A Procuradoria-Geral da República acionou o Supremo Tribunal Federal para que seja considerada ilegal qualquer tentativa de desqualificar vítimas ou colocar sob escrutínio a vida sexual de mulheres nos processos e julgamentos de casos de violência sexual. A ação começou a ser julgada na sessão desta quinta-feira, (7), do Supremo Tribunal Federal, que foi dedicada a homenagear as mulheres (as sessões presenciais no STF ocorrem de terça a quinta).
A iniciativa foi proposta pela subprocuradora-geral da República, Elizeta Ramos, quando ela assumiu interinamente o comando da PGR após o fim do mandato de Augusto Aras, no ano passado. Elizeta, participou da sessão do Supremo desta quinta representando a PGR no lugar do atual procurador-geral da República, Paulo Gonet e sustentou o posicionamento da PGR sobre a ação. “A discriminação de mulheres é incompatível com o princípio da dignidade humana”, disse na abertura de sua fala.
“O ordenamento jurídico nacional e internacional exige postura ativa do Estado, que garanta com real efetividade a proteção da mulher, tanto para evitar que sofra nova violência, decorrente da exposição com intuito vexatório, como para invalidar os efeitos da prática no resultado do julgamento do crime”, seguiu Elizeta.
A sessão plenária desta quinta foi dedicada à leitura do relatório da ação e as sustentações orais das partes envolvidas. Além da PGR, também discursaram a favor da tese a Advocacia-Geral da União e a Defensoria Pública da União.
‘Elemento alheio à apuração’
A ação foi movida em dezembro do ano passado, quando Elizeta era a procuradora-geral interina. Chamada de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1107, a iniciativa tem o objetivo de aprimorar a conduta do Estado no combate à violência contra a mulher.
Na ação, o Ministério Público Federal pede que o Supremo declare a desqualificação da vítima uma prática inconstitucional de forma imediata, seja ela praticada pela defesa do acusado, por autoridades ou por outras pessoas envolvidas no processo.
A ação requer que o art. 400-A do Código de Processo Penal seja interpretado pelo Supremo de modo a garantir que qualquer menção à vida pregressa ou à conduta sexual das vítimas de violência sexual seja considerada um “elemento alheio ao objeto de apuração dos autos”.
A previsão foi incluída no Código de Processo Penal pela chamada Lei Mariana Ferrer (Lei nº 14.245/2021), que também estabeleceu como dever de todas as partes e sujeitos processuais zelar pela integridade física e psicológica da vítima, em especial das de violência sexual, impedindo que fatos alheios ao caso concreto sejam considerados ou mesmo mencionados no julgamento.
Além disso, a ação tem o objetivo de garantir que os juízes responsáveis pelos casos não levem em conta a vida pregressa das vítimas na hora de fixar as penas, beneficiando acusados com absolvições ou eventuais reduções de pena baseadas nesses elementos. Em sua sustentação oral, Elizeta defendeu ainda que decisões judiciais que façam valoração da vida sexual da vítima sejam consideradas nulas.
Por fim, a ação pede que o Supremo reafirme o dever dos juízes responsáveis por esses casos de coibir com veemência qualquer prática do tipo, “não só mediante a representação do agressor (qualquer dos sujeitos processuais) aos órgãos com atribuição para a sua responsabilização, penal e administrativa, como também por meio da completa desconsideração dessas alegações, sujeitando sua decisão à nulidade”.
Elizeta Ramos lembrou que o discurso de desqualificação da vítima de violência sexual só é recorrente porque “encontra espaço para tanto num ambiente que deveria ser seguro, uma vez que mediado pelo Estado”.
Edição: Vivian Virissimo