O PSDB perdeu todas suas cadeiras na Câmara Municipal de São Paulo após o fim da janela partidária – período de 30 dias, sete meses antes das eleições, para que ocupantes de cargos eletivos, vereadores, deputados federais e estaduais e senadores, possam trocar de partido sem perder o mandato. Em contrapartida, o MDB foi a sigla que mais incorporou vereadores.
A maioria dos oito vereadores deixou o PSDB para se filiar ao MDB, o partido do prefeito Ricardo Nunes. São eles: Fabio Riva, Gilson Barreto, João Jorge e Sandra Santana. Aurélio Nomura e Carlos Bezerra Júnior foram para o PSD de Gilberto Kassab. Rute Costa foi para o PL, e Xexéu Tripoli migrou para o União Brasil.
Com isso, o MDB se tornou a sigla com o maior número de vereadores da Câmara e agora está com 11 dos 55 vereadores. Na sequência, aparecem PT (9) e União Brasil (7). Além dos tucanos, o partido incorporou o vereador Sidney Cruz do Solidariedade, que também desapareceu do quadro do legislativo de São Paulo. A única vereadora que deixou o MDB foi Janaina Lima, que se filiou ao PP.
A decadência do PSDB não se deu apenas em São Paulo. No total, a legenda desapareceu em 12 das 26 câmaras legislativas municipais de capitais: Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), São Luís (MA), Recife (PE), João Pessoa (PB), Florianópolis (SC), Curitiba (PR), Boa Vista (RR), Aracaju (SE), Maceió (AL) e Vitória (ES).
O partido manteve representantes nas outras capitais, mas o número de vereadores diminuiu expressivamente. É o caso da Câmara Municipal de Fortaleza, onde saiu de três para apenas um parlamentar: Cláudia Gomes se filiou ao PDT, e Cônsul do Povo, ao PSD. Somente no Centro-Oeste, o partido conseguiu algumas filiações: em Cuiabá, no Mato Grosso, e Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, somaram-se quatro e cinco novos vereadores, respectivamente.
Como MDB e PSDB chegaram a esses cenários?
A cientista política Maria do Socorro Braga, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), afirma que o balanço do PSDB após a janela partidária é resultado de um processo anterior à janela partidária.
Um dos fatores são as brigas internas que partem de estratégias políticas diferentes, entre os chamados "cabeças brancas", quadros mais tradicionais do partido, como Aécio Neves em Minas Gerais, e os "cabeças pretas", nomes que passaram a ter expressão na sigla mais recentemente.
Entre os expoentes dos cabeças pretas está o ex-tucano João Doria, que concorreu ao governo do estado de São Paulo com o lema "BolsoDoria" ao se associar o então candidato à presidência da República, Jair Bolsonaro. A estratégia é tida como um dos momentos em que uma ala do PSDB levou a sigla para mais perto da extrema direita, desfigurando a identidade partidária.
"O que aconteceu nessas últimas semanas foi justamente isso: a bancada de vereadores querendo fazer uma um acerto comum para apoiar Ricardo Nunes (do MDB, apoiado por bolsonaristas), e o outro grupo com lideranças mais antigas do PSDB da cidade de São Paulo querendo apoiar a Tabata Amaral (PSB, atual partido do ex-tucano Geraldo Alckmin)", explica Braga. "Isso criou essa celeuma que vai então desembocar nessa desidratação do PSDB de São Paulo."
"O conflito interno está relacionado a essa eleição local, mas também à polarização porque tem o elemento bolsonarista. E aí leva ao crescimento do MDB, que leva o bônus dessa divisão e se fortalece com o apoio do bolsonarismo", afirma. A professora, no entanto, destaca que o crescimento do MDB, por enquanto, é pontual e está mais ligado à conformação da correlação de forças para as eleições municipais. Nacionalmente, o partido ficou enfraquecido, assim como PT e PSDB, após a ascensão do bolsonarismo, que tomou espaço eleitoralmente e politicamente das legendas mais tradicionais.
Elisandro Roath Do Canto, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), soma a esse quadro o questionamento ao resultado das eleições presidenciais de 2014, que deram a vitória para Dilma Rousseff (PT).
"A derrota de 2014 representou uma frustração muito grande para o leitorado do PSDB, que é um eleitorado mais de centro classe média liberal. Um outro elemento que serviu também para representar essa derrocada PSDB foi o fato de que na eleição de 2014, Aécio Neves ter contestado os resultados", afirma Do Canto.
