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Produção focada em inovação esteve no centro da discussão anual sobre os rumos da China no Congresso Nacional do Povo

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Delegados participam da sessão de encerramento do 14º Congresso Nacional do Povo (APN) no Grande Salão do Povo em Pequim, em 11 de março - WANG Zhao / AFP
Conceito de 'forças produtivas de nova qualidade' foi proposto por Xi Jinping no ano passado

Hoje recomendamos a música Cold War, de Feezy, um rapper chinês que estudou nos Estados Unidos e busca quebrar estigmas sobre os chineses e a vida na China. Ouça no tocador acima.


Se você tiver pouco tempo, aqui está o que você precisa saber:

- O conceito de “forças produtivas de nova qualidade” esteve no centro das Duas Sessões
- Hong Kong aprova sua própria lei de segurança nacional
- A relação China-África avança em direção à industrialização e à exploração mineral
- Melhoria das relações entre China e Austrália
- Gala 3.15: o programa de TV que expõe golpes e propagandas falsas de marcas e empresas


As Duas Sessões de 2024

As Duas Sessões são os eventos fundamentais para a formulação das políticas gerais e da direção do país a cada ano. A sessão do Congresso Nacional do Povo começou com o relatório do governo sobre a gestão em 2023 e sobre as metas para este ano, apresentado pelo primeiro-ministro Li Qiang.


 

O conceito de “forças produtivas de nova qualidade” esteve no centro das sessões do Congresso Nacional do Povo (CNP) e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC). 

Essa ideia foi proposta por Xi Jinping no ano passado e se refere à produtividade liderada pela inovação “livre do modo tradicional de crescimento econômico”. “Os esforços nessa direção nunca devem ser confundidos e as bolhas [financeiras] devem ser evitadas. Também devemos nos abster de seguir um modelo único”, disse Xi Jinping em uma reunião da delegação da província de Jiangsu no início das duas sessões.

A menção do presidente a “bolhas” pode ser interpretada sobretudo como uma referência ao setor imobiliário. No final de 2017, ele declarou que “as casas são para morar, não para especular”. A partir de então, os empréstimos para esse setor começaram a cair até 2020, quando a China instituiu a política das três linhas vermelhas, uma política destinada a reduzir o nível de endividamento das empresas do setor.


As 'três linhas vermelhas' limitam o índice de endividamento das empresas em relação ao caixa, ao patrimônio líquido e aos ativos, e promovem o crescimento sustentável do setor / Dongsheng News

Dados do Banco Central da China mostram que houve um aumento interanual de 30% nos empréstimos bancários para o setor industrial, enquanto no setor imobiliário, que recebeu a maior parte do investimento nas últimas décadas, o aumento foi inferior a 5%.

Isso mostra uma estratégia do governo chinês em relação à economia, com cada vez mais investimentos destinados ao setor industrial e cada vez menos ao setor imobiliário altamente especulativo.


 

De certa forma, as Duas Sessões do ano passado priorizaram uma ideia semelhante, mas sob o termo “desenvolvimento de alta qualidade”. Entretanto, o uso agora de “forças produtivas”, que é um conceito marxista clássico, pode refletir o debate e as mudanças ideológicas dentro do PCC. 

A sessão do CNP também aprovou a nova Lei Orgânica do Conselho de Estado, que não havia sido alterada desde 1982. O Conselho de Estado continua sendo o mais alto órgão administrativo (o CNP é o mais alto órgão de poder). A mudança também incorporou o Presidente do Banco Popular da China como membro do Conselho de Estado.

Hong Kong aprova sua própria lei de segurança nacional

Após décadas de preparação, o artigo 23 da lei de segurança de Hong Kong entra em vigor. O artigo faz parte da Lei Básica da Região Administrativa Especial – ou mini constituição – e é obrigatório desde que Hong Kong deixou de ser uma colônia britânica, há 27 anos. A primeira tentativa de legislar o Artigo 23 fracassou em 2003, diante dos protestos maciços dos habitantes de Hong Kong que temiam que a legislação prejudicasse seus direitos e liberdades. Em 2020, Pequim implementou sua própria lei de segurança nacional, que tratava de quatro crimes principais: secessão, subversão, terrorismo e conluio com forças estrangeiras. Desde então, foram feitas 291 prisões por ameaça à segurança nacional, com 174 indivíduos e cinco empresas acusados e 112 pessoas já condenadas ou aguardando sentença.


John Lee Ka-chiu, chefe do Executivo de Hong Kong, e legisladores comemoram a aprovação da lei de segurança / Chen Yongnuo/China News Service

Agora, a nova lei local acrescenta os crimes de traição, insurreição, roubo de segredos de Estado e espionagem, sabotagem que põe em risco a segurança nacional e interferência externa.

