AGROECOLOGIA

Seminário de Agroecologia apresenta propostas para enfrentamento da crise ambiental

Evento contou com a presença de movimentos populares e de diversos órgãos da administração pública

Brasil de Fato | Nova Santa Rita (RS) |
Os dirigentes do MST Adalberto Martins e Roberta Coimbra apresentaram a carta aberta com as propostas aprovadas nos seminários - Foto: Leonardo Melgarejo

O 5º Seminário da Agroecologia e o 1º Seminário Nacional sobre as Mudanças Climáticas e os Impactos na Produção de Alimentos encerraram na última terça-feira (19), em Nova Santa Rita (RS), com a leitura de uma Carta Aberta (confira a íntegra aqui) e um ato com a presença de autoridades municipais, estaduais e federais.

Mais de 600 pessoas participaram do encontro, entre agricultores assentados da reforma agrária, agricultores familiares, jovens de diversas escolas secundárias e de universidades, pesquisadores, ambientalistas, lideranças populares, sindicais, religiosas e partidárias, além de diferentes representantes de secretarias municipais e outros órgãos públicos.

A organização é uma parceria da Prefeitura Municipal de Nova Santa Rita, Emater/RS, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap), Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan) e Terra Livre.

A carta aberta, em uma análise do momento atual, destacou que a lógica agroexportadora implementada pelas políticas públicas de crédito, cambio, tributária e de comercialização estimula a geração de commodities agrícola e mineral, ao ponto de 86% das áreas destinadas às lavouras temporárias abrigarem plantio de cana-de-açúcar, soja e milho.

“Tal fato, determinou a redução da área plantada de feijão, mandioca, arroz, produtos da alimentação dos brasileiros, tornando os preços internos mais elevados, dificultando ainda mais o acesso aos alimentos básicos. Além do que, este sistema é altamente concentrador de terra, não permitindo o desenvolvimento de uma reforma agrária ampla e massiva”, alerta o documento.

Também chama à atenção a outra contradição deste modelo agrícola: o uso intensivo de agrotóxicos (venenos agrícolas):

“No Brasil, são jogados anualmente mais de 700 milhões de litros de venenos, sendo 200 milhões de litros de glifosato e outros 50 milhões de litros de 2,4D, ambos produtos já identificados como carcinogênicos. Entre 2019 e 2022, o país liberou 2.182 agroquímicos e até julho de 2023, o MAPA registrou outros 231 produtos. Estima-se que haja em nosso país, uma subnotificação de intoxicação por agrotóxico na ordem de 1 para 50, indicando que no período entre 2010 e 2019, tivemos no Brasil próximo de 2,8 milhões de pessoas intoxicadas.”

‘É preciso defender os bens comuns’

O documento ainda aponta que as saídas para a crise ambiental e as mudanças climáticas estão no enfrentamento deste modelo de organização da sociedade através da defesa das terras indígenas e quilombolas, do fortalecimento da reforma agrária popular e da implantação da agroecologia.

“É urgente valorizar a biodiversidade, o trabalho familiar, a cooperação agrícola, aumentando sua produtividade com usos de bioinsumos e mecanização adequada à agricultura familiar e camponesa. Por isto, a defesa dos bens comuns da sociedade brasileira (seja a terra, água, a biodiversidade) cabe a nós camponeses e camponesas em aliança com os trabalhadores das cidades.”

‘Carta aponta desafios muito grandes’


O dirigente nacional do MST e coordenador do Setor de Produção, Diego Moreira, afirmou que foi um dia histórico para o movimento / Foto: Rafa Dotti

No ato solene de encerramento dos seminários foram anunciados alguns apoios aos agricultores que tiveram perdas nas lavouras de arroz agroecológico, atingidos por eventos climáticos extremos no final do ano passado.

O dirigente nacional do MST e coordenador do Setor de Produção, Diego Moreira, afirmou que foi um dia histórico para o movimento e para o setor de produção, “mas um dia também muito especial pra essa iniciativa importante que nós temos nessa região do Rio Grande do Sul, que é a produção do arroz agroecológico”.

Segundo ele, a experiência de produção de alimento e organização de cadeia produtiva orgulha muito o MST Nacional. “Não é pouca coisa poder afirmar em alto e bom som que somos os maiores produtores de arroz agroecológico da América Latina. Tem muito significado, porque aqui há homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras, que dedicam as suas vidas, o seu suor, o seu sangue pra que isso de fato aconteça.”

