O presidente da Petrobras, ex-senador Jean Paul Prates, usou sua conta no X (antigo twitter) para prestar esclarecimentos sobre a empresa em meio a uma crise pública iniciada após uma redução na remuneração de acionistas para aumento de investimentos.
Segundo ele, o corte nos dividendos foi definido pelo conselho da petroleira após uma orientação do governo. Para o executivo, porém, isso não deve ser visto como uma intervenção indevida sobre a companhia. Até porque a Petrobras é uma empresa estatal.
"É preciso de uma vez por todas compreender que a Petrobras é uma corporação de capital misto controlada pelo Estado brasileiro, e que este controle é exercido legitimamente pela maioria do seu Conselho de Administração", escreveu, na noite de quarta-feira (14). "Somente quem não compreende (ou propositalmente não quer compreender) a natureza, os objetivos e o funcionamento de uma companhia aberta de capital misto com controle estatal pode pretender ver nisso uma intervenção indevida."
O mercado ficou nervoso esperando dividendos sobre cuja decisão foi meramente de adiamento e reserva.
— Jean Paul Prates (@jeanpaulprates) March 13, 2024
Falar em “intervenção na Petrobrás” é querer criar dissidências, especulação e desinformação.
É preciso de uma vez por todas compreender que a Petrobrás é uma corporação de…
O que é uma estatal?
Como o próprio nome diz, uma empresa estatal pertence ao Estado. É controlada pelo governo, seja ele municipal, estadual ou federal.
Pode até ser que ela não pertença somente ao Estado, como é o caso da Petrobras – que tem pouco menos da metade de suas ações ordinárias, com direito a voto, nas mãos de investidores privados. Ainda assim, se o governo detém o controle da empresa, ela é uma estatal. A Petrobras, neste caso, enquadra-se nesta definição.
Diferença entre a estatal e privada
A diferença óbvia entre uma empresa estatal e privada é o proprietário. A estatal pertence e é controlada pelo governo; a privada é propriedade de empresários.
Contudo, a diferença não para por aí: uma empresa privada tem como principal objetivo atender as necessidades de seu proprietário. A mais comum delas é dinheiro. Ou seja, uma empresa privada quase sempre visa gerar lucro para o empresário.
Já a estatal pertence ao governo, e ele não está interessado só no lucro. Age em busca do bem-estar da população. Isso, vez ou outra, pode desagradar acionistas privados.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deu uma entrevista ao SBT News na segunda-feira (11) e deixou clara a existência desse tipo de conflito. Para ele, acionistas minoritários da Petrobras comportam-se como um "dinossauro voraz que quer tudo" e pedem por mais lucro. Mas o governo precisa pensar na população. "Tem que pensar no investimento e em 200 milhões de brasileiros que são donos ou sócios dessa empresa", disse Lula.
Função social
Segundo Lula, no caso da Petrobras, ela ajuda a população investindo, gerando empregos, fazendo pesquisa. "Não é correto a Petrobras, que tinha que distribuir R$ 45 bilhões de dividendos, querer distribuir R$ 80 bilhões. São R$ 40 bilhões a mais que poderiam ter sido colocados para investimento, fazer mais pesquisa, mais navio, mais sonda... Não foi feito", acrescentou ele, na mesma entrevista.
De acordo com o economista Pedro Faria, uma empresa como a Petrobras tem potencial de fomentar toda a indústria nacional, estimulando o desenvolvimento. Ele disse que a Equinor, estatal de energia da Noruega, teve papel fundamental para transformar o país europeu num dos mais ricos e desenvolvidos do mundo.
"A Noruega, quando criou sua estatal de petróleo, era bem mais pobre do que outros países da Europa Ocidental", disse ele. "Ela usou a empresa para ter o controle do setor de petróleo e gás no país, que hoje é o que garante a grande riqueza que todo mundo olha e acha linda."
Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), acrescentou que a Petrobras ajuda a população garantindo o abastecimento de um insumo-chave para o país, que são os combustíveis. Sem ela, o país seria dependente de companhias privadas – grande parte delas estrangeiras – para abastecer sua frota. Estaria sujeito, portanto, aos preços delas.
Weiss e Faria, aliás, disseram que o controle de preços é uma função estratégica de uma empresa controlada pelo Estado. Com uma estatal forte no setor de combustíveis, por exemplo, o governo consegue garantir que empresas privadas não decidam sozinhas o custo da gasolina.
Setores considerados estratégicos e essenciais, aliás, são os que costumam ter maior participação de estatais. Assim, o governo atua para o funcionamento desse mercado e faz investimentos que o setor privado não quer fazer. "O setor privado não é tomador de riscos no país, historicamente. Não faz investimentos de longo prazo, que são os mais importantes para o desenvolvimento", disse Weiss.
"No caso de um metrô, por exemplo, poucas empresas privadas querem fazer o investimento necessário para oferecer esse tipo de transporte público. Se fizerem, vão querer cobrar uma tarifa alta para compensar", acrescentou Faria. "O Estado faz para garantir um serviço público."
O setor de saneamento básico tem grande participação estatal. Ela, contudo, vem caindo com privatizações. Por exemplo, o governo de São Paulo, controlado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), quer vender o controle da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).
Ação do governo é legal?
O governo controla a empresa e, portanto, pode direcionar seus projetos. Isso não significa que o governo possa fazer o que bem entende, até porque existem órgãos de controle fiscalizando sua atuação e porque acionistas minoritários também têm direito a votos em tomadas de decisão.
No caso da Petrobras, a principal instância decisória da empresa é seu Conselho de Administração, conforme Prates explicou em suas postagens. O conselho é composto por 11 membros: seis são indicados pelo governo, quatro que representam os acionistas minoritários e um representa os funcionários da companhia.
O governo, portanto, tem a maioria dos membros. Pode assim fazer suas ideias para a empresa prosperarem orientando o voto dos seus indicados. Foi isso que aconteceu no caso dos dividendos, segundo Prates.
A decisão do conselho sobre os dividendos, agora, será acompanhada por órgãos fiscalizadores. Prates, inclusive, já foi convidado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado para explicá-la a senadores.
Para Faria, por ser uma empresa estatal com participação privada, a Petrobras tem um sistema de fiscalização duplo. Após a Operação lava Jato, ele tornou-se ainda mais rígido, visando a proteção da empresa.
Ele lembrou que a Lei das Estatais prevê que, nos casos em que o governo queria usar a Petrobras para algo que possa causar prejuízo à empresa, ela precisa ser ressarcida pelo governo.
Edição: Nicolau Soares