O anúncio do segundo maior lucro da história e o terceiro maior pagamento anual de dividendos da Petrobras gerou uma crise na empresa. Isso porque, apesar dos bons resultados financeiros e da histórica remuneração para investidores, acionistas minoritários da estatal ficaram insatisfeitos. Pressionam por mais.
Essa pressão reflete no preço das ações da companhia. No pregão de sexta-feira (8), o primeiro depois da Petrobras apresentar seu balanço financeiro ao mercado e declarar uma opção por aumentar investimentos em vez de pagamentos de acionistas, os papéis caíram mais de 10%. Nesta segunda-feira (11), eles mantiveram uma tendência de queda.
Em meio a tudo isso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reuniu-se com o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, na tarde desta segunda, em Brasília. O encontro contou ainda com os ministros Alexandre Silveira, das Minas e Energia, e Fernando Haddad, da Fazenda, que falaram com a imprensa na saída da reunião e reafirmaram a decisão da direção da estatal a respeito dos dividendos.
"Foi decidido pelo Conselho que a distribuição dos lucros extraordinários será feita a medida que ficar claro para a empresa que isso não vai comprometer o plano de investimentos da estatal", disse Haddad.
"No governo do presidente Lula nós voltamos a valorizar os investimentos na empresa, demonstrando que nós queremos uma Petrobras perene, uma Petrobras de longo prazo, segura para o investidor e compatibilizando, como diz a lei das estatais, com o interesse público", completou Silveira.
O que são dividendos?
Dividendos são parte dos lucros que uma empresa distribui a seus acionistas. É uma espécie de remuneração que companhias como a Petrobras e outras companhias com ações negociadas em bolsa pagam a seus sócios-investidores.
Em 2023, primeiro ano do novo governo Lula, a Petrobras lucrou R$ 124,6 bilhões – 33,8% menos do que os R$ 188,3 bilhões ganhos em 2022.
Do lucro de 2023, a administração da empresa decidiu distribuir a acionistas R$ 72,4 bilhões. Isso também é cerca de um terço dos R$ 222 bilhões distribuídos no ano anterior.
Essa redução tem explicação, segundo executivos da Petrobras e especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato. Primeiramente, está ligada à queda no lucro da Petrobras, que baixou os preços de combustíveis e investiu mais em 2023. Além disso, tem a ver com uma decisão da empresa, que alterou sua política de remuneração e ainda definiu, no início deste ano, poupar parte dos dividendos para distribuí-los futuramente.
Para quem compra uma ação da Petrobras visando um retorno rápido – um típico especulador –, essa mudança de postura é prejudicial a seus interesses. Acontece que hoje boa parte dos investidores da Petrobras enquadra-se neste perfil. A reclamação deles acabou ganhando força e pressionando a direção da estatal.
"Os acionistas da Petrobras estão com uma visão de curtíssimo prazo, olhando para a empresa apenas como uma distribuidora da riqueza e da lucratividade gerada a partir da renda do petróleo, sem ter uma visão estratégica tanto sobre o futuro operacional e financeiro da Petrobras quanto sobre o desenvolvimento ou uma aderência a qualquer ideia de desenvolvimento nacional e soberania energética brasileira", descreveu o diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), Mahatma Ramos dos Santos.
Debate político
O presidente Lula prometeu em sua campanha eleitoral recolocar a Petrobras num caminho voltado a investimentos e à segurança energética do país, algo que havia sido relegado a um segundo plano durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Nesta segunda, em entrevista ao SBT News, ele reafirmou sua visão sobre a empresa. Comparou o mercado a um dinossauro voraz, só atrás de ganhos cada vez maiores. Cobrou também a gestão da empresa por investimentos.
"Tem que pensar o investimento e em 200 milhões de brasileiros que são donos ou sócios dessa empresa. O que não é correto é a Petrobras, que tinha que distribuir R$ 45 bilhões de dividendos, querer distribuir R$ 80 bilhões. São R$ 40 bilhões a mais que poderiam ter sido colocados para investimento, fazer mais pesquisa, mais navio, mais sonda... Não foi feito."
Para o economista Eric Gil Dantas, do Observatório Social do Petróleo (OSP), a frase de Lula serve como um recado a Prates. Segundo ele, o ex-senador está tentando conciliar interesses do mercado e do governo sobre a empresa. Recentemente, porém, acabou tomando decisões mais favoráveis a investidores, o que pode ter contrariado Lula.
"Eu acho que, se Prates quisesse não pagar tantos dividendos e aumentar os investimentos, ele não teria deixado o dinheiro chegar nessa forma de lucro líquido. Teria aumentado as despesas de capital", disse.
Mais dividendo, menos lucro
Em artigo publicado na sexta-feira (8), Felipe Coutinho, engenheiro químico e presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet), demonstrou que, quanto maior o dividendo pago pela Petrobras, menor o investimento. Demonstrou também que, nos últimos anos, a balança pendeu mais para especuladores.
"Em 2021 e 2022 a razão média entre os dividendos pagos e o investimento líquido foi de 804%. Enquanto entre 2005 e 2020 foi de 12,7%, em termos médios", explica. Em 2023, essa razão ficou em 232,63%, como mostra a tabela. "Ou seja, a relação entre o pagamento de dividendos e o investimento líquido em 2023 foi 18 vezes mais alta se comparada com a média de 2005 a 2020", escreveu ele.
Coutinho destaca ainda que, apesar das críticas de acionistas, a Petrobras pagou mais dividendos que suas concorrentes diretas em 2023.
Edição: Nicolau Soares