A comunidade do Ilé Àṣẹ Ojú Oòrùn, em Caetité, no sudoeste da Bahia, foi surpreendida na última quarta-feira (13) pela derrubada da mata utilizada para fins religiosos pelo terreiro. De acordo com o Òlóri-Égbè Thonny Hawanny (Baba Thonny de Oyá), sacerdote da casa, a área foi sido doada para o terreiro durante a gestão municipal de Dácio Oliveira, ainda na década de 1990.
A área desmatada era utilizada pela comunidade tanto para coleta de plantas para uso ritualístico e medicinal como para realização de culto aos Orixás. "A matinha era para nós a morada do nosso ancestral Bàbá Ikulainá (Egungun) e também do Èsù Igbo, além de espaço de ebós e de oferendas aos caçadores e aos òrìsà(s) do culto a Osanyin", conta Baba Thonny.
A comunidade relata também que o assentamento de Èṣù Igbó, que estava na matinha, foi arrastado e destruído pelo trator. Em nota de repúdio, a comunidade do Ilé Àṣẹ afirma estar impactada pelo racismo religioso perpetrado por empresas privadas com anuência do poder público municipal.
Terras públicas
Baba Thonny explica que o Ilé foi fundado em 10 de março de 1991, e a área de mata havia sido doada pela prefeitura de Caetité ao Ilé, na primeira gestão de Dácio Oliveira (1989 a 1992). "Todo o processo foi acompanhado de perto pela então primeira dama, dona Marlene Montenegro Cerqueira de Oliveira, que nos garantiu que nunca iríamos ser incomodados ali naquele lugar em virtude das terras serem devolutas", acrescenta.
O sacerdote afirma ainda que nenhum momento a prefeitura de Caetité entrou em contato com a comunidade para falar sobre a venda e/ou cessão do terreno a terceiros ou mesmo sobre autorização para derrubada da mata. "O que sabíamos é que os supostos donos iriam às terras da comunidade para fazer a doação dos terrenos para os membros da comunidade, incluindo as terras do Àṣẹ Ojú Oòrùn", conta.
A reportagem entrou em contato com a prefeitura, mas até o fechamento desta matéria houve resposta. Caso a administração de Caetité responda, esta matéria será atualizada. O Brasil de Fato BA não conseguiu contato com os supostos donos da área, responsáveis pela derrubada da mata. O espaço segue aberto para que se manifestem.
Baba Thonny de Oyá explica que, além do terreiro matriz, há também na comunidade o terreiro de Mãe Zu e a Casa de Mãe Carmem, ambos professam a fé aos Orixás, bem como no entorno dos terreiros e nas dependências deles residem famílias da comunidade.
Com o passar dos anos, um suposto proprietário se apresentou na região e chegou a fazer ameaças veladas contra as comunidades. "Isso nunca foi levado a sério por se tratar de conversas ouvidas aqui e ali. Mais recentemente, esses supostos donos visitaram a comunidade para dizer que decidiram fazer a doação dos imóveis, mas em nenhum momento fomos avisados que passariam um trator sobre a matinha preservada e usada para cultuar as entidades do Candomblé, muito menos que passariam a tal máquina sobre objetos e assentamentos sagrados", afirma o sacerdote.
Denúncia
Em nota enviada ao Brasil de Fato Bahia, a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais da Bahia (Sepromi) informou que recebeu denúncia do ataque ao Ilé Àṣẹ Ojú Oòrùn e que o caso está sendo acompanhado pelo Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela, que ofereceu apoio jurídico, social e psicológico às vítimas e encaminhou a denúncia ao Ministério Público do Estado da Bahia.
"A Sepromi repudia veementemente a violência sofrida pelo terreiro de candomblé e espera que as autoridades competentes ajam com rigor para garantir a punição dos responsáveis e a proteção efetiva do local de culto religioso", diz a nota.
Em 2023, o Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela registrou 123 ocorrências, sendo 83 casos de racismo, 33 de intolerância religiosa e sete correlatas. Neste ano, o Centro já recebeu 22 registros de racismo e nove de intolerância.
Fonte: BdF Bahia
Edição: Alfredo Portugal