No contexto da pandemia de Covid-19, com o agravamento da crise econômica e o desemprego em alta, muitas famílias ficaram em situação de vulnerabilidade social e tiveram que optar entre pagar aluguel ou comprar comida. Assim surgiu no município de Palmas, região sudoeste do Paraná, em um imóvel abandonado com cerca de 25.000 m², que não cumpria sua função social, a ocupação Marielle Franco.
Iniciada em 24 de janeiro de 2021, seu objetivo foi buscar algum tipo de provisão do poder público que lhes assegurasse o direito à moradia.
"Vivemos em uma sociedade capitalista que exclui os trabalhadores, e quanto mais empobrecido esse trabalhador é, mais excluído ele fica. Ao invés de ser acolhido e das políticas públicas darem suporte, acontece o contrário, porque essa é a forma do capitalismo nos tratar", comenta Cristiane Katzer, da coordenação do Fórum Regional das Organizações do Sudoeste do Paraná.
Desde os primeiros dias de formação da comunidade, as famílias contaram com ações de solidariedade e mobilização em unidade com o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), o Fórum Regional das Organizações Populares do Campo e da Cidade do Sudoeste do Paraná, a articulação Despejo Zero e o Instituto Democracia Popular (IDP) e a Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap).
Cleia da Luz Rezer, uma das coordenadoras e moradora da comunidade, conta como era o tratamento no início. "Nós éramos chamados de loucos por estar aqui. Um dia fui na Secretaria de Assistência Social fazer um cadastro, e me disseram, porque eu estava aqui, que estava louca", comenta Rezer.
Nesses três anos, muitas batalhas foram travadas na luta por moradia e também pela dignidade das famílias. "Um dia frio, nós não tínhamos água nem pra fazer um café de manhã, saímos sem comer e fomos na promotoria pedir para colocar água pra nós, depois disso eles vieram e colocaram cinco relógios", disse Rézer, que hoje se emociona ao contar.
O caso foi levado à Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça do Paraná, que visitou o local em março de 2022. Após diversas audiências de conciliação, foi construída a solução. Nos termos do Decreto n°: 4.257, de 11 de dezembro de 2023, o referido imóvel foi declarado de utilidade pública para fins de desapropriação e destinado para regularização fundiária.
"Não correr o risco de ser despejado e poder dormir tranquilo, é uma vitória imensa, mas ainda tem muitas batalhas que as famílias precisam construir: organizar uma comunidade bonita, com convivência. Isso que já tem feito até aqui não pode se perder", destaca Bruna Zimpel, da direção nacional do MST.
Vitória de trabalhadores e trabalhadoras organizados
No dia 02 de março, a comunidade se reuniu para um ato político em comemoração à conquista da comunidade Marielle Franco. Foi um momento de muitas alegrias, de relembrar e festejar essa vitória dos trabalhadores e trabalhadoras.
Compuseram a mesa do ato político Cleia Rezer, da coordenação da ocupação; Paulo Bannake, vereador; Marcelo Zwieker, diretor do departamento de administração fundiária, representando o prefeito de Palmas; Luciana Rafagnin (PT), deputada estadual; Cristiane Katzer, representando o Fórum Regional das Organizações e Movimentos Populares do Campo e da Cidade do sudoeste do Paraná; Bruna Zimpel, Direção Nacional do MST; Líbina da Silva Rocha, presidente do Instituto democracia Popular, além de diversos amigos e apoiadores da ocupação.
O encontro também teve homenagens a Marielle Franco, relembrando seu legado e os seis anos do seu assassinato, que se completam no dia 14 de março. "Quando a gente fala que a luta não é isolada, que o que nós fazemos aqui reverbera em outros espaços, é o significado da luta de Marielle Franco, pois a luta e a história dela chegou até nós, chegou pelo que ela representa e pelo o que ela é em nossa luta", comenta Cristiane Katzer.
O dia foi marcado pelo sorriso e o choro de felicidade das famílias. Emily Paz, jovem de 17 anos, filha de uma das moradoras, comenta o seu sentimento quando chegou na ocupação e a felicidade de ter um lar com dignidade hoje.
"No momento que viemos pra cá, era isso ou não tínhamos pra onde ir. E chegando aqui eu vi que não era só nós, que tinha várias famílias na mesma situação. Mas o que foi mais forte pra mim foi o preconceito da sociedade. Eu sentia um pouco de medo em dizer que era da ocupação, mas hoje eu sinto muito orgulho em dizer que sou da comunidade Marielle Franco”, diz.
A comunidade é composta por mais de 80 famílias, que irão poder ter uma moradia digna, mas que precisam continuar unidas na luta pelo desenvolvimento da comunidade e avanço em demandas básicas, como acesso à estrada, energia elétrica, água e saneamento básico.
"Todo esse sofrimento hoje valeu a pena, o sentimento é de gratidão e de muitas felicidades sabendo que nós podemos permanecer, mas precisamos continuar lutando", disse Cleia Rezer.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Lia Bianchini