Há 20 anos, o INCT Observatório das Metrópoles iniciava um conjunto de pesquisas focadas na investigação das relações entre a segregação residencial, característica das grandes metrópoles brasileiras e a segmentação ou as desigualdades escolares. Isso porque, há tempos, observava-se que os serviços públicos em muito se diferenciavam, em termos de qualidade, quando levada em conta a sua localização no território metropolitano.
O que ocorria em relação à prestação de serviços de mobilidade urbana, saneamento, saúde, entre outros. No caso específico da educação, além de constituir-se como um direito social em si, ela representa também um ativo essencial para a garantia do acesso a outros direitos.
Este artigo propõe a adesão das discussões que pontuam as desigualdades educacionais como elemento estratégico para a composição das reflexões em torno da questão urbano-metropolitana. Isso se deve ao contexto do trabalho que o Observatório vem desenvolvendo, orientado para a contribuição através de seus estudos e pesquisas, em relação à construção de uma agenda pública que possa pautar os debates relacionados às eleições de 2024.
O objetivo deste texto é destacar a importância da elaboração de políticas públicas educacionais comprometidas com o enfrentamento das desigualdades escolares que aparecem inscritas no território.
A ideia é que sejam construídas a partir de um modelo que permita a sua avaliação, para saber se atende ou não o objetivo ao qual foi definido em sua elaboração.
Ainda na primeira gestão do atual prefeito Eduardo Paes (PSD), iniciada em 2009, um novo programa educacional foi apresentado à população. Denominado “Escolas do Amanhã”, este programa levou em conta as relações entre as desigualdades urbanas e as desigualdades escolares, destacadas pelos pesquisadores do INCT Observatório das Metrópoles, entre outros investigadores nacionais e internacionais. Como foco de minha tese de doutorado, defendida em 2018, tomou-se como objetivo a avaliação desta iniciativa relacionada a uma agenda política educacional, comprometida com a busca por equidade educacional na metrópole fluminense.
O programa “Escolas do Amanhã” consistia numa iniciativa que, através de um conjunto de projetos, propunha um investimento diferencial por parte da Secretaria Municipal de Educação, direcionado a 150 escolas da rede inicialmente. Estes estabelecimentos de ensino apresentavam baixos indicadores em termos da qualidade e do fluxo escolar, identificados por avaliação externas e padronizadas; e estariam localizados em “áreas vulneráveis”, caracterizadas pelos impactos negativos dos processos de segregação urbana.
Na literatura internacional, naquele momento, era possível relacionar tal proposta a uma série de políticas desenvolvidas a partir da segunda metade do século XX. Denominadas como ação compensatória ou discriminação positiva, estas políticas haviam sido desenvolvidas em países como Estados Unidos, Inglaterra, França, Portugal, entre outros.
Entre as políticas anteriores, denominadas também como focalizadas, algumas desenvolveram-se no Brasil, como por exemplo o caso dos CIEPs, no estado do Rio de Janeiro, ou mais recentemente o programa federal “Mais Educação”. Estas estariam comprometidas com o princípio de “dar mais a quem tem menos”, buscando alcançar um padrão mínimo de equidade educacional. A partir do levantamento destas experiências, um enorme histórico de polêmicas e debates facilmente poderia ser identificado pelos formuladores de políticas, reconhecendo um grande risco inicial à implementação deste tipo de proposta na cidade do Rio de Janeiro.
De todo modo, o objetivo de avaliação da eficácia do programa “Escolas do Amanhã” foi mantido, e este trabalho verificou que os maiores obstáculos para a sua investigação estavam relacionados ao próprio desenho que embasava o programa. Com uma proposição de intervenção que não abarcava todo o conjunto de escolas da rede, apresentava-se como possível o desenvolvimento de uma pesquisa quase-experimental, a qual potencialmente garantiria a elaboração de um modelo de pareamento por escolas, assegurando a maior semelhança possível entre o grupo quase-experimental (as 150 Escolas do Amanhã) e o grupo de controle (outras escolas de rede municipal com características semelhantes).
Ocorre que, na prática, o programa “Escolas do Amanhã” conformou-se pela execução de um conjunto de projetos de distintas finalidades.
Entre elas, reforço escolar, saúde das crianças, atividades no contraturno, aulas de inglês, construção de laboratórios científicos, entre outros, que eram aplicados a algumas das escolas selecionadas e não outras. Inclusive, alguns destes projetos apresentados como atrelados ao programa, desenvolviam-se em outras unidades escolares que não aquelas selecionadas pelo programa.
Assim, não estava estabelecida uma unidade referente às ações de intervenção associadas ao programa que pudesse garantir que possíveis variações, identificadas ao longo do período de investigação em termos de fluxo e resultados educacionais, seriam causadas pela chegada do programa em questão. Logo, neste caso analisado, estava claro que não houve comprometimento do poder público municipal com a elaboração de um desenho de programa educacional que permitisse a sua avaliação em termos de eficácia.
E, por que isto seria importante? Como um gestor público pode decidir pela continuidade, interrupção, ou mesmo uma inflexão no desenvolvimento de determinada política, programa ou projeto social, sem ter informações robustas a respeito de sua eficácia?
Se o que importa, de fato, é o bem-estar coletivo, inviável num cenário marcado por desigualdades tão profundas e de inúmeras ordens, consiste como essencial para a população em seus processos de escolhas de representantes ter asseguradas as possibilidades avaliativas e de monitoramento das políticas públicas, sejam elas educacionais, urbanas, metropolitanas ou tantas outras. Este texto finaliza com um apelo aos gestores públicos, para que estejam essencialmente comprometidos com a construção e garantia de modelos de políticas que facilitem, de modo permanente, iniciativas de avaliação.
*Pesquisadora do INCT Observatório das Metrópoles.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Mariana Pitasse e Rebeca Cavalcante