A ditadura militar foi marcada, entre outros aspectos, pelas obras faraônicas de infraestrutura, como a Usina Hidrelétrica de Itaipu e a rodovia Transamazônica. Por trás da grandiosidade das obras, no entanto, esteve o esforço do governo ditatorial em esconder os impactos ambientais e as perdas humanas decorrentes dos empreendimentos.
As marcas remanescentes desses projetos arquitetônicos da ditadura na paisagem e na história brasileira são o objeto da exposição Paisagem e Poder: construções do Brasil na ditadura. A mostra, que está no Centro MariAntonia, foi pensada para relembrar os 60 anos do ditadura militar, implementada em 1º de abril de 1964. A curadoria é dos arquitetos Paula Dedecca, Victor Próspero, João Fiammenghi, Magaly Pulhez e José Lira.
A exposição leva o espectador a pensar o ambiente construído entre 1964 e 1985 a partir de uma documentação diversa, incluindo material audiovisual. Trazendo imagens de edifícios modernos icônicos, de estruturas espaciais comuns e de construção de novas cidades em território nacional, a exposição fornece uma visão abrangente das mudanças radicais na paisagem brasileira durante esse período, refletindo sobre suas contradições e os impactos sociais e ambientais resultantes.
Magaly Pulhez, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explica que uma das dimensões da exposição é o ensejo dos 60 anos do golpe. "É uma história que não se não se finaliza quando a ditadura militar se encerra, pelo contrário. E isso certamente é uma das questões importantes que nos leva a resolver investir na exposição", afirma.
É nesse sentido que a mostra busca pensar a dimensão espacial do processo ditatorial. "A ditadura representou uma transformação bastante significativa na paisagem no território brasileiro. A gente tem a construção de grandes obras de infraestrutura. A gente tem construção de grandes conjuntos habitacionais, uma ocupação bastante violenta da região amazônica, grandes planos regionais. Tudo isso impactou fortemente o território e a paisagem", explica Pulhez.
Esse processo foi possibilitado pela exploração significativa dos recursos naturais e dos direitos trabalhistas, bem como a violação de outros direitos das populações mais vulnerabilizadas, que não se iniciam ao longo da ditadura, mas se intensificam durante o período.
"Diante de um regime fechado, autoritário e conservador, em que os sindicatos são perseguidos, trabalhadores são rebaixados e a oposição é absolutamente emudecida, abrem-se as possibilidades de que todos os processos regulatórios sejam afrouxados e evidentemente os interesses do capital nacional e internacional acabam prevalecendo de maneira muito violenta. Não temos propriamente nada que se inaugura na ditadura, mas a gente tem um processo de ultra radicalização dessas dimensões", afirma Pulhez.
Nesse sentido, Paula Dedecca, professora de História da Arquitetura na Associação Escola da Cidade (AEC-SP), afirma que esse é justamente o modelo de desenvolvimento proposto pela ditadura militar que se insere na sociedade brasileira até hoje.
"Essa aposta no progresso, na modernização, na construção não é própria ao regime militar. Mas o que vai acontecer no regime militar é que justamente pela ausência de uma regulamentação, de uma oposição, de um controle da sociedade, isso vai se intensificar demais. Não tem freios por outras instâncias. Tem um processo de uma modernização, mas de uma modernização autoritária e conservadora."
"O 'milagre econômico' está colocado entre aspas. De fato, tem números muito substanciais econômicos, mas que deixa de lado todo um desenvolvimento social, uma justiça social que vai ser abandonada. Fica muito evidente com uma série de obras, cujos trabalhadores vão trabalhar em condições muito precárias de segurança, de regulamentação trabalhista. É um período que se desenvolve a partir de uma contradição muito evidente, e algumas dessas contradições existem até hoje. A gente não superou", afirma a curadora.
A mostra se divide em planos de dimensão territorial, práticas extrativistas, grandes empreendimentos hidrelétricos, obras de infraestruturas metropolitanas e rodoviárias e o processo de urbanização das capitais em todo o país.
Um dos cenários abordados pela exposição é a Operação Amazônia, acompanhada pela criação do Banco da Amazônia e da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), ligados à construção da Transamazônica. A obra, um dos emblemas da ditadura, foi marcada pela expropriação violenta de povos tradicionais de seus territórios, a urbanização desenfreada de determinados locais e a mudança radical do modo de vida.
Outro destaque é o Programa Grande Carajás, no Pará, que representou a abertura de uma jazida de minério de ferro de alto teor, entre outros elementos como manganês, ouro, bauxita e cobre, em meio à floresta amazônica. Considerada a maior mina de minério de ferro a céu aberto, serviu de produção de matéria-prima para grandes empreendimentos dentro e fora do país, como com a instalação da usina hidrelétrica de Tucuruí, polos agropecuários, linhas de transmissão etc.
Serviço
Quando: de 19 de março a 30 de junho de 2024
Onde: Centro MariAntonia – Edifício Joaquim Nabuco
Endereço: Rua Maria Antônia, 258 – Vila Buarque – São Paulo, SP
Visitação: terça a domingo, e feriados, das 10 às 18 horas
Quanto: Grátis
Informações: (11) 3123-5202
Edição: Nicolau Soares