Desde a eleição do Papa Francisco em março de 2013, são reconhecidas sua liderança e a força eclesial e política que empenha contra às mudanças climáticas e à proteção integral do meio ambiente. Recorrentes pronunciamentos, homilias, mensagens a chefes de Estados e organismos multilaterais e de pesquisa se juntam à elaboração de importantes documentos para a Igreja Católica, bem como às agendas políticas que têm o papel de definir o presente e o futuro da Casa Comum. O mais conhecido é, sem dúvidas, a Carta Encíclica Laudato Si’, de 2015, publicada meses antes da Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP21, que resultou no Acordo de Paris.
Na Laudato Si’, o Papa sublinha o que estudiosos, especialmente das ciências humanas têm insistido há algum tempo: não existem crises separadas, uma ambiental e outra social. A modernidade e o avanço do capitalismo urbano-industrial reforçou a dualidade entre natureza e cultura ou entre meio ambiente e sociedade, distanciando não apenas a chamada humanidade do meio ambiente, como colocando todo o foco de poder sobre alguns humanos que podem explorar à exaustão o que é considerado apenas recursos naturais. Enquanto isso, a chamada natureza vem sendo devastada sem interrupções, junto com uma parte da humanidade que também é violentada quando seus territórios são desmatados, poluídos, invadidos por projetos da mineração, do agronegócio e do setor elétrico.
Desde que iniciou seu pastoreio, o Papa Francisco insiste que justamente por não ser possível separar a crise entre social e ambiental, as possíveis soluções também devem ser conectadas. Não basta replantar áreas verdes, despoluir rios ou reciclar os resíduos domésticos. É isso, claro, mas transformações profundas no modo de produção e consumo precisam ser incorporadas com urgência, além de reformas nos sistemas econômicos, nas instituições políticas e organismos multilaterais. A Casa Comum, diz o Papa Francisco, é onde estão todas as formas de existência, humanas e não humanas, e portanto o cuidado deve ser integral porque “dada a amplitude das mudanças, já não é possível encontrar uma resposta específica e independente para cada parte do problema” (LS, 139).
Talvez por identificar que boa parte dos esforços para superar a crise ambiental ainda não teve a ousadia política necessária para o tamanho da catástrofe em curso, o pontífice voltou a falar em paradigma tecnocrático. Em um documento publicado em 2023, a Exortação Apostólica Laudate Deum, Francisco chama a atenção para o fato de que a tecnologia tem sido incorporada sobre vários territórios e corpos como homogênea e unidimensional, sem reconhecimento de que as máquinas e algoritmos operam a partir de relações de poder. A crença de que a tecnologia nos salvará de uma catástrofe ainda pior está fundada na ideia de que é possível continuar crescendo sem limites, gerando lucros e extraindo valor de todas as coisas.
Enquanto continuar operando a lógica de natureza versus humanidade, as soluções para a catástrofe climática ficarão cada vez mais distantes. As políticas de descarbonização, de transição energética e de mitigação das mudanças do clima não terão resultados duradouros se forem planejadas e executadas apenas com aparatos tecnológicos. Se para lograr transição energética e descarbonização não são considerados o direito de povos do campo e da cidade aos territórios, se não são reconhecidas suas formas de vida e se não repensarmos o modelo de consumo e produção, a vida continuará condicionada pela extração de valor, como lembra o Papa Francisco.
O meio ambiente não está lá, distante de nós. Nós, essa chamada humanidade, compomos o mundo com outras formas de existir na natureza. O caminho para continuar vivendo, mesmo entre os escombros da crise socioambiental, passa pela ousadia de Estados, organismos multilaterais e da sociedade civil em apoiar e sustentar outros estilos de vida individuais e coletivos.
* Leon Patrick Afonso de Souza é cientista social e diretor de campanhas na Casa Galileia, organização que busca fortalecer o trabalho de católicos e evangélicos na promoção da democracia, da justiça ambiental e do engajamento sociopolítico.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Matheus Alves de Almeida