Ao contrário das críticas ocidentais, as novas penalidades estão amplamente alinhadas com as de outras jurisdições importantes de direito comum, como Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, Canadá, Cingapura e Nova Zelândia.

Ao contrário de 2003, quando a lei teve cerca de 53% de apoio, agora mais de 98% da população concorda com a legislação. Alguns grupos, como as associações de jornalistas, expressaram preocupação com a natureza ampla de algumas das definições incluídas na lei, como “forças externas”, “segredos de Estado” ou “sedição”.

Entre as primeiras consequências, a Radio Free Asia, que foi financiada pela CIA, deixaria seus escritórios em Hong Kong, onde está sediada.

A visão geopolítica da China para 2024

À margem das Duas Sessões, Wang Yi, Ministro das Relações Exteriores e membro do Politburo do Comitê Central do PCC, deu uma coletiva de imprensa que abordou questões como o Mar do Sul da China, o relacionamento da China com diferentes países e blocos, o genocídio contra o povo de Gaza, a crise na Ucrânia, a expansão do BRICS, entre outras questões geopolíticas. 

Wang Yi reafirmou que a China “foi, é e sempre será” parte integrante do Sul Global, destacando sua crescente importância, observando que a participação do Sul Global na economia mundial atualmente é de 40%. Esse número era de 19% em 1990. 

“O Sul Global deixou de ser a maioria silenciosa e se tornou uma força crucial para a reforma da ordem internacional e para a esperança de um mundo com mudanças sem precedentes em um século”, disse o ministro das Relações Exteriores da China.

Sobre as crescentes restrições tecnológicas impostas pelos EUA à indústria chinesa, Yi reconheceu que, desde a reunião entre Xi e Biden em São Francisco, Califórnia, no ano passado, as relações melhoraram, mas observou que “os EUA continuam com suas percepções errôneas da China e não cumpriram efetivamente seus compromissos”.

“As medidas repressivas contra a China são aplicadas uma após a outra, a lista de sanções unilaterais está crescendo e as falsas acusações são completamente absurdas”, disse ele, provavelmente referindo-se, entre outras, às alegações de trabalho forçado em Xinjiang, pelas quais os EUA proibiram as importações de algodão e tomates dessa região.

“Se os EUA sempre dizem uma coisa e fazem outra, onde está sua credibilidade como um grande país? Se os EUA só querem preservar sua própria prosperidade e não permitem que outros se desenvolvam de forma justa, onde está a justiça internacional?”

A relação China-África avança em direção à industrialização e à exploração mineral

No Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), criado em 2000, a China se comprometeu a trabalhar com a África para superar os obstáculos ao desenvolvimento, como déficits de infraestrutura, treinamento de habilidades e falta de financiamento. Esse impulso levou milhares de empresas chinesas a se estabelecerem na África, trazendo consigo milhares de trabalhadores migrantes chineses, atingindo um recorde de 263 mil em todo o continente até 2015. Esse pico coincidiu com o pico do investimento chinês na África.

No final de 2021, o número oficial de trabalhadores chineses na África caiu para 93 mil, principalmente devido a uma queda no financiamento de projetos de infraestrutura, mas também por causa dos efeitos da pandemia e porque as empresas chinesas estão cada vez mais contratando trabalhadores locais, muitos dos quais foram treinados por migrantes chineses. De acordo com dados da Iniciativa de Pesquisa China-África da Universidade John Hopkins, até 2022 esse número chegará a um novo mínimo de 88.371. 


 

Em 2022, os cinco principais países com trabalhadores chineses eram a República Democrática do Congo, Argélia, Egito, Nigéria e Angola, que representavam 42% de todos os trabalhadores chineses na África. Na Argélia e em Angola, quase 90% do número de trabalhadores chineses registrados foram embora. Isso não inclui os migrantes informais, como comerciantes privados, investidores e negociantes.


 

Apesar do declínio dos projetos de infraestrutura chineses e da presença de trabalhadores chineses no continente, os laços comerciais estão longe de esfriar. Pelo contrário, eles estão tomando uma direção diferente, mais voltada para a industrialização e a exploração de recursos naturais, como os minerais. De fato, esse foi o pedido explícito dos países africanos no fórum China-África do ano passado. Até alguns anos atrás, devido à falta de infraestrutura adequada, as empresas interessadas, por exemplo, em minério de ferro, precisavam primeiro construir portos e estradas antes de iniciar a produção. Após as tentativas fracassadas do Ocidente de apoiar o desenvolvimento da África, os investimentos da Nova Rota da Seda foram fundamentais para a construção de infraestrutura, como estradas, portos, aeroportos e ferrovias.


