Recentemente o presidente Lula anunciou a criação de 100 novos Institutos Federais de Educação (IFs), e as respectivas cidades que irão recebê-los. Oriundo de uma formação técnica, não é segredo para ninguém a atenção do presidente para com esses Institutos. Em seus dois primeiros mandatos, eles viveram uma forte ampliação.
Hoje, os IFs oferecem diversas formações, mas, pelo impacto social que geram, se destacam os cursos chamados de “Ensino Médio Integrado”. Esses cursos são ocupados por adolescentes majoritariamente oriundos da escola pública. Eles podem adquirir uma formação técnica de qualidade em conjunto com o ensino médio e entrar no universo do trabalho de maneira qualificada. Assim, esse jovem chega à idade adulta com uma condição de emprego e salário superior a outro que não teve essa mesma formação, e que muitas vezes precisou deixar de estudar, para trabalhar num emprego precário de baixa remuneração. Por isso, os cursos técnicos integrados são de fato uma das poucas escadas de ascensão social existentes no país hoje.
Historicamente, a formação oferecida pelos IFs foi dominada prioritariamente por cursos advindos da indústria: mecânica, elétrica, eletrônica etc. Além deles, se destacaram os da construção civil, da área de computaçã, e, com a interiorização dos institutos, se ampliou a presença de cursos agrários. Ainda hoje, as Federações da Indústria e do Comércio possuem bastante influência nesse setor.
Entretanto, é chegada a hora de entender a importância da “economia da cultura” para a riqueza nacional, e perceber a extrema precariedade da formação pública para essa área. É preciso, portanto, criar um conjunto de “Institutos Federais de Tecnologias das Artes”.
Segundo pesquisa do Observatório Itaú Cultural a “Economia da Cultura e das Indústrias Criativas” (ECIC) respondeu em 2020 por 3,11% de todo o PIB nacional e empregaram 7,4 milhões de pessoas. Para efeito de comparação, no mesmo período toda a indústria automotiva representou 2,1% do PIB. Essa mesma pesquisa mostra que de 2012 a 2020, o PIB da ECIC experimentou um crescimento de 78%, enquanto a economia do país avançou 55%. Esse número, contudo, pode ser ainda maior, pois o levantamento contou apenas “CNPJs” do setor. Segundo o Sebrae (dados de 2023), o Brasil possuiu cerca de 8,5 milhões de artesãos, que movimentaram mais de R$ 50 bilhões. Embora faltem dados para delimitar de modo mais preciso esse campo, o estudo do Itaú Cultural estima que passaria de 5% do PIB, entre trabalhadores formais e informais, a participação da cultura como um todo. Essa é a grandeza da área.
No entanto, são inúmeras profissões que possuem pouquíssima ou mesmo nenhuma formação pública federal. Para termos uma ideia, no Estado de São Paulo os Institutos Federais oferecem hoje 86 tipos de cursos técnicos integrados. Mas apenas 1 deles (Produção de áudio e vídeo) é da área cultural. Ou seja, se quisermos equiparar formação com produção de riqueza, o Estado precisaria quintuplicar a oferta de cursos da economia da cultura. E existem, ainda, no restante do país, estados cujos IFs não oferecem nenhum curso na área.
Outra necessidade é a diversidade dos cursos. O curso mais ofertado da área cultural no Brasil é o curioso curso de Design de interiores. Enquanto há uma formação exagerada de decoradores, praticamente inexistem cursos para produtores musicais, ilustradores, roteiristas, atores, artesãos, técnicos de palco, entre muitos outros. São mais de 50 áreas possíveis, e muitas sem nenhuma formação pública. Há áreas inteiras, como a da cultura digital (como UX Design, Modelagem digital, Criação e produção em podcast, com cursos particulares caríssimos) que nem fazem parte no catálogo de cursos do MEC.
Existem dois mitos na área artística que perduram por séculos e que ainda prejudicam fortemente a área cultural. Eles possuem a mesma raiz mágica: a de que os artistas são seres de exceção, que não precisam serem formados. Um deles considera artistas como gênios, o outro assegura que artistas possuem um dom natural, lhes garantindo a capacidade de criar. Essas mistificações escondem a realidade: que para ser artista e trabalhar com cultura é preciso muito estudo e dedicação. Hoje no Brasil, a economia da cultura é formada por dois tipos de perfis. Uma boa parte dos artistas possui condições econômicas favoráveis, e pode fazer uma formação privada desde jovem, ou estudar em universidades ou até mesmo no exterior. Contudo, a grande maioria tem uma formação precária, baseada em cursos livres, autodidatismo e no aprendizado familiar. E isso é muito pouco.
A realidade é que nossa “indústria cultural”, formal e informal, produz 5% do PIB, mas possui uma formação fragmentada, privatizada e artesanal. Portanto, é urgente, para além das consultas públicas à população, estabelecer uma união entre os Ministérios da Cultura, da Educação e de especialistas, para mapear as áreas sem formação pública e a partir disso, destinar ao menos uma parte desses novos institutos para cursos da economia da cultura. Sem uma formação pública, de qualidade, acessível, em todos os Estados brasileiros, a cultura brasileira não poderá atingir todo o potencial que ela possui.
* Guilherme Leite Cunha é formado em artes visuais pela ECA/USP. Mestre pela USP e doutorando pelo Instituto de Artes da UNESP, pesquisa formação artística. Foi assistente técnico da área de desenvolvimento artístico do Sesc São Paulo.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Matheus Alves de Almeida