Os Estados Unidos anunciaram no dia 18 de março a proibição do último tipo de amianto ainda utilizado por algumas indústrias do país. Isso ocorre meio século depois de o governo estadunidense iniciar a luta contra a utilização desse mineral altamente cancerígeno.
O amianto é uma fibra natural que, apesar das várias aplicações industriais que tem, é altamente prejudicial à saúde humana e, por isso, teve seu uso proibido em diversos países do mundo. A Islândia foi o primeiro país a banir a substância, em 1983, seguido pela Noruega, em 1984, Dinamarca e Suécia, em 1986. Em 2005, foi proibido pela União Europeia. Países como Austrália, Japão, Coreia do Sul e Canadá, por exemplo, também já aderiram à proibição.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Associação Internacional para Pesquisa sobre o Câncer (IARC), também reconheceram o risco cancerígeno do amianto, afirmando que ele causa milhares de mortes por ano no mundo, e aconselhando países de todo o globo a eliminar integralmente o uso do produto para prevenir doenças graves, como o câncer.
O amianto pode ser encontrado em mais de três mil tipos de produtos, como telhas, caixas d'água, pastilhas de freios e revestimentos de discos de embreagem em veículos, em vestimentas especiais - como a do corpo de bombeiros - materiais plásticos, termoplásticos, de isolamento e vedação, tubulações, massas e em tintas e pisos vinílicos, por exemplo.
Já foi muito utilizado, principalmente, por suas qualidades de flexibilidade, resistência ao fogo, ao ataque químico e biológico, por sua durabilidade e similaridade com o cimento e as resinas e pelo valor acessível para a indústria. Segundo a OMS, mais de 125 milhões de pessoas em todo mundo estão expostas ao amianto em seus locais de trabalho, por meio da inalação de fibras presentes no ar.
Fernanda Giannasi, brasileira que conquistou reputação internacional por seu trabalho contra a indústria do amianto no Brasil, e autora do livro A Eternidade - A construção social do banimento do amianto, destaca na obra que há registros da presença do elemento até em brinquedos, filtros de cigarro e absorvente íntimo. Ela reforça que “não há uso seguro para o amianto”.
Após ter sido banido em mais de 60 países, agora, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) também fechou as portas para o amianto que, causa câncer de pulmão, ovário e laringe, no trato digestivo, reto e cólon, entre outros tipos de neoplasias.
Asbestose
A asbestose, conhecida como “pulmão de pedra”, é outra doença progressiva e fatal causada pela contaminação pelo amianto. A inalação da fibra provoca na pessoa um endurecimento progressivo do pulmão, até impedir o movimento de expiração e inspiração.
As vítimas de asbestose, portanto, morrem lenta e dolorosamente por asfixia. As doenças, segundo os médicos, manifestam-se, em média, após dez a quinze anos do período de contaminação.
De acordo com uma reportagem veiculada no jornal Brasil de Fato em 2019, “segundo estimativas, essa exposição ocupacional (de quem trabalha diretamente com o mineral) ou ambiental (de quem vive próximo de produtos com amianto) mata, pelo menos, 200 mil pessoas por ano. No Brasil, a população tem contato com cerca de 7 milhões de toneladas de amianto”, diz a matéria.
A reportagem também evidencia casos de pessoas que trabalharam com a produção de materiais que contêm amianto e passaram a sofrer com cânceres gravíssimos causados pelo contato com o produto. Não apenas os trabalhadores que fabricam e manipulam produtos, mas toda a população acaba afetada pela exposição ambiental, principalmente, os moradores que vivem nas proximidades de fábricas onde se manipula a fibra.
Alternativas ao amianto
Há décadas, a discussão sobre o problema já ocorre, mas só agora os Estados Unidos encerram, definitivamente, a utilização do produto no país. O uso do material foi restringido pela legislação norte-americana entre os anos de 1972 e 1989, mas o amianto de crisotila ainda estava em uso nos Estados Unidos. Ele ainda era bastante utilizado pela indústria automotiva e também na fabricação de alvejantes à base de cloro, incluindo os utilizados no processo de purificação da água e da soda cáustica.
De acordo com uma reportagem veiculada na Fast Company, na administração do ex-presidente Donald Trump, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) foi orientada a tornar ainda mais fácil para as empresas introduzirem novos usos de produtos contendo amianto nos EUA. A nova regulamentação estadunidense anunciada pelo presidente Joe Biden, no entanto, agora proíbe imediatamente a importação de amianto para a produção de cloro.
Segundo a EPA, as oito fábricas do país que ainda utilizavam o amianto para produzir cloro nos Estados Unidos se beneficiarão de um “período de transição” de alguns anos, que lhes permitirá mudar de tecnologia sem correr o risco de afetar os processos de purificação da água. Também já está previsto um período de transição para a indústria automotiva.
Entre as centenas de alternativas de tecnologias mais seguras que já existem para substituir o elemento estão celulose, fibra cerâmica, fibra de vidro, fibra aramida, grafite, entre outros diversos materiais mais tecnológicos e muito menos nocivos à saúde humana. Pesquisadores do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC), na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) já desenvolveram, por exemplo, uma fibra cerâmica com a proposta de substituir com excelência o amianto.