 

Ao contrário da tendência continental, o Egito e a República Democrática do Congo registraram um aumento no número de trabalhadores chineses nos últimos anos, justamente porque os projetos bilaterais nesses países não envolvem apenas infraestrutura. No Egito, as empresas chinesas estão promovendo grandes projetos no Canal de Suez e na nova capital administrativa do Cairo, enquanto na RDC o foco está na mineração. Em meados de março, o presidente angolano João Lourenço visitou a China, e as conversas se concentraram em aprofundar a cooperação em áreas essenciais, como energia e mineração.

A China se aproxima cada vez mais da causa palestina

A China continua a aumentar seu apoio à causa palestina, tendo afirmado o direito dos palestinos à resistência armada perante o Tribunal Internacional de Justiça no mês passado. Durante as Duas Sessões, o Ministro das Relações Exteriores, Wang Yi, reafirmou a posição da China, defendendo a criação de um estado independente da Palestina, a adesão total dos palestinos à ONU e uma conferência de paz para definir uma agenda para uma solução de dois estados.

Em 22 de março, a China e a Rússia vetaram uma resolução que pedia um cessar-fogo permanente no Conselho de Segurança da ONU. O embaixador chinês Zhang Jun criticou o texto proposto pelos EUA (que sempre vetou propostas semelhantes) por não declarar claramente sua oposição a uma operação militar israelense planejada em Rafah. Apenas três dias depois, outra resolução pedindo um cessar-fogo imediato (não permanente) para o período do Ramadã foi finalmente adotada. A proposta foi elaborada pelos 10 membros não permanentes do Conselho de Segurança e aprovada por 14 membros. A China e a Rússia desempenharam um papel fundamental nessa resolução, e os EUA se abstiveram porque ela não condenava explicitamente o Hamas.


Reunião de Isma’il Haniya com Wang Kejian / Telegram.me/Funcionário do Movimento Hamas

Em meados de março, o embaixador do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Kejian, reuniu-se com o presidente do Bureau Político do Hamas, Isma’il Haniya, no Catar. Após a reunião, o Hamas declarou que “a China, ao contrário dos EUA e de alguns países europeus, o reconhece como parte legítima do tecido palestino”.

Por fim, os Ansar Allah (os “Houthis”) do Iêmen, que após os ataques de Israel à Faixa de Gaza começaram a bloquear a movimentação de navios comerciais no Mar Vermelho, anunciaram que permitirão a passagem de navios alemães, russos e chineses sem Israel como destino. Mohammed al-Bahiti, membro do comitê político do Ansar Allah, disse que “os navios chineses e russos não são alvos. Eles não são nossos alvos”.

Melhoria das relações entre China e Austrália

As importações de carvão australiano para a China aumentaram 3.188% em relação ao ano anterior, chegando a R$ 6,7 bilhões nos dois primeiros meses de 2024, depois de terem sido zeradas em janeiro de 2023. Assim, a Austrália é mais uma vez o principal fornecedor de carvão da China, substituindo a participação da Rússia, que caiu de quase a metade para 22%. Em janeiro e fevereiro, a Austrália foi responsável por 24% do total de importações de carvão; em 2019, chegou a 60%. Em 2022, a participação de mercado da Austrália caiu para 1,5% devido às restrições comerciais resultantes das crescentes tensões entre os dois países.


 

Após a vitória eleitoral do primeiro-ministro Anthony Albanese, que está buscando melhorar as relações, a China removeu as tarifas sobre a cevada australiana no ano passado e retomou as importações de carvão em fevereiro do ano passado. Essas compras não têm tarifas de importação, pois ambos os países são membros do pacto de livre comércio da Ásia-Pacífico.

As exportações de baterias de lítio da China para a Austrália aumentaram 90% em relação ao ano anterior, chegando a mais de R$ 480,5 milhões. As importações de vinho da Austrália estão se recuperando lentamente para uma participação de 0,6% nos dois primeiros meses do ano, muito longe dos 37% que atingiram em 2019.

Pequim impôs tarifas de até 218% sobre o vinho australiano em março de 2021. Em sua primeira visita em 7 anos a Canberra, o Ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, reuniu-se com sua homóloga Penny Wong e anunciou que as restrições às importações de vinho estão sendo revistas. Ambas autoridades anunciaram que o primeiro-ministro Li Qiang visitará a Austrália.