"Essa estratégia acabou alimentando movimentos da extrema direita, que já tinham certa contestação à democracia brasileira. E o fato de o Aécio questionar o resultado eleitoral criou o caldo que lançou eleitorado do PSDB nas mãos da extrema direita, nas mãos do bolsonarismo. O que a gente percebe é que 2014 para cá tem uma fuga do eleitorado de centro e da direita para discursos mais radicais e antidemocráticos e cisões internas, dado o custo da perda do poder político do PSDB", defende o cientista político. "O PSDB entrou em crise, perdeu a sua entidade e a sua capacidade de galvanizar o eleitorado."
Por outro lado, o cientista afirma que o MDB está se tornando um dos satélites do bolsonarismo a partir de alianças com o PL. No entanto, assim como Maria do Socorro Braga, Elisandro afirma que não há conclusão se esse movimento do MDB terá a substância em termos de revigorar o MDB como partido de centro no âmbito nacional. "Nacionalmente, está muito dividido, com alguns elementos do partido apoiando o governo Lula, inclusive."
O cientista político afirma que, nesse cenário, tanto PSDB como MDB estão em uma "grande crise de identidade". "O centro político tradicional do Brasil, constituído desde 88, vive uma crise identidade e foram empurrados agora recentemente mais ainda para a direita, na medida em que o governo Lula fez a aliança com Alckmin e ocupou mais o centro político. É difícil encontrar um espaço de uma direita democrática liberal no cenário com lideranças escassas e sem um discurso consistente."
"Eu acho que esse grande ponto: o PSDB perdeu o discurso social-democrata. O MDB perdeu o discurso desde protetor da constituinte e em troca e sobrevivência de curto prazo apoiando o bolsonarismo. Isso liquidou com esses partidos. Realmente foi uma estratégia imediatista e personalista de algumas lideranças que acabaram colocando esses partidos na mão da extrema direita", afirma.
Crescimento do MDB é "ilusório"
Para Lincoln Telhado, cientista político e diretor do Instituto de Estudos Legislativos e Políticas Públicas (IELP), o crescimento do MDB nas câmaras municipais é "ilusório". O pesquisador levar em consideração que o partido já chegou a ter mais de mil prefeitos no país, o que representa cerca de um quinto do total de municípios do Brasil.
"O MDB está fazendo uma política de redução de danos, principalmente através da migração de lideranças de outros partidos, para não perder relevância. É talvez uma política que outros partidos não conseguiram fazer", afirma Telhado.
O cientista também explica que o MDB "sempre foi um partido que não tem problema muitas vezes em ser ali o segundo da chapa. Não é um partido de expressiva votação nacional principalmente para cargos majoritários na presidência da República".
A legenda "se viabiliza como partido municipalista. Então, desde sempre, o MDB tinha como objetivo ter uma capilaridade política. Desde o seu nascimento, depois da ditadura, ele manteve esse perfil de compor o governo e o legislativo. E no caso das prefeituras também, por ser um partido amorfo, de centro, que cabia de tudo", diz Telhado.
A estratégia foi contrária à do PSDB, que "sempre foi um partido de encabeçar chapas, ter candidaturas para o cargo executivo majoritário, como para presidente da República e o governador, e utilizar essa candidatura para puxar voto para outras candidaturas. O MDB nunca teve essa estratégia, porque entendeu que não poderia depender disso como é para sua sobrevivência".
Por que a quantidade de vereadores importa aos partidos?
De acordo Maria do Socorro Braga, quanto mais vereadores um partido reunir, maior é a capilaridade da sigla entre a população de cada município. Consequentemente, isso cria palanques maiores tanto para os candidatos às prefeituras quanto para as próximas eleições, quando serão eleitos deputados, senadores, governadores e o próximo presidente da República.
"Isso tem uma consequência para 2026, porque há muita dobradinha. Os vereadores e muitos prefeitos vão ser os cabos eleitorais desses próximos quadros em níveis estadual e nacional. Toda essa base que vem com esses candidatos também vai ajudar a eleger deputados, senadores, governadores. Uma coisa vai levando à outra", explica Braga.
Consequentemente, com bancadas maiores eleitas para a Câmara dos Deputados, os recursos dos fundos partidário e eleitoral e o tempo TV também aumentam para as próximas eleições. Isso porque os valores serão distribuídos aos partidos de acordo com as bancadas que serão eleitas em 2026.
"Todos os recursos que vêm para essas eleições já são dados em eleições passadas. É a eleição para a Câmara dos Deputados que vai dar o montante de cada partido. A nossa estrutura partidária é hierárquica. O dinheiro vai para a cúpula nacional de cada partido, que faz a distribuição pelos estados, e os estados fazem para as cidades", afirma Braga.
"Toda a estrutura vem de cima pra baixo, por isso esse investimento local para se chegar em 2026 eleger grandes bancadas para a Câmara. Como resultado, tem mais recursos para a próxima eleição local, que vai ser em 2028."
Edição: Thalita Pires