De acordo com os pesquisadores, “ela é “biocompatível, o que significa que não há problema em absorvê-la pela respiração, diferentemente do que acontece com o amianto”, afirma Elson Longo, coordenador do CMDMC. O projeto também contou com a colaboração também do professor José Arana Varela da Universidade Estadual Paulista (Unesp). De acordo com eles, a fibra cerâmica, além de substituir o amianto, pode também ser aplicada para aumentar a resistência mecânica do cimento e para fazer isolamento térmico, entre outras aplicações.
O cenário do amianto no Brasil
No Brasil, por sete votos a dois, em 2017, a exploração do mineral foi proibida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), depois de pelo menos três décadas de discussão sobre o assunto (Lei Federal 9.055/199).
Com isso, o Congresso Nacional e os estados ficaram proibidos de aprovar leis que autorizem o uso do material e território nacional. Porém, uma lei estadual de 2019 (Lei nº 20.514) autorizou a retomada da exploração do amianto crisotila para exportação. Três anos depois, em novembro de 2022, o STF atendeu a um pedido do Ministério Público Federal e determinou novamente a suspensão da exploração até que fosse avaliado se a legislação é ou não inconstitucional. O alerta sobre os riscos do amianto é feito desde o início da década de 1990, mas em outros países do mundo, os estudos sobre o potencial cancerígeno do produto vêm de muito antes: 1955.
As maiores pressões para a manutenção da liberação da exportação do amianto no Brasil vêm especialmente do Governo de Goiás e da Prefeitura de Minaçu, município de cerca de 30 mil habitantes, que tem na extração do amianto a principal fonte econômica da cidade.
Em 1962, foi descoberta no local a maior mina de amianto em atividade até hoje no Brasil, conhecida como Cana Brava, de propriedade da empresa Sama Minerações. A exploração do amianto no país data de 1923, mas foi a partir da descoberta da mina que o Brasil deixou de ser importador de fibra e passou a ser exportador, ocupando hoje a terceira posição na produção mundial.
Uma reportagem da Central Única dos Trabalhadores (CUT), evidenciou que, com um total de 300 mil toneladas extraídas todo ano, a mina de Minaçu é a terceira maior mina de amianto crisotila do planeta depois da Rússia (a maior do mundo) e do Canadá. E é a única ainda em atividade no continente latino americano. “Nada menos do que 13% de todo o amianto vendido no mundo sai de Minaçu”, destacou a reportagem.
Os pedidos de manutenção da produção de amianto no país, dizem defensores da ideia, buscariam defender os interesses da população, que depende dos empregos na mina para sobreviver em Minaçu. Mas há outros interesses econômicos e políticos por trás da intenção.
Em 2019, uma comissão de senadores, entre eles o então presidente do Senado, David Samuel Alcolumbre (DEM), Vanderlan Cardoso (PP), Luis do Carmo (MDB) e Chico Rodrigues (DEM) foram, acompanhados pelo até hoje governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), líder ruralista e empresarial goiano, à cidade de Minaçu para defender a volta da exploração do amianto.
Na época, uma declaração feita para uma reportagem da TV Senado, Alcolumbre falou sobre o interesse financeiro por trás da proposta. “Não é possível que a frieza de uma linha de lei possa se sobrepor à vida das pessoas que trabalham, que tiram seu sustento com dignidade, nessa mineradora, fazendo com que riquezas sejam transferidas para este município, para o Estado de Goiás e para o Brasil”, disse o senador. Os esforços do grupo buscavam desconstruir as evidências médicas e científicas em relação ao risco de vida que o amianto representa para toda a sociedade.
Hoje, a comercialização de amianto para o mercado interno no Brasil é proibida, mas a fábrica de Minaçu continua exportando o material livremente. Com o banimento da fibra nos Estados Unidos, as exportações passam a se limitar a países que ainda não proibiram o uso do produto, especialmente, os periféricos ou em desenvolvimento, onde ele continua sendo usado em grandes quantidades na construção civil, de modo geral em áreas mais carentes dos centros urbanos. Países como Venezuela, Colômbia, Suriname, Equador, México, Bolívia, Panamá, Nigéria, Etiópia, Angola, Cuba, entre outros, ainda não proibiram o uso do produto. A lista completa pode ser conferida aqui.
Diante do cenário global, é urgente retomar as discussões para a proibição da exportação do amianto pelo Brasil. E quanto às necessidades da população, que ainda tem como fonte de recursos majoritária o trabalho relacionado à fabricação do material, seriam necessárias políticas públicas para um redirecionamento econômico da região, a fim de que a população do município tivesse outras oportunidades de garantir o sustento e ter acesso à direitos básicos e essenciais de qualidade.
Documentário “Não respire”
O documentário “Não Respire – Contém Amianto” investiga como a indústria do produto – a partir de doações para campanhas políticas, financiamentos a pesquisas acadêmicas e investimentos em marketing – trabalha para vender a imagem de que o tipo de amianto usado no bilionário mercado brasileiro de telhas, chamado de “crisotila”, não é tão ruim assim. Ele pode ser visto aqui: https://reporterbrasil.org.br/documentarios/naorespire/
Confira também a publicação do Ministério da Saúde e do INCA (Instituto Nacional do Câncer): Amianto, câncer e outras doenças: você conhece os riscos?
*Claudia Guadagnin, jornalista, pós-graduada em Antropologia Cultural e mestra em Direitos Humanos e Políticas Públicas. Soma mais de uma década e meia de trabalhos jornalísticos em prol de temas socioambientais.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato
Fonte: BdF Paraná
Edição: Pedro Carrano