Nas periferias é mais difícil ainda encontrar restaurantes que conhecem a origem dos seus alimentos
Em uma cozinha no Recife (PE), Eduardo Caliento e Mirlie Diniz preparam uma nova lógica de relação com a comida. Os dois administram a Cozinha Voraz, empreendimento de culinária vegana que valoriza a transparência sobre a origem dos alimentos usados nas receitas
Caliento, idealizador e entregador, descreve a filosofia por trás do projeto. "É uma cozinha artesanal, que se preocupa com a origem dos alimentos, que a gente acha que está ligado de forma fundamental à saúde de toda a população, e prezando também pela acessibilidade, tanto de fazer com que a comida chegue nas pessoas, quanto acessível na questão financeira", afirma.
Já Diniz, que comanda a cozinha, detalha que o foco é oferecer alimentos que são consumidos normalmente pelas famílias no dia-a-dia. "Hoje a gente trabalha com um leque de produtos congelados. Na verdade, a gente chama de soluções congeladas", destaca.
"São soluções que vão a partir do que a gente quer comer, entendeu? Aí a gente tem hambúrguer, salgados de festa também, a gente tem marmita... Enfim, coisas para cotidiano mesmo", acrescenta.
A proposta da Cozinha Voraz não é só uma nova filosofia em relação ao tempo e ao método de trabalho. Também há uma preocupação com o caminho que os alimentos fazem do campo até o prato do cliente final.
Mirlie Diniz conta que o casal faz parceria com fornecedores agroecológicos e pequenos produtores. "A gente costuma comprar em feiras livres também, justamente para estabelecer essa lógica que quebra essa questão do grande negócio, da indústria", ressalta a cozinheira.
O Cozinha Voraz é um dos 40 empreendimentos mapeados pelo Prato Firmeza - Guia Gastronômico das Quebradas, um diálogo entre Campo e Cidade. O guia busca identificar e divulgar iniciativas que preparam comida boa, saudável, barata e com ingredientes cuja a origem seja facilmente identificada
"A ideia é mostrar e identificar o quão distante a gente está da nossa comida, da origem da nossa comida. Nas periferias é mais difícil ainda você encontrar restaurantes que conhecem a origem dos seus alimentos", explica a coordenadora editorial do projeto, Camila Rodrigues.
O projeto nasceu em São Paulo há sete anos e é tocado, desde a origem, por estudantes da Escola de Jornalismo É Nois Conteúdo. Oriundos da periferia da capital paulista, eles atuaram como correspondentes em busca desses restaurantes nas quebradas. O projeto, inclusive, chegou a ser finalista do Prêmio Jabuti em 2017.
Nesta edição Campo & Cidade, o guia traz iniciativas nas áreas metropolitanas das cinco regiões do país. Há restaurantes de Manaus (AM) até Florianópolis (SC). O foco do projeto é mostrar o caminho dos alimentos: desde o campo, onde são plantados, até o prato, comercializados por iniciativas que estão nas periferias e com preços acessíveis, numa tentativa de aproximar a classe trabalhadora dos alimentos saudáveis
"Os alimentos mais saudáveis são mais inacessíveis à população periférica do que os alimentos industrializados ou produzidos com muito agrotóxicos. Isso foi uma conclusão da apuração no Brasil inteiro", acrescenta Rodrigues.
O guia concluiu que os restaurantes das quebradas têm dificuldade de estabelecer vínculos com os produtores de alimentos e, por questões econômicas, acabam concentrando as compras em grandes redes de supermercados atacadistas. Camila Rodrigues explica que os trabalhadores dessas iniciativas periféricas precisam de um esforço muito maior para romper com essa lógica econômica
"A gente percebeu que, para que uma iniciativa de quebrada de periferia conheça esse caminho, ou ele planta, cria o alimento ali no seu quintal, ou ele tem uma intencionalidade muito grande de ter esse relacionamento com o produtor do alimento. Não é uma coisa natural, não é algo intencional. É um esforço de rompimento de estrutura para você alcançar esse caminho", afirma.
Diniz acredita que é o rompimento com essa indústria, como faz o Cozinha Voraz, que permite que as pessoas se aproximem da comida de verdade.
"Cada vez mais ela [a indústria] oferece mais produtos industrializados, ultraprocessados e cada vez mais a gente compra e consome isso”, diz.
"Quando você quebra essa lógica e, tipo, compra com uma cozinha artesanal, que tem uma outra lógica, você se aproxima de uma comida de verdade mesmo", conclui.
Edição: Matheus Alves de Almeida