O delator da Operação Lava Jato e lobista Fernando Baiano afirmou à Polícia Federal que ficou “inseguro” e “com receio” de participar junto com dois irmãos lobistas Glaucio e Glauco Guerra da licitação para compra de coletes balísticos durante a Intervenção Federal no Rio de Janeiro, em 2018, mas disse ter tomado conhecimento que um colega seu e investigado pela PF, o empresário Alex Meyerfreund, participou da empreitada. O Brasil de Fato teve acesso exclusivo ao depoimento, que está sob sigilo.
A contratação foi assinada pelo então interventor federal, o general da reserva Walter Braga Netto, que anos mais tarde se tornaria ministro do governo de Jair Bolsonaro e candidato a vice-presidente na chapa dele em 2022. A contratação, revelada pelo Brasil de Fato, foi fechada com a empresa americana CTU Security no valor de R$ 40 milhões no último dia da intervenção federal. Agora, está sendo investigada pela Polícia Federal na chamada Operação Perfídia, que apura as suspeitas de contratação indevida, dispensa ilegal de licitação, corrupção e organização criminosa. Segundo a PF, teria ocorrido um sobrepreço de R$ 4,6 milhões na contratação.
Fernando Baiano é suspeito de ter atuado como investidor para operacionalizar a produção dos coletes. Ele foi ouvido na Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro, em 26 de outubro do ano passado, ocasião em que negou ter participado da empreitada, mas confirmou ter tratado do assunto com os irmãos Glaucio e Glauco Guerra. O primeiro, conhecido como coronel Guerra, é um coronel da reserva da aeronáutica que mora nos Estados Unidos desde 2016 e teve seu nome mencionado na CPI da Covid como um dos envolvidos nas negociações de venda da vacina Covaxin para o governo durante a pandemia.
‘Experiência com compras no Exército’
Segundo Baiano, ele teria se encontrado “no máximo” cinco vezes com os irmãos para tratar de "apoio financeiro" para participar de licitações públicas das Forças Armadas.
Em seu relato, Baiano negou ter articulado para que fosse contratada a empresa dos irmãos Guerra, afirmou não conhecer ninguém do Exército que tivesse atuado no gabinete de Intervenção Federal e disse ter ouvido dos irmãos que Gláucio teria muita experiência com compras pelos militares.
“Os irmãos Guerra afirmaram para o declarante que Gláucio teria muita experiência na área de compra do Exército brasileiro, que isto ajudaria a contratação com as Forças Armadas, pois já teria trabalhado no setor de compras do Exército”, disse.
“Que em uma determinada reunião, que não se recorda qual, eles comentaram sobre a licitação de coletes para o Exército brasileiro; que eles informaram que tinham fechado parceria com uma empresa chinesa e uma empresa americana para produção dos coletes balísticos; que ficou inseguro quanto à participar na licitação, pois, após a Operação Lava Jato, teria saído das contratações públicas”, afirmou o delator à Polícia Federal.
“Que também questionou se valeria a pena entrar no negócio da licitação dos coletes, que foi informado pelos irmãos que valeria a pena, pois o preço era imbatível em razão das parcerias comerciais; que mesmo assim ficou com receio e não aceitou participar do investimento”, seguiu Fernando Baiano.
Os relatos mostram que, três anos após deixar a prisão por firmar um acordo de colaboração na Lava Jato, onde foi acusado de atuar como operador financeiro do MDB, o lobista participou de reuniões com os irmãos sobre licitações nas Forças Armadas. Baiano, porém, afirmou à PF que acabou nunca celebrando nenhum negócio com eles ou mesmo transferindo dinheiro para os irmãos e suas empresas, apesar da insistência deles.
Insistência que foi, inclusive, relatada em seu depoimento à PF: “Que certo dia recebeu mensagem de um dos irmãos informando que teriam ganho a licitação, que parabenizou a vitória; que acredita que teriam mandado a mensagem visando sensibilizar o declarante sobre o investimento neles; que mesmo assim não fez nenhum aporte financeiro na empreitada”, disse Baiano.
Nas trocas de mensagens do celular de Glaucio, que foi aprendido pelos investigadores, a Polícia Federal encontrou mensagens falando sobre a divisão dos lucros do contrato que indicariam que Fernando Baiano ficaria com 50% dos lucros do negócio. Além disso, chamou a atenção dos policiais o fato de a mensagem avisando ele sobre a vitória na licitação ter sido enviada antes da divulgação do resultado.
‘Empréstimo’ a amigo
Apesar de ter negado participação na empreitada, Fernando Baiano relatou à PF que seu amigo empresário, Alex Meyerfreund, outro investigado na Operação Perfídia, teria sim topado entrar no negócio com os irmãos.
“Que ao que sabe, o Alex ingressou na empreitada após a vitória na licitação pelos irmãos Guerra; que tomou conhecimento através do Alex que a licitação teria tido alguns contratempos, acreditando que o TCU teria algum procedimento em andamento sobre a compra dos coletes”.
A PF suspeita que Alex e Baiano seriam os dois investidores do negócio. Aos investigadores, Fernando Baiano disse ainda, sem explicar direito, que teria feito um empréstimo de cerca de R$ 1 milhão para Alex em 2014 e que o empresário ia quitando o valor aos poucos. “Que em razão deste empréstimo, é possível que haja transações do Alex para o declarante no ano de 2018; que afirma que não fez transferência para Alex no ano de 2018 ou 2019”, seguiu o delator.
A reportagem entrou em contato com o escritório que representa Alex Meyerfreund, mas os advogados não estavam no local. A reportagem explicou que estava fazendo matéria sobre ele e deixou o telefone de contato, mas ainda não obteve nenhum retorno. O espaço está aberto para a manifestação de Meyerfreund. Desde que o caso da contratação dos coletes veio à tona, Braga Netto e sua defesa sempre negaram qualquer irregularidade.
Edição: Matheus Alves de Almeida