Em depoimento à Polícia Federal (PF) na investigação sobre tentativa de golpe de Estado, o general da reserva Estevam Theóphilo de Oliveira caiu em contradição ao ser indagado sobre seus encontros com o ex-presidente Jair Bolsonaro após o segundo turno das eleições em 2022 e silenciou quando questionado sobre o fato de um dos encontros ter ocorrido no mesmo dia em que Bolsonaro fez ajustes na minuta golpista, que previa que ele permanecesse no poder.
O general, que segundo a investigação teria indicado ao ex-presidente que apoiaria a tentativa de golpe caso fosse assinado o decreto golpista, depôs à PF em 23 de fevereiro. Na ocasião, ele começou seu depoimento afirmando que não possuía nenhuma tropa subordinada a ele diretamente e que não possuía relação pessoal e nem de contemporaneidade militar com Bolsonaro, que foi capitão do Exército.
"Que não tinha qualquer relação pessoal com o ex-presidente nem contemporaneidade militar; que não o conhecia pessoalmente, que nunca teve relação de proximidade com o então presidente; que nunca foi ao Palácio do Planalto; que foi apenas três vezes ao Palácio do Alvorada, todas após o segundo turno das eleições de 2022", afirmou o militar em depoimento.
A PF suspeita que justamente em um destes encontros, no qual estava somente ele e o ex-presidente, o general teria sinalizado seu apoio à tentativa de golpe. Na versão apresentada por Theóphilo, o encontro a sós com Bolsonaro ocorreu em 9 de dezembro de 2022 e teria acontecido por ordem do então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes.
"Que a reunião foi para ouvir lamentações do então presidente da República sobre o resultado das eleições; que apenas ouviu o presidente falando", afirmou o general da reserva. Segundo ele, não foi tratado no encontro sobre minuta de golpe ou utilização de decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), Estado de Defesa, Estado de Sítio ou Intervenção Federal. Os nomes fazem referência a mecanismos previstos na Constituição para o presidente acionar as forças armadas em situações excepcionais.
Como revelaram as investigações da PF até aqui e os depoimentos dos ex-comandantes da FAB e do Exército que se tornaram públicos nesta sexta, Bolsonaro tentava utilizar alguns destes mecanismos, de forma ilegal, para questionar o resultado das urnas, a atuação do então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, e para se manter no poder mesmo depois da derrota nas eleições de 2022. O ex-presidente e sua defesa, porém, sempre negaram essa tentativa.
'Não soube informar'
Chamou a atenção do delegado da PF Fabio Schor, responsável pela investigação da tentativa de golpe, a versão apresentada por Theóphilo. O investigador, então, indagou "sobre o motivo de o ex-presidente Jair Bolsonaro ter chamado o declarante para uma conversa de 'desabafo' no Palácio do Alvorada, pois, conforme afirmado, não gozava de um relacionamento pessoal com o então presidente, nunca tendo ido ao Palácio do Planalto para se reunir com o então Presidente e ido ao Palácio do Alvorada apenas após o segundo turno das eleições?".
A resposta do general da reserva registrada no termo de depoimento da PF foi apenas “não soube informar”.
Além disso, em outro momento em que foi questionado sobre o encontro com Bolsonaro, Theóphilo preferiu silenciar. Foi quando o delegado Fabio Schor expôs ao general o trecho de uma mensagem de áudio de Mauro Cid encontrada no celular do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, datada do dia 9 dezembro de 2022. Nele, Cid fala expressamente que Bolsonaro estaria sendo pressionado e que ele "enxugou" a minuta de decreto golpista que vinha sendo discutida com seus auxiliares:
"Ele (Bolsonaro) mexeu naquele decreto, né. Ele reduziu bastante. Fez algo muito mais direto, objetivo e curto, e limitado, né. É, e... Acho que a ideia de falar com o General Theóphilo é conversar. Como ele, né, tá muito preso no, no Alvorada, então é uma maneira dele desabafar e falar um pouco o que ele tá pensando e ouvir, né, alguém que... Não que possa dar uma solução, mas que né. E eu acho que se num... É... Se não botar pilha, digamos assim né, se não botar lenha na fogueira, né, ele mantém ali a....Aquela linha que tava sendo, que tá sendo tomada inicialmente [sic]", diz o áudio de Mauro Cid.
Questionado sobre o teor da mensagem e o fato de que a reunião de Theóphilo com Bolsonaro ter ocorrido no mesmo dia em que teriam sido feitas alterações na minuta golpista, o general da reserva preferiu silenciar. "Que exerce o direito de permanecer em silêncio por não ter o contexto das conversas", diz o termo de depoimento da PF.
Versões diferentes
O general de quatro estrelas fazia parte do Alto Comando do Exército até o ano passado e, em seu depoimento, ele ainda apresentou uma versão diferente da que foi apresentada por Freire Gomes sobre seu encontro com o então presidente.
Segundo Theóphilo, a reunião dele a sós com Bolsonaro em 9 de dezembro ocorreu por ordem do então comandante do Exército, general Freire Gomes, que teria sido dada no mesmo dia da reunião. Já Freire Gomes negou à PF ter dado ordem para Theóphilo ir à reunião e diz que tomou conhecimento sobre o encontro justamente por meio da mensagem de áudio encaminhada por Mauro Cid.
"Que não tinha ciência do motivo da convocação do general Theóphilo pelo então presidente da Republica Jair Bolsonaro; que ficou desconfortável com o episódio, por desconhecer o teor da convocação e considerando o conteúdo apresentado nas reuniões anteriores", afirmou o ex-comandante à PF.
Investigado pela PF, Theóphilo alegou ao delegado que, após o encontro com Bolsonaro, foi até a residência de Freire Gomes e reportou todo o conteúdo da conversa. Já o ex-comandante do Exército, considerado uma testemunha na investigação, disse não se recordar se o general teria lhe reportado sobre o encontro.
Edição: Matheus Alves de Almeida