Moreira destacou que o movimento gostaria de comemorar mais uma grandiosa abertura do arroz, “mas os impactos climáticos, a destruição da biodiversidade da natureza, imposta por esse modelo predador do agronegócio que está aí, que inclusive coloca em xeque a própria vida humana, nos impediu. Não é a nossa responsabilidade, a responsabilidade é deles”.

Segundo o dirigente, é esse modelo predatório que destrói e escraviza, “que impede que hoje nós pudéssemos estar comemorando mais uma abertura da colheita do arroz. É esse modelo predatório responsável pelos 30 milhões de brasileiros e brasileiras que passam fome.”

O dirigente reforçou que a carta aprovada no seminário aponta que os desafios são muito grandes. “E o que precisamos continuar fazendo?”, questionou, listando uma série de ações a que o movimento se desafia.

“Nós precisamos avançar numa mecanização agrícola adequada para a agricultura familiar e para a produção do arroz. Nós precisamos avançar nos bioinsumos de forma massiva. Essa ciência que vai permitir aumentarmos a produtividade e devolver a vida para o solo, devolver a vida para a natureza.”

Também defendeu o avanço na energia solar de qualidade para que, de fato, se tenha uma energia sustentável, em diálogo com a natureza e com a biodiversidade. “Nós precisamos avançar numa agroindústria adequada. (...) Precisamos avançar numa assistência técnica de qualidade, em diálogo com o camponês, com a camponesa, com a família que produza conhecimento.”

Por fim, desafiou o governo federal a elaborar um novo modelo de crédito que de fato atenda a agricultura familiar e a reforma agrária. “O Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar] não nos serve. O Pronaf não financia a produção de alimentos desse país.”

Governo federal se compromete com a compra de sementes


Milton José Fornazieri, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), anunciou a compra de sementes / Foto: Rafa Dotti

Representando o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Milton José Fornazieri agradeceu à Prefeitura de Nova Santa Rita e ao MST por terem construído “esse importante debate em relação às mudanças climáticas e o sofrimento que a população brasileira tem quando isso acontece. E nós já sabemos quem são os causadores disso.”

Segundo ele, além de tentar entender a situação e procurar saídas, é preciso punir quem destrói o meio ambiente. “É uma preocupação tanto do ministro Paulo Teixeira como de todo o governo para que se encontre minimamente saídas”, destacou.

Para a safra de 2024 e 2025 do arroz agroecológico, o ministro informou que serão destinamos R$ 2,5 milhões para compra de sementes via pregão eletrônico. “Esse orçamento sai da nossa secretaria, afinada com a Conab [Companhia Nacional de Abastecimento] que irá executar esse valor.”

Também anunciou que irá retornar o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) para formação de estoque. “A nossa tarefa, juntamente com a Conab, é limpar todas as contas passadas e preparar o terreno para a gente poder voltar a operar.”

E concluiu, “nós queremos, com isso, contribuir minimamente para que essa importante construção coletiva da produção de arroz agroecológico não dê nenhum retrocesso e a gente possa continuar avançando e dizendo, nós estamos fazendo a nossa parte”.


O presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto, também liberou verba para a compra de sementes / Foto: Rafa Dotti

O presidente da Conab, Edegar Pretto, anunciou que a Conab também vai entrar com mais R$ 1,5 milhão para a compra de sementes. “Fica com R$ 4 milhões para garantir a compra de semente, para vocês fazerem a próxima safra, e nós fazer de novo a grande festa do arroz agroecológico aqui no Rio Grande do Sul.”

Pretto lembrou que até agora já foram reconstruídas boa parte das políticas operacionalizadas na Conab anos atrás. “Quando você deixa uma máquina parada seis anos, como foi a Conab, a tendência é enferrujar, entortar alguma peça, precisa de conserto para a gente botar a operacionalização a 100%.”

Incra anunciou investimento na recuperação de estradas


O servidor Nelson Araújo, representando o superintendente do Incra, alertou para a necessidade de reestruturação do órgão / Foto: Rafa Dotti

Representando o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Nelson Araújo apresentou os frutos da articulação feita com vários outros órgãos do governo federal. Informou que chegaram a um levantamento preliminar, junto com as cooperativas do movimento, de um valor aproximado de R$ 10 milhões.

“Isso falando desde recuperação de estradas, aquisição de infraestrutura, de produção de arroz, de bombas, de recuperação das redes de energia.”

Segundo Araújo, há uma discussão dentro do governo para a construção de um polo de irrigação na região. O servidor também destacou que é necessário, urgente, uma reestruturação do Incra.

