais detalhes do golpe. Na cúpula das Forças Armadas, o desejo é que as investigações acabem de uma vez, ao invés de sangrarem as fardas a conta-gotas. Ainda mais agora que veio à tona a denúncia de que o Exército liberou o porte de armas Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) para 2 mil condenados por crimes como tráfico de drogas e homicídio, pessoas com mandados de prisão em aberto e para cidadãos que podem ter sido usados como “laranjas” do crime organizado. No que depender da PF, as investigações seguem até julho, quando devem ser concluídas as apurações sobre a falsificação da carteirinha de vacinação, o escândalo das joias sauditas e o golpe de 8 de janeiro. Daí, o processo vai para a PGR. Até lá, o medo dos investigados agora é como será o novo depoimento de Mauro Cid, depois das revelações da Operação Hora da Verdade. E nesse enredo, todos calculam qual será o efeito da reabilitação de Trump para o futuro de Bolsonaro.

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

.A China pensa a “terceira onda” socialista. Entenda o que mudou desde o fim da União Soviética e quais são os pilares da experiência socialista chinesa. No Outras Palavras.

.Os salvadorenhos trocaram seus direitos por uma política de (in)segurança. Na Jacobin, Mneesha Gellman analisa os efeitos do Estado de Exceção e do encarceramento em massa realizado pelo governo de Nayib Bukele.

.Entrevista: jornalista comenta sionismo e fala do presidente Lula sobre guerra em Gaza. Acompanhe a fala de Breno Altman no podcast Pauta Pública.

.Dengue impulsiona onda de desinformação na América Latina. Remédios milagrosos e sensacionalismo sobre mosquitos geneticamente modificados são algumas das fake news que lembram os tempos da pandemia. Na DW.

.Mercado financeiro: três empresas controlam metade das corporações do sistema alimentar. Das sementes e fertilizantes aos supermercados, O Joio e o Trigo mapeou as gigantes que controlam a cadeia alimentar mundial.

.Conheça o Instituto Harpia Brasil e suas ligações com o movimento Invasão Zero. No De Olho nos Ruralistas, a criação de um Instituto ligado às milícias rurais, apadrinhado por Bolsonaro na Bahia.

.O que pensam os militares sobre o golpismo de Bolsonaro. No GGN, o historiador Manuel Domingos Neto analisa a situação dos militares frente às investigações.

.Indústria de ultraprocessados quer se blindar de impostos obrigando governo a criar uma lei para cada alimento. No Intercept, veja como o lobby dos ultraprocessados trabalha para esvaziar a legislação tributária.

.Tentativas de censura a ‘O avesso da Pele’ estão alinhadas a um projeto político, diz autor da obra. Na Carta Capital, Jeferson Tenório comenta a recente onda de censura a livro de sua autoria.

 

Ponto é elaborado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Vivian Virissimo