A China tem excesso de oferta de aço e o Brasil e o México iniciam investigações antidumping

As exportações de aço da China atingiram o maior nível em oito anos e aumentaram 32,6% para 15,9 milhões de toneladas nos dois primeiros meses do ano. As exportações de aço em 2024 podem até mesmo superar as do ano passado, quando atingiram um recorde de 90 milhões de toneladas em sete anos. A China produz cerca de 55% do aço do mundo.

Ao mesmo tempo, países como México, Brasil, Vietnã e Tailândia lançaram várias investigações antidumping sobre as exportações chinesas. Dumping é a prática de vender um produto abaixo do preço de custo a fim de eliminar a concorrência e dominar o mercado. O México, em particular, está agindo sob pressão dos Estados Unidos em termos de sanções contra a China. Já em agosto do ano passado, o México impôs tarifas entre 5% e 25% sobre as importações de centenas de produtos de países com os quais não tem acordo de livre comércio, sendo a China um dos países mais afetados. Agora, o Ministério da Economia impôs um direito compensatório provisório de 31% sobre os produtores chineses de pregos de aço e tarifas de 3 a 12% sobre as esferas de aço importadas da China, após concluir outra investigação antidumping.

O Brasil, por outro lado, iniciou pelo menos seis investigações a pedido de fabricantes nacionais que alegaram que, entre 2022 e 2023, as importações de certos tipos de placas de aço carbono da China aumentaram quase 85%. 

As siderúrgicas brasileiras solicitaram ao governo a imposição de tarifas entre 9,6% e 25% sobre os produtos siderúrgicos importados. As importações totais de aço e ferro da China aumentaram de R$ 8 bilhões em 2014 para R$ 13,5 bilhões no ano passado.

Ainda não se sabe como esse aumento maciço nas exportações de aço da China afetará seu relacionamento com outros países produtores no Sul Global.

China emite títulos públicos de ultralongo prazo

O novo modelo de moradia, uma das principais metas para 2024, concentra-se fortemente em moradias acessíveis fornecidas pelo Estado. De acordo com a nova estratégia – anunciada em uma reunião presidida pelo Presidente Xi Jinping em dezembro – o Estado assumiria uma parcela maior do mercado imobiliário, que durante anos foi dominado pelo setor privado.  Nesse contexto, o primeiro-ministro Li Qiang anunciou a emissão de um trilhão de yuans (R$ 694,6 bilhões) em títulos de prazo “ultralongo”, visando intensificar os gastos do governo para apoiar a inovação científica e tecnológica, o desenvolvimento urbano-rural integrado e a segurança alimentar e energética. Essa medida, juntamente com o novo modelo imobiliário, tem como objetivo compensar os retrocessos do setor nos últimos anos. Não está claro se os fundos poderão ser transferidos diretamente para os governos locais, em meio à crescente pressão da dívida que eles enfrentam devido à queda nas vendas de terras.


Economia chinesa em janeiro e fevereiro de 2024 / Dongsheng News

Embora os títulos de prazo “ultralongo” não sejam uma novidade para a China, a emissão maciça só aconteceu três vezes no passado: para recapitalizar os quatro maiores bancos estatais após a crise financeira asiática de 1998, para criar um fundo de riqueza soberana na China Investment Corporation em 2007 e para financiar o apoio fiscal relacionado à pandemia em 2020. 

Gala 3.15: o programa de TV que expõe golpes e propagandas falsas de marcas e empresas

Como faz todo dia 15 de março, a emissora estatal CCTV exibiu o programa “Gala 3.15”. No Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, o programa apresenta investigações secretas sobre vários casos de irregularidades, propaganda enganosa ou fraudes.

Este ano, as denúncias incluíram uma empresa que vendia extintores de incêndio com defeito, produtos alimentícios preparados com cortes de carne de porco sem o processamento exigido pelos regulamentos, um licor que anunciava falsamente que poderia curar a disfunção erétil e até mesmo um aplicativo de namoro que enganava os usuários.

Por outro lado, um dia antes de 15 de março, o Conselho do Consumidor de Xangai lançou uma investigação sobre produtos vendidos por streamers que alegavam ser saudáveis, com baixo teor de gordura, açúcar, sódio ou alto teor de proteína.

Dos 100 streamers que foram investigados, 83 alegavam vender produtos sem açúcar, mas metade desses produtos, na verdade, continha altos níveis de açúcar. De acordo com o relatório, os streamers avaliados receberam uma pontuação média de 5,44 de um total de 10. O WeChat, o aplicativo mais usado no país, obteve a pior classificação entre os aplicativos, com uma pontuação de 1,80, apontando para uma deficiência “grave” na proteção dos direitos do consumidor.

Edição: Thalita Pires