“Temos um concurso aí na frente para que, de fato, a gente também consiga, nesses eventos climáticos extremos, ter condição de atender com mais agilidade, porque nós passamos praticamente de abril até dezembro do ano passado operacionalizando um crédito.” Segundo ele, foi um investimento de R$ 43 milhões.


O prefeito de Nova Santa Rita, Rodrigo Battistella (PT), considerou que foi um dia muito produtivo / Foto: Rafa Dotti

O prefeito de Nova Santa Rita, Rodrigo Battistella (PT), assinou novos contratos com assentados de Nova Santa Rita, dos programas de Mudas Orgânicas e de Mudas Nativas e Frutíferas.

Também participaram do ato, a representante da Secretaria Geral da Presidência da República, Graci Risso, da Embrapa, Leonardo Dutra, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Vanderlei Thies, e do Instituto Técnico Federal Campus Viamão, Claudio Fiorezi e Milton Bernardes.

Propostas aprovadas

A carta finaliza trazendo diversas propostas e reivindica que o governo estadual decrete Estado de Emergência Climática no Rio Grande do Sul:

▪️Concretizar o Plano Nacional Plantar Arvores e Produzir Alimentos Saudáveis, comprometendo-se com a meta estadual de plantarmos 7 milhões de arvores nos assentamentos;

▪️Que os órgãos públicos federais, estaduais e municipais fomentem a produção de mudas de árvores e estimulem o plantio nas cidades e no campo, comprometendo-se com uma ampla campanha de recuperação das matas em nosso estado;

▪️Construir uma legislação que proteja os perímetros/polos de produção agroecológica, criando áreas livres de venenos, transgênicos e pulverização aérea;

▪️Constituir política pública específica para a manutenção, preservação e melhoramento dos bancos/casas de sementes e genética para propagar a biodiversidade;

▪️Ampliar e garantir a prioridade dos alimentos agroecológicos nos programas de compras públicas de alimentos dos governos;

▪️Apoiar a difusão dos Bioinsumos para a produção agroecológica garantindo  a estruturação de Biofábricas, garantindo a base genética e reprodutiva dos bioinsumos, disponibilizando equipamentos adequados a sua aplicação e viabilizar assistência técnica gratuita específica para a produção e uso dos bioinsumos.

▪️Viabilizar um Programa de Agroindustrialização de alimentos agroecológicos, possibilitando o controle da cadeia produtiva pelas organizações econômicas da agricultura assentada e familiar;

▪️Para o programa federal de crédito rural da agricultura familiar (custeio e investimento), se estabeleça juros zero e bônus de adimplência de 15% para a produção de alimentos agroecológicos;

▪️Em contraponto ao Pacote de ICMS nos Alimentos Básicos, que encarece a cesta básica, propomos em seu lugar a taxação do Agronegócio (produção de commodities) a exemplo do que fizeram os Estados do MT e GO, isentando a agricultura familiar;

▪️Apoio aos Comitês de Bacia Hidrográfica para, a exemplo do CBH do Rio do Sinos e do Rio Gravataí, aprovar a taxação da água como bem público que é, isentando os produtores agroecológicos ou em transição agroecológica;

▪️Que o governo estadual decrete Estado de Emergência Climática no Rio Grande do Sul.

Confira mais imagens


Prefeitura assinou novos contratos com assentados de Nova Santa Rita / Foto: Rafa Dotti


Prefeitura assinou novos contratos com assentados de Nova Santa Rita / Foto: Rafa Dotti


Fernando Carneiro, pesquisador da Fiocruz e membro do GT de Saúde e Ambiente da Abrasco, participou do debate sobre as consequências do uso de agrotóxicos para a saúde e o meio ambiente / Foto: Rafa Dotti


Leonardo Melgarejo, engenheiro agrônomo, é membro do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos / Foto: Rafa Dotti


Luta contra a deriva em Nova Santa Rita foi lembrada no painel da tarde / Foto: Rafa Dotti


Seminário também contou com a Feira da Reforma Agrária / Foto: Leonardo Melgarejo


Cooperativas levaram seus produtos para expor na feira / Foto: Leonardo Melgarejo


Os livros também estavam presentes na feira / Foto: Leonardo Melgarejo


Seminário defendeu a reforma agrária popular e o avanço da implantação da agroecologia em seus mais diversos sistemas produtivos / Foto: Leonardo Melgarejo


Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Marcelo